NÃO DESLIGUE!!!

NÃO DESLIGUE!!!

Acordei com o barulho do telefone tocando e instintivamente olhei o relógio. 3h20 da madrugada. Quem faria uma ligação a essa hora?

Engraçado é que meu celular estava carregando, porém ligado. Todas as vezes que alguém pede meu número, eu passo o do celular, por conta das redes sociais de fácil acesso. Meu telefone fixo era apenas para cadastros esporádicos de entrevistas de emprego. NINGUÉM tem esse número. E era justamente o que tocava.

Já não basta a estranheza de que venho recebendo ligações nesse telefone fixo e, quando atendo, não ouço nada. Falo "alô" três vezes, mas ninguém responde.

O telefone insiste em continuar tocando. Isso não é normal. Será que alguma empresa de cobrança ou telemarketing colocou uma chamada automática no meu número? Nenhuma teoria parecia certa.

Eu olhava para o relógio digital na minha cabeceira (já que não gosto de mexer no celular enquanto carrega, para não viciar mais a bateria), 3h21.

O telefone para de tocar.

Eu durmo no quarto de cima. Minha mãe no quarto ao lado. Somos apenas nós na casa. Ela já estava dormindo. Nosso telefone fixo estava lá em baixo, na sala. E eu não queria que nada acordasse ela, justamente pelo fato de que ela acordaria cedo para trabalhar amanhã.

Fecho meus olhos na intenção de voltar a dormir.

O telefone volta a tocar.

Talvez seja algum grupo de jovens bêbados querendo passar trotes em números aleatórios.

Depois de pensar nessa hipótese, comecei a me convencer, mas logo mudei de ideia ao ver que meu celular começou a vibrar. Um SMS. A mensagem era de um número esquisito: +69915001.

Eu não fazia ideia de quem fosse, mas desbloqueei o celular com a senha numérica. O sono não me fez prestar atenção em muita coisa. Ao clicar no ícone das mensagens, a seguinte mensagem do mesmo número surgiu na tela:

“ATENDE!”

Seria esse número que está me ligando? Como ele sabe meu número? De onde está vindo essa ligação? O telefone volta a tocar... e pra quem já estava agoniado, o horror aumentou de modo considerável.

Resolvi descer as escadas e acender as luzes. Meu telefone fica na frente do meu computador - coisa moderna hoje em dia, já que tudo é feito pelo celular -. Olhei para o telefone tocando. Tudo dormia lá fora, assim como mamãe também...

Apenas três coisas não dormiam: Eu, diante da segunda coisa, o telefone, que tocava por causa da terceira coisa, alguém. E é aqui que se encontra o problema.

Eu fiquei estático. Apenas minha respiração ofegante e a voz de quem precisava dormir mais um pouco ali se manifestava com mais destaque:

- Ah, velho! Isso é frescura minha!

Mas isso eu dizia com a boca. O coração, quanto mais ouvia afirmações da boca, mais ainda se confundia com a realidade confusa em minha frente e a confusão do meu pobre cérebro.

O telefone parou de tocar. Olhei bem para onde estava. Na frente de um computador desligado, com a luz da sala e da escada acesas e um telefone bipolar. Que toca, emudece. Toca, emudece. Quando parou de tocar, fiquei atônito. O silêncio dessa vez foi mais ensurdecedor do que qualquer outra coisa. Aquele silêncio me perturbou mais do que o tilintar do meu telefone fixo.

Tocou outra vez.

Aquilo já estava me deixando com os batimentos cardíacos mais acelerados e por incrível que pareça eu percebi isso. Atendi:

- Alô?!...

- ...

- Alô?! Tem alguém aí? Alô?

- ...

Desliguei.

Ninguém falou nada. Como todas as outras vezes. O silêncio que estava na minha casa quando o telefone parou de tocar pareceu que foi transferido para a chamada. Como se o meu “alô?” fizesse eco do outro lado da ligação.

Como ninguém falou nada, eu iria subir. Esquecer tudo isso e voltar a dormir. A noite parece transformar qualquer coisa que se acontecesse de dia em algo assustador.

Fui ao banheiro e liguei a luz. Olhei-me no espelho e vi que estava com os olhos um pouco fundos, muito provavelmente porque tenho dormido pouco. Subi para meu quarto. Apaguei as luzes de baixo e da escada, que dava acesso à sala. Ao me deitar, fecho os olhos... mas o sono não vem.

Ótimo. Uma mensagem estranha no celular, uma ligação estranha, pronto! Receita perfeita. Misture tudo com um pouco de supertição e coloque no forno à noite. Está pronto seu bolo de “como deixar alguém assustado”. Agora é só servir. O problema é que aquele bolo parecia só pra mim, porque a porta da minha mãe estava trancada e pelo barulho do ronco, dava pra ver que ela não ouviu nada.

Fechei os olhos numa outra tentativa frustrada de dormir... nada. Fui olhar a mensagem no celular de novo. No momento em que iria pegá-lo, chegou outra mensagem. O celular vibrou na minha mão. O choque foi tanto que deixei o celular cair no chão. Quicou as arestas, mas apenas arranhou, já que a altura foi baixa. Quando olhei... mais uma mensagem. O mesmo número +69915001.

A mensagem dessa vez era:

“ATENDE!. ANTES QUE SEJA TARDE!”

CONTINUA...

Li a mensagem com receio, tanto pelo fato da repetição, quanto do alerta que ela embutia.

O telefone toca mais uma vez.

Acendo a luz da escada e desço mais rápido que de costume, indo direto ao telefone e o atendendo afobado:

- Alô?!

-...

- Olha, eu não sei quem tá aí do outro lado, mas, se isso for uma brincadeira de mau gosto, pode parar porque aqui não tem nenhum trouxa pra aturar a essa hora...

Alguém responde do outro lado:

- Sem eles, você matará sua mãe!

- O quê? Quem é você? De onde está falando?

- Você precisa parar...

Desligo.

Estarreço-me com aquela fala estranha. Uma mensagem querendo me avisar algo. Porém, nada se mostra confiável naquilo. Quem respondeu aquilo na linha deve ter sido um...

Decidi não pensar muito, embora não estivesse tão tranquilo.

Olhei para o meu celular e a voz do telefone me assombrou. "Sem eles, você matará sua mãe!"

Minha mãe é meu maior tesouro na Terra. Já dei muito trabalho para ela e não quero mais ser um estorvo, mas um orgulho. Eu não queria incomodar seu sono porque não seria certo despertá-la para lhe falar sobre isso.

Outra mensagem chegara.

Tratava-se do mesmo número de antes. Enquanto destravava o celular com a senha numérica, notei que o número que me mandava mensagens era o mesmo da minha senha. 69915001. Eu escolhi uma senha fácil para meu celular já que é a data do meu aniversário ao contrario: 10/05/1996.

Assim que abri a mensagem, mais palavras estranhas surgiram na tela:

"Eu sei o que você fez. Você matará sua mãe! ATENDE!"

Imediatamente após ler aquilo, o telefone toca novamente.

- O que está acontecendo? – sussurrei desconfiado.

Dessa vez, acendo a luz do meu quarto e todas as outras, até a da cozinha e banheiro, em súbito pânico que me surgia no peito. Atendo furiosamente o telefone.

- Alô?! Quem é?!

- Roberto!

Ele acertou meu nome. Engulo seco.

- Quem é você? Como você sabe o meu nome? De onde você está falando?!

- Roberto, eu conheço sua vida melhor do que você. Estou tentando te livrar de matar sua mãe antes que seja tarde.

- Você está louco? É algum maníaco?! Eu vou chamar a polícia!

- E para que irá chamá-los? Para prendê-lo?

- Do que você tá falando, maluco?

- Permaneça na linha e você entenderá.

- Cara, na boa, vai se ferrar! Eu não tenho tempo de aturar gracinhas essa...

- NÃO DESLIGUE ESSE TELEFONE!

- Quem é você pra mandar em mim, seu otário? Eu desligo sim! Vá à merda!

Desliguei mais furioso do que nunca pensei ficar em toda a minha vida.

No mesmo instante, a luz do meu quarto apagou juntamente com a da escada.

O telefone volta a tocar:

- Alô?

Simultaneamente, as luzes se acendem novamente. A voz no telefone voltou a se pronunciar em tom sombrio:

- Você ainda acha que é uma brincadeira?

- Cara, me deixa dormir. Se você não trabalha, problema seu! Aqui tem gente que...

- Você tem mesmo coragem de desligar esse telefone mais uma vez? A vida da sua mãe está em perigo!

- Grrrrrr! Para de me perturbar, seu idiota!

Desligo.

Ao desligar todas as luzes da minha casa se apagam e fico numa escuridão total. Aquilo está sendo uma experiência nada normal.

O telefone toca:

- Alô?

As luzes se acendem. Ao olhar para a parede surge uma mancha de sangue, pinos de drogas e cachimbos de crack na minha sala...

Continua...

Meu corpo estremece. Não havia ninguém ali comigo. Sou cético demais pra crer em fantasmas.

- Alô? Quem está falando? O que está acontecendo na minha casa?

- Roberto! Eu preciso te alertar antes que não tenha mais volta!

- Mais volta do quê? Que marca de sangue é essa? De quem são essas coisas?

- Você não se lembra Roberto? Essas coisas são suas. Você é um viciado.

Nesse momento, tenho um lapso de memória e me recordo que, em determinado momento da minha vida, acabei me entregando às drogas. Mas não a essas mais pesadas. Minha mãe havia se entristecido muito comigo nesse tempo, então resolvi largar.

- Cara, por favor! Isso não tem graça. Você deve ser um bruxo que tá enfezando a minha vida. Deixe-me dormir! Faça essas coisas desaparecerem da minha casa!

- Se você desligar, não se sabe quantas chances você ainda terá.

- Por que quando desligo acontecem coisas estranhas aqui em casa? Se desligo, apagam-se as luzes. Coisas aparecem.

- Sua mãe corre perigo!

Uma lágrima me corre a face:

- Vai se ferrar! Minha mãe está dormindo tranquilamente. Amanhã ela acorda cedo para trabalhar.

- Desligue o telefone e entenderá o porquê da marca de sangue.

- Eu vou desligar! E não me ligue mais! Volte para o inferno de onde você deve ter saído!

Desligo o telefone batendo ele com força e removo a tomada que o conectava para que ele não toque mais.

As luzes se apagam. Um vento frio começa a soprar na minha sala.

Vou tateando vagarosamente até o interruptor da sala. Não funciona. Nada funciona. E como meu celular possui lanterna, mas o deixei lá em cima no quarto, me encontrei numa escuridão que me abraçava.

Tento subir devagar as escadas apalpando os degraus. Meu coração acelera e o estranho frio que sopra me deixa confuso. Por que vento se a porta está fechada?

Alcanço o último degrau. Vou até a cabeceira da minha cama e pego meu celular e confiro as horas. 3h45.

O telefone toca.

"Como ele voltou a tocar se eu removi do conector?"

Com mãos trêmulas, ligo a lanterna e o feixe de luz fraca clareia a porta do quarto de minha mãe.

Estava entreaberta. Sangue escorria da porta.

Entro desesperado no quarto. Não há nada ali além de manchas de sangue vermelho vivo nos móveis e nas paredes. Como se a pessoa que sangrasse também ferisse alguém e uma luta corporal tivesse ocorrido.

- MÃE?! – meu grito é abafado pelo silêncio. Sinto-me num quarto trancado.

Aperto os interruptores em vão, pois nada liga. Enquanto isso, o telefone continua tocando.

Desço as escadas tremendo, iluminando o local com a lanterna, até ela começar a falhar.

Nova mensagem. O mesmo número:

“EU AVISEI! ATENDE!”

O barulho do toque do telefone faz meu corpo se arrepiar. Ao me aproximar do telefone, tropeço em alguma coisa grande que eu não havia visto no chão.

Ao iluminar, era o corpo da minha mãe estirado com os olhos sem vida.

- NÃO! MÃE ACORDA! LEVANTA! LEVANTA! POR FAVOR!

O telefone continua tocando.

Eu atendo. Todas as luzes voltaram a se acender. A porta da sala estava aberta e eu não vi. Os pinos de droga estão vazios. Os cachimbos de crack fumegando como se alguém os tivesse usado há pouco tempo.

Olho para meu corpo, minha vestimenta está rasgada. Estou todo sujo de fuligem, sangue e meus dedos estão nojentos. Minhas veias estão grossas e meu hálito horrível. Meus pés se banham naquela poça de sangue.

Não vejo mais meu computador, nem minha televisão. Minha casa está uma zona.

O corpo estirado de minha mãe me provoca lágrimas copiosamente.

Atendo, trêmulo e nervoso:

- O que está acontecendo? O que você fez? Por que minha mãe?

- Você não deveria ter desligado o nosso contato. Eu tentei de todas as formas mantê-lo comigo, mas você se recusava. Essa tragédia aconteceu por culpa sua!

Por um momento, a voz me está sendo familiar demais:

- Espera um pouco. Você sabe meu telefone pessoal, sabe minha senha de celular, sabe em partes meu passado... QUEM É VOCÊ?

-...

- QUEM É VOCÊ? RESPONDA-ME!

- Eu sou você, Roberto.

A ligação cai.

As luzes voltam a apagar. Junto de minha consciência.

****

Clarice, mãe de Roberto, ouviu todo o relato do médico da clínica, Dr. Afonso Vieira, assustada:

- Meu Deus, doutor. Meu filho piorou nesses últimos meses!

- Olha, senhora, eu entendo sua preocupação de mãe. Mas o uso de drogas mais fortes, como as que Roberto usava sempre que fugia da clínica, por pouco não o levam a cometer suicídio ou ter uma overdose.

- Mas essas alucinações dele são frequentes?

- Infelizmente são, senhora. Ele sempre fala que ouve o telefone tocar e que nunca deveria ter desligado a ligação, mesmo que ele não entendesse o porquê daquilo.

- Desde a última vez que eu o internei aqui, ele mostrava muita resistência...

- Eu entendo. O caso do Roberto não é o único. Embora ele esteja aqui há cerca de um ano, temos muitos pacientes com esse mesmo problema. Às vezes apresentam recaídas, ora melhoras. Sempre os mantemos pelo menos um ano e meio para ter certeza de que estão 100% recuperados e, mesmo assim, ainda não podemos segurar as decisões deles lá na frente.

- Doutor, eu pago o quanto for necessário. Mas, por favor, recupere o meu filho. Diga a ele que estou viva.

- Sempre falamos isso, senhora. São os efeitos danosos dos entorpecentes em excesso que causam loucuras e alucinações.

A mãe de Roberto chora baixo, mas levanta a cabeça em seguida:

- Ele pelo menos apresentou uma diferença nessas alucinações, não foi?

- Sim, e isso é, em partes, positivo. Ele reconheceu o nome da clínica. Qualquer novidade, entraremos em contato com a senhora. Fique tranquila que faremos nosso melhor.

- Muito obrigada, doutor.

A mãe de Roberto sai do consultório do doutor Afonso, pega seu carro e volta para sua casa. Olha mais uma vez para o nome da clinica e mantém a esperança de um dia ver seu filho de volta.

A.T.E.N.D.E

Associação de

Tratamento

Especializado para

Narcóticos

Dependentes e

Esquizofrênicos.

DIGA NÃO ÀS DROGAS!

ISSO NÃO É BRINCADEIRA!

Fim...

Leandro Severo da Silva e Edição e revisão MARIEL F. SANTOLIA
Enviado por Leandro Severo da Silva em 25/05/2019
Reeditado em 21/08/2019
Código do texto: T6656249
Classificação de conteúdo: seguro