A Cabra Magra

Em uma cabana

Um tanto distante da cidade

Pouco para lá do serrado

Passou a viver uma família qualquer

Formada está por uma cabra,

Um homem, um pirralho e uma mulher.

Mudaram-se eles para o nada

Afim de viver de forma diferenciada

Fizeram eles a estrada,

a morada, o cercado

e até mesmo o balanço que ficava bem em frente à casa.

Com esforço e tamanha dedicação, levaram apenas o necessário para o lugar. Uma viagem e apenas a de ida, a de volta nem sequer pensar.

Ao descer dá carroceria, dá carona, dá camionete velha de um senhor que vinha a milhares de quilômetros da cidade estava a família sem rumo e sem pressa, ‘’determinados’’ a viver de liberdade.

Partir dali pegaram o primeiro caminho que encontraram e foram caminhando a cortar o matagal. O homem que se denominava perito em estradas, assumia o controle de tudo com uma foice na mão esquerda e na direita a cabra magra. Ainda muito haveriam eles de andar, metros e mais metros até achar um lugar sem cercas em meio ao cercado as terras a cercar.

Andados os pés necessários enfim encontraram onde repousar. Monte de grama verde acima, onde a paz habita no mais lindo lugar, onde a vista é bonita de se ver, onde a vida é boa de se vivenciar.

Despejaram-se com eles as bagagens e a cabra amarrada ao pé de mato, ali mesmo já conseguiam ouvir, muito próximo a correr um riacho.

Minutos apenas puseram-se a descansar, logo depois, a trabalhar. Com a foice já empunhada na mão voltava cortando a estrada, e toco de lenha o homem foiçava e toco de cabana também já deitava. A força exercida já quase esmaiava e o sol manhoso seu ritmo acompanhava.

A mulher, parada não estava já ia ela devidamente preocupada furando buracos de chão para o homem fincar os caído troncos foiçados. O pirralho, no mesmo lugar jogado dizendo ao vento as certas palavras: Vamos, leve estas para longe, entregue-as a alguém e me devolva em pequenas, as respostas que me retém.

E o sol enfim despedia-se com um sorriso na cara enquanto o homem finalizava o encaixar da última pilastra. Teto coberto pelo forro que a mulher levará, chão coberto de folha seca que o homem apanhará.

Aconchegaram-se ali dentro os três e a cabra manchada esquecida amarrada ao pé de mato. O jantar que tanto aguardava era pão com água. O homem montou uma fogueira de fogo baixo para passar a noite que logo chegava.

Dia seguinte o homem acordava, mas cedo que nunca já trabalhava. Ao redor da casa arvores caídas ele fincava e amarrada a elas cordas de valha. Valia mesmo o que ele cercava, agora o pertencia toda aquela terra sarada.

A mulher logo depois acordará, cabelo para o alto e de cara amassada sem temer apunhalava a serra afiada. De lá para cá, de cá para lá a serra serrava a madeira seca que o homem cortava. Ele trazia, ela trabalhava, ele cortava e ela pregava.

E o garoto acordava mais tarde, mais ainda sim acordava, e dizendo aos pais uma boa piada. Que o vento em sonho trazia lá de sua outra casa, a resposta dá pergunta levada. E qual foi a pergunta que o vento levou meu filho? Não mais me recordo meu pai. O pai a resposta emendava – Parece que o vento realmente levou a sua pergunta para bem longe daqui.

E de papo depois tempo restava, agora ajeitar era a primeira remada. Porém o garoto paz não dava e a todo instantes perguntas atirava – E de onde vem o vento meu pai? E para onde vai? – Vem de longe meu filho, bem de longe e vai para longe também – E por que o céu é azul meu pai? E de onde vem as nuvens?

O homem já cansado das perguntas invasoras de trabalho decidiu um balanço criar. Pegou uma madeira qualquer cortou um pedaço da corda que amarrava a cabra e um pau com cordas pendurou numa arvore enfrente a cabana que era montada. Enfim o garoto agora paz lhe dava, no balaço manso ele se inquietava.

E o homem com a ajuda dá mulher pelo menos uma lateral dá cabana encerrava, agora mais três ainda faltava. Pararam ali e a fogueira o homem acendia para a mulher um pão de anteontem preparar.

Os primeiros dias não seriam fáceis para aquela família e eles foram para lá cientes das dificuldades que teriam, porém, a de se dizer que na cidade era ainda pior para levar a vida. Com várias pessoas a dever e essas o seu endereço saber, sem ter a quem recorrer, sem ter o que pagar, sem ter o que comer saíram como pode-se ver de lá. Agora alguma riqueza qualquer estavam a construir, diferente dá casa que deixaram para trás está agora em construção não custou nem um tostão, só a força que neles continha, só a condição de calos na mão.

E indagava mais uma vez sobre o tédio do balançando - Ô pai, posso fazer carinho na cabra? – Não há como acariciar aquele animal meu filho, vai brincar no balanço.

E madeira de cabana o homem cortava.

Final de tarde mais duas partes finalizaram, esgotados de tanto trabalho o almoço convidava. O homem saiu ao matagal se levava a descer o monte verde abaixo direção ao riacho com uma rede de mão, pescador ele não era, mas agora teria de ser. A chegar lançou a rede na corrente e puxou a encarar com um olhar sorridente os dois peixes apanhados. De primeira? Perguntou para o nada, desconfiando daquela tamanha facilidade. Lançou mais uma vez a rede enquanto os peixes debatiam-se no chão. Sem sucesso. E mais uma vez e mais uma vez, sem sucesso. Foi-se embora com aqueles dois apenas na mão.

A mulher partiu-os ao meio e os espetou com galhas restantes dá construção. Fincou do lado direito duas galhas controversas e no esquerdo o mesmo. Sobre essas colocou os peixes espetados e abaixo uma fogueira acendida com um fósforo e umas folhas secas que retirava do forro dá casa.

Sem muito esperar, louco para finalizar a cabana o homem mau terminará de mastigar e se voltava para o trabalho mais uma vez apunhalando o machado e a foice já desafiada. O garoto para o balanço voltava enquanto observava a cabra magra amarrada:

- Pai! A cabra está doida. Indagou o garoto com tom de espanto

- Doida por que?

E a cabra com a língua de fora pulava de um lado para o outro enquanto era enforcada pelo nó de corda apertado. Difícil seria para se aproximar sem um coice levar, o que dava para fazer para ajudar era matar, ou a corda de longe cortar. Afasta, fasta! Gritou o homem enquanto se aproximava. Ele esticou a foice, cortou a corda e depois distância apanhou. A cabra dobrou a loucura, agora pulava como uma mula e de tanto pular quebrou o calcanhar de uma das patas traseiras, era visível que a corda estava apertada no pescoço do bicho, faltava apenas entrar em sua carne. E a mulher gritava para matar e o garoto gritava que não. O animal desesperado avançou com tudo para cima do homem com os pontiagudos apontados para a frente, mesmo instante a foice para direita foi levada e voltada na cabeça do animal.

A cabra magra ainda assim não parava de pular com a foice aterrada na vertical da cara, só depois de várias puladas aderiu a parar, com o pescoço torcido ao lado encarava o homem ao se ajoelhar, o resto de energia esgotava e a cabra manchada esvaziou os últimos minutos de sua vida jogada ao gramado sangrado daquele lugar. O homem não esperou o resto de vida partir daquele corpo vazio e logo já foi retirando a foice enquanto pisava na cara no animal como lugar para apoiar.

A mulher o tempo todo tampava com as duas mãos os olhos do garoto acreditando assim que ele não veria nada, mas entre os buracos do dedo da mulher coitada a cena toda o garoto pôs-se a olhar. Coração disparado todos estavam, porém, a cabra não mais. Depois da calma comover a todos o homem pediu que a mulher fosse para o matagal dar uma volta enquanto ele dava um jeito na situação, aquilo agora era carne e não tinha muito o que fazer, bastou-se apenas duas machadadas para arrancar a cabeça de olhos saltados do pescoço da cabra. O homem assim arrastou aquele peso morto para mais perto da casa onde a mulher poderia limpar e cortar aquela carne manchada. Lançou a cabeça do bicho no riacho e deu um grito na mulher para voltar ao despacho.

E o garoto já logo abordava perguntando onde é que estava a cabra:

- Onde é que está a cabra, pai?

- Agora, difícil saber meu filho, pode estar em qualquer lugar

- O que seu pai quer dizer meu filho é que a cabra deve estar no céu. Invadiu a mulher

- No céu? Mas o céu não é só para gente

- É, mas é para animal também e sem mais perguntas, vai lá pro seu balanço

- E onde é que o corpo dela está? A gente vai enterrar não vai? – Insistiu o garoto

- Sua mãe vai preparar para a gente comer

- A gente vai comer a cabra?!

- É filho, cabra é carne assim como qualquer outra que você já comeu e como sua mãe já disse, vai lá para o balanço vai. Encerrava o pai já impaciente.

A mulher em sussurros dizia no ouvido do homem que não era assim que tinha ele que falar e o homem ignorantemente deixou-a a sussurrar ao vento enquanto volta para o riacho para ver se a cabeça havia sido levada, porém, ali estava ela empacada, ele pegou um galho e com umas cutucadas foi levada pela água. Lavou sua mão e a foice ensanguentada e em seguida voltou para o trabalho para encerrar a parede que faltava.

O garoto no balanço balanceava a pensar sobre aquela cabra que minutos atrás presa numa arvore bem em sua frente estava. O pai enfim na metade da última parede estava pregando as últimas madeiras, os últimos pregos, pregando as últimas forças e a fome do dia sobre as pilastras daquela nova casa. E nesta parede uma abertura deixava para a entrada e saída de quem abrigará. A mulher seu trabalho havia de continuar cortando a carne já não mais agitada, a faca empunhada na mão direita penetra a barriga da cabra penada e desliza junto a força colocada abrindo um corte tremendo naquela finada e assim, seguidamente de várias facadas fez a mulher da cabra magra a janta para comemorar a construção da casa.

Sobre a fogueira pouco enfrente a casa estava o jantar, a carne sobre os galhos a assar e o homem já quase desmaiando de fome pegou sua parte cru e a comeu esfomeadamente. A mulher optou por esperar e o garoto rejeitava-se a jantar:

- Mãe, não quero comer

- Mas já não é mais cabra filho, é carne

- Mas...

- Mas nada, não tem mais o que comer e o pão que nós temos é para a manhã de amanhã

- E se eu comer o meu pão e amanhã não comer de manhã?

- Nada disso! Vai comer essa carne agora! – Interferiu o pai na conversa completamente exaltado enquanto saia da cabana para ir dar uma defecada no mato.

A mulher como toda feição de mãe comeu a parte do menino em troca do pão que ela iria comer pela manhã.

Casa malfeita encerrada, toda esburacada, cerca de valha e balanço de corda para enfeitar. Faltava agora a pequena cabra magra na porta da casa a saltar.

Dia seguinte o homem acordará vomitando no mato, afinal era de se esperar, ele ingeriu a carne cru do bicho que acabará de matar. E a carne tão cedo já logo fedia dentro do saco preto que a mulher havia colocado, com certeza não haveria a repetição, daquele pecado. O homem saiu arrastando o saco preto ainda com vomito a escorrer pelo rosto. Deu nó adoidado no saco e depois o jogou no riacho, ali mesmo lavou o rosto e se banhou na água gelada.

Caminho de volta a casa o que o homem achava que estava a descansar, de longe avistou lá no balanço o garoto tão cedo a balançar. A mãe também estava já acordada e preocupada com o sumiço dá carne questionava:

- Onde foi parar a carne?

- Apodreceu e eu joguei no riacho

- Dá noite para o dia? É possível?

- Eu não sei, e não me faça perguntas difíceis

- E o que a gente vai comer?! – Perguntou a mulher tremendamente preocupada.

- Vou pescar, mulher!

O homem sentou-se no gramado abriu um saco marrom e retirou dele o pão que mais parecia uma pedra - Está faltando um! Disse com olhar de desentendimento. A mulher disse então que havia comido o pão que faltava, enquanto chamava o filho para perto.

O garoto tentou retrucar a ordem dá mãe dizendo que não estava com fome, mas mãe é mãe. A comer o pão o garoto forçou um pouco a mandíbula e acabou quebrando algo dentro da boca, a mulher rapidamente se levou a direção do garoto para olhar o que lhe havia acontecido, ele cuspiu ao chão todos os dentes dá frente, que no caso só haviam três - Era isso então, caiu mais uns dentes. Disse a mãe despreocupada enquanto apanhava os dentes no chão – Logo, logo vai crescer uns dentes novinhos aí para você. O menino assim lavou a boca num balde com água para lavar a mesma ensanguentada e após o feito comeu o pão apenas com os dentes de baixo.

O homem após comer o pão com certo esforço, já que seus dentes eram ocos, sentiu uma fraqueza desnecessária. Ele não conseguia levantar do gramado pois seus braços não lhe davam sustento para o tal, logo afirmou a se mesmo que isso era obra daquela carne que antes de morrer já não prestava, pediu então, quase não conseguindo falar para que a mulher lhe trouxesse um copo com água e a mulher desceu o manto verde abaixo para encher o balde de água do riacho.

A chegar próxima ao riacho sentiu um cheio podre no ar e no riacho uma surpresa achará, pedaços de carne escura boiando sobre a água e o cheiro incentivava aquela mulher a vomitar.

Voltou mais do que desesperada para informar ao homem o que havia ela encontrado, mas o homem no gramado desmaiado estava e o garoto coitado ao lado calado. Num tremendo desespero a mulher se jogou ao chão e o homem no mesmo instante começou a se retorcer de um lado para o outro, retorcia o pescoço enquanto os dentes travavam uns nos outros e serravam sua língua até sobrar apenas a metade em sua boca. A mulher sem saber o que fazer água suja em seu rosto jogava, mas de nada adiantava. Alguns dedos do homem se torciam ao avexo, estralavam e quebravam enquanto os ombros eram jogados para trás e os pés travados como concreto.

Algum tempo se passou sobre aquele enorme desespero da mulher e o homem enfim parou de se contorcer, a mulher com calafrios no corpo ajudou-lhe a se sentar encostando-o na parede da casa. Minutos se passaram e todos se estabilizavam ainda com uns tremores distantes, mas nada preocupante. Ela revistou de baixo acima o corpo do homem, e seus dedos da mão de nada mais prestavam, o maxilar parecia deslocado, sua boca cortada e sua língua ali, já não mais estava.

O garoto completamente traumatizado totalmente travado e aterrado estava no mesmo lugar, como uma vara seca de bambu que o vento quebra só de tocar. A mãe o puxa para perto e lhe dá um abraço apertado, o senta ao lado e fica a observar. Nada. Nem se quer um sinal de existência do homem naquele corpo jogado ali, ao menos o coração ainda batia. A mulher assim, arrastou-o para dentro da cabana e o colocou aconchegado sobre as folhas secas. Completamente perdida e desentendida não se lembrará a mulher do que havia no riacho e pediu ao garoto pálido para ir até lá uma água buscar.

O tempo passava e o garoto não vinha, até que a mulher se lembrou do que havia e saiu como louca quase a rolar morro abaixo atrás do pequeno. Em instantes às pressas chegará a mulher ao local, mas a água tão clara estava que quase podia-se ver, ouro e prata. O cheiro de flores de primavera perfumava todo o lugar e o menino ali não se encontrava. A mulher demasiada de surto apenas tinha o grito ao qual recorrer, gritou o garoto o mais alto que podia, e gritava, gritava e gritava... nada. Nem sequer um eco voltava.

A mulher lembrou-se então que o homem estava incapaz e sozinho na cabana, voltou desesperada subindo o monte a cambalear. E ele lá no mesmo local descansando tranquilamente com os olhos fechados a escutar canções de ninar, que o vento trazia de longe, bem de longe dali. A mulher preocupada mesmo assim queria confirmar a pulsação do homem, e ao pegar no braço dele pode ver, a cobrir os dedos de sua mão inchada a carne a apodrecer. Vermes saiam debaixo de suas unhas e iam lastrando braço afora, a mulher de imediato foi lá fora, pegou uma faca e voltou. Posicionou-a no antebraço do homem e sem hesitar subiu-a e a desceu com destreza. Viu-se aí que já não havia mais nada a fazer para ajudar aquele que um dia foi o pai de sua criança, daquele corte dado saiam larvas de mosca e junto a elas uma centopeia sem fim. A mulher saiu da cabana desesperada a saltar como uma louca e a sacudir as larvas que nela iam tentando penetrar, e do lado de fora da casa gritará, sua voz enaltava sobre o silêncio e o canto das arvores. O garoto também se deliberava a abandonar a mulher e nem mesmo com aqueles gritos devastadores de silêncio o filho surgia em meio a mata para sua mãe abrandar. Sem nada mais a recorrer a mulher voltou para a cabana e entorpecida sentou-se ao pé dá podridão deixando com que o desenlace tomasse seu corpo.

Naquele mesmo final de tarde apontou ali uma cabra, magra, branca e com a cara manchada.

Dmitry Adramalech
Enviado por Dmitry Adramalech em 12/06/2019
Reeditado em 17/06/2019
Código do texto: T6671118
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