GOTEIRA

Num vilarejo distante de onde moro aconteceu um fato estranho, porém real e sobrenatural. Em 2018 um casal de idosos recebeu um jovem estudante de enfermagem em sua casa para que, aproveitando os estudos, estagiasse como enfermeiro do casal nos finais de semana.

O tempo foi passando e o jovem percebeu que aquela casa tinha algo de errado.

Quando chovia, o teto gotejava muito, porém quando parava de chover e não havia sequer chuvisco lá fora, ainda se ouvia um barulho de goteira. Mas não havia mais baldes ou bacias e quando se olhava no teto, não tinha goteira nenhuma.

A casa era de alvenaria e seus tijolos eram frágeis. Porém era muito bem mobiliada, recheada de aparatos, quinquilharia e um quadro com a pintura de um casal de rosto jovem e outras fotos de jovens que o moço supôs que eram os filhos e os netos.

O casal chegou a fazer uma proposta mais convincente para o jovem que, ao invés de apenas estagiar, que tal se ele largasse os estudos e decidisse morar com eles. Em troca, pagariam todas as despesas de sua família e ainda ganharia um bom dinheiro.

Os idosos não aparentavam ser ricos, foi então que mostraram para o moço uma sala onde continha um pequeno cofre. Quando abriram, enormes quantias de dinheiro revoavam pela casa de tanto que lá havia.

“É o dinheiro de um serviço que fazemos. Dá muito dinheiro. Podemos te pagar muito bem se aceitar a proposta.”

O jovem a principio recusou e decidiu dormir ali para no dia seguinte ir de volta para casa e retomar seus estudos.

Era domingo as 23h00. O jovem estava no quartinho pequeno que os idosos tinham separado para ele. Foi quando ouviu o barulho de goteira novamente.

Ele não queria que os velhinhos acordassem e então se levantou e foi abrindo a porta do seu quarto lentamente, desceu com cuidado as escadas para se dirigir até a pia da cozinha para saber se a torneira pingava sobre a pia de cobre e mármore por fora.

Ao chegar, a torneira pingava. Ele fechou a torneira e voltou para seu quarto. A casa estava um silencio sepulcral, já que era um pouco afastada das demais cidades barulhentas onde moravam.

0h00. O som da goteira volta. Ele se perturba com aquilo pois tinha acabado de desligar a torneira da pia. Foi até lá novamente para ver se não havia nada vazando.

Olhou atrás da geladeira. Era apenas o gelo em processo de refrigeração e congelamento.

Voltou mais aliviado para seu quarto. De repente o som de goteira ficou mais intenso.

Ele estranhava tudo aquilo. Pensava se não seria um cano vazando dentro da parede. Ele perde um pouco do seu sono e fica apenas deitado na cama ouvindo, lentamente o som compassado da goteira. Olhou para a janela de seu quarto que dava acesso à rua. Não estava chovendo.

Foi novamente até a geladeira. Ela parou de gotejar. Volta para seu quarto.

O som de goteira retorna. Ele se levanta bruscamente dessa vez e decide olhar o teto da casa.

Algumas partes estavam bem velhas e mal cuidadas. Pensou que seria uma infiltração e então resolveu que, no final de semana que vem, faria uma pequena reforma naquele teto.

Dormiu com o som de goteira a noite toda, mas decidiu não mencionar aos idosos de saúde já debilitada o que ocorrera.

No fim de semana seguinte, os idosos estavam mais alegres ao ver o jovem novamente. Abraçaram-lhe e o consideraram como filho. Ele se sentia muito amado naquele lugar. Embora não conhecesse muito bem o casal, se sentia como que na casa dos avós.

Ele começou a fazer ajustes na casa, pois estava quase findando seus dias ali. Ajustou bem os canos, olhou cuidadosamente cada torneira, banheiro e geladeira para ver se tudo estava nos conformes. Um ajuste aqui... aperta uma porca aqui. Tudo funcionando corretamente.

No penúltimo dia de estágio, os idosos decidiram perguntar se ele não gostaria de fazer também uma reforma no teto, porque eles também estranhavam muito um som de goteira a noite e perguntaram se ele já ouviu esse som antes de dormir.

Ele disse que já e se preparou para passar uma massa corrida sobre aquele teto.

Após concluir em todos os pequenos cômodos, percebeu que faltava passar no quarto do casal. Quando ele entrou lá, o guarda-roupa estava fora do lugar de costume. Ele ficava próximo a cama e dessa vez estava um pouco mais longe. Ele foi arrastar quando descobriu uma porta secreta que tinha uma escada que dava pra cima. Se perguntou porque aquela porta estaria aí. Os idosos não estavam em casa, pois tinham ido a farmácia comprar algo que não especificaram o estudante.

Ao abrir a porta, um cheiro fortíssimo de formol lhe deixou zonzo. Foi subindo os degraus e a cada passo que subia mais forte ficava o cheiro. O teto foi ficando baixo e tinha uma portinha o fim da escada. Ele abriu e viu algo como se fosse peles humanas, porém embebidas no formol, uma pequena banheira e um varal de chão.

Assustado com tudo aquilo, desceu rapidamente e deixou tudo como estava antes. Terminando de arrastar o guarda-roupa do jeito que estava, viu que uma gaveta se entreabriu com os empurrões.

Ele nunca ficava no quarto do casal, que preferia ser atendido sempre no sofá. Olhou bem para a gaveta entreaberta e avistou dois documentos. Abriu rapidamente a gaveta, olhando para os lados com extremo pavor para ver se os idosos não tinham chegado ali no local.

Percebeu que eram dois documentos de identificação. O nome de cada um dos idosos estava lá. Foi olhar a data de expedição.

Após isso, ele sutilmente colocou seu celular escondido entre os móveis filmando o quarto do casal sem que eles percebessem.

À noite a goteira voltou. Mais intensa. Como se gotas grossas caíssem. O jovem não conseguiu dormir.

No outro dia ele foi sorrateiramente ao quarto do casal, já que se tratava do último dia de estágio.

Perguntaram-lhe mais uma vez se ele aceitaria a proposta de ficar cuidando deles por mais tempo. O jovem recusou, agradeceu e foi embora.

“Ei, filho! Não vai dormir aqui hoje?”

“Não. Já os incomodei demais. Obrigado por tudo!”

“Faça-nos um favor antes de ir?”

“Qual seria?”

“Não mostre esse vídeo pra ninguém, ok?”

Imediatamente o jovem saiu correndo do local e pegou o primeiro ônibus que apareceu, mesmo que levasse em direção oposta, só queria sair dali o mais rápido possível.

Quando já estava em casa, subiu para seu quarto e foi visualizar o vídeo.

Ele não conseguiu ver até o final.

Realmente ele não contou para ninguém o que viu direito.

Apenas agora.

Nesse caso, esse jovem sou eu.

Vou relatar apenas algumas coisas:

Os idosos fecharam a porta. Subiram até o pequeno sótão no teto e retiraram a banheira. Em seguida abriram a caixa que trouxeram da farmácia. Eram vários frascos de formol.

Quando encheram a banheira de formol, arrancaram as próprias peles, as deixaram no formol por um tempo. O que ele viu ali, sem pele, não conseguia descrever.

Em seguida pegaram as outras peles, que eram de jovens. Jovens que aceitaram a proposta de trabalhar ali. Colocaram no formol também. Depois, pendurou as peles embebidas no formol no varal de chão e lá... elas gotejavam até secar.

O documento dos idosos era de 1850.

Nunca mais fui lá.

Fim.

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 27/05/2019
Reeditado em 21/08/2019
Código do texto: T6658128
Classificação de conteúdo: seguro