Jenny- Fanfiction- DTRL 35

“No alto dos salões dos reis que se foram

Jenny dançava com seus fantasmas

Os que ela perdeu e os que ela encontrou

E ela nunca quis partir, nunca quis partir...”

Jenny of oldstones

*

Tinha a sensação que estava sendo seguido, mas sabia que devia ser somente impressão sua, pois aquele era um lugar isolado até mesmo no curto verão. Mas era naquele ambiente que esperava achar o amigo. Se o conhecesse bem sabia que estaria por ali.

-Daryl! Daryl!- a voz de Bruno se perdia em meio a tempestade de neve que se tornava mais forte. Com a visão reduzida procurava o melhor amigo. Foi com espanto que o viu a apenas alguns passos de uma queda que poderia lhe deixar bem machucado, isso se a neve amortecesse o impacto.

-Bruno?

– Daryl saia daí! Vai acabar caindo.

-Talvez seja isso que quero. Vá embora daqui, Bruno. – disse o amigo se aproximando ainda mais da beirada. Apenas dois passos o afastavam da provável tragédia. Bruno mesmo sabendo que não era seguro se aproximou. Seu rosto meio adormecido por causa dos ventos cortantes e seus olhos ardendo, tanto pelo frio como pelas lágrimas.

-Daryl, olhe para mim. – estava gritando para sua voz soar mais alta que o vento e mais alta que os pensamentos do amigo. –Fale comigo. Ser expulso do time de basquete não é o fim do mundo, além disso, pode ser que te aceitem de novo. A mesma coisa vale para aquela matéria que a gente reprovou. Ainda estamos em fase de adaptação e faculdade é muita pressão mesmo.

-Você não entende.Não tem nada a ver com time, pressão ou reprovação.

-Seja lá o que for podemos dá um jeito.

-Você não faz ideia do quanto dói... - mais um passo.

Somada a tensão que crescia havia no ar a sensação crescente de que não estavam sozinhos. Bruno teve a sensação de que viu olhos azuis brilhantes em meio a neve. Era como se fosse o próprio inverno olhando para ele.

-Daryl, por favor. – disse se aproximando mais. Agora os dois estavam na beirada. E o vento impaciente com tudo aquilo parecia querer terminar de empurrá-los.- Não está raciocinando direito. Estou do seu lado. Podemos dá um jeito seja lá no que for. Podemos até mesmo dá um tempo na faculdade. Viajar. Você poderia vim comigo conhecer o Brasil. - Bruno já estava ficando sem voz e sem saber o que dizer, foi como se o tempo parasse naquele momento, mas para seu alivio Daryl falou:

-Talvez tenha razão e quero lhe contar algo. – disse o amigo mostrando pela primeira vez que tinha reconsiderado a decisão. Tinha conseguido o convencer e uma lágrima chegou a escorrer pelo seu rosto. Sorriram um para o outro e estavam prontos para se afastarem da beira quando sentiram um impacto muito forte que os fez ir com tudo para a frente, em direção da queda certa. Foi tão rápido que os amigos nem tiveram tempo de ver o que tinha lhes empurrado. Mas Bruno pensou que tinha algo a ver com aqueles olhos que achou ter visto, pensou isso alguns segundos antes do chão se projetar com tudo a frente deles.

-Daryl...- falou Bruno abrindo os olhos lentamente. Sentia que estava sangrando. Ainda estava vivo então a neve deve ter amortecido a queda, porém não o suficiente para evitar machucados.

O amigo estava caído perto dele. Estendeu a mão tentando o alcançar, mas o movimento fez o seu ombro protestar. A ponta de seus dedos conseguiu somente encostar no braço do amigo. Eles precisavam de socorro. Gritou por ajuda com o pouco de voz que lhe restava, mas no fundo sabia que quase ninguém passava por aquele lugar ainda mais com aquela nevasca. O desespero começou a bater mais forte quando a tempestade de neve começou a piorar e os primeiros sinais da noite apareceram.

Aproximou-se um pouco mais do amigo ignorando a dor no ombro e na região das costelas. Começou a achar que Daryl teve sorte de ter logo ficado desacordado, pois não teria que enfrentar a noite fria.

Mas o que mais o preocupava eram aquelas criaturas de olhos azuis brilhantes. Como se pensar neles os atraíssem começou a sentir que estavam mais perto ainda. Começou a ficar ainda mais frio, se era que aquilo era possível. Olhou em direção a floresta de arvores sem folhas e viu em meio a uma névoa densa patas de cavalos se aproximando.

Quando se aproximaram não conseguiu segurar o grito, que soou mais como um sussurro devido ao tanto que tinha falado mais cedo.

Aqueles cavalos não eram nem para estarem de pé. Alguns estavam com pedaços de carne faltando e tendões a mostra. Não havia respiração da parte deles. Os bichos estavam mortos, mas de alguma forma estavam avançando cada vez mais.

Como se os animais não fossem suficientemente assustadores haviam criaturas montadas neles. Seres que usavam armaduras feitas de gelo. Seus rostos exibiam a rigorosidade do inverno mais cruel, eram faces esculpidas em gelo cortante. Seus olhos azuis pareciam mais intensos quando vistos de perto.

Não demorou muito tempo para notar que estavam cercados. Mas talvez devessem agradecer. Estavam em um lugar isolado. Sabia que provavelmente ninguém ia os achar, por mais que gritassem. Daryl ainda estava inconsciente e Bruno sentia que era só questão de tempo até ele apagar também. Ficariam no frio e sangrando até chegar o fim. “Pelo menos os seres vão acelerar as coisas.” Pensou enquanto se sentia mais fraco.

Fechou os olhos, segurou no braço do amigo enquanto esperava o fim. Esperou e nada. Abriu os olhos lentamente e os seres continuavam parados na mesma posição, os cercando totalmente. Um barulho de gelo se quebrando começou a se espalhar pelo ambiente e foi quando entendeu que eles estavam conversando entre si. O silêncio se instalou de repente enquanto um novo cavalo se aproximava. Todos abriram passagem para o cavalo passar, com muito respeito ao novo cavaleiro.

Foi com surpresa que viu que a nova montaria parecia em melhor estado que as outras e que era uma garota quase normal que vinha montada. Os cabelos dela eram de um loiro muito pálido, quase totalmente desbotado. Não tinha os olhos azuis daquelas criaturas, mas olhos cinzentos que lembravam vidro. Sua pele era igualmente pálida como porcelana. Parecia não sentir frio, pois não estava muito agasalhada. Bruno apagou vendo ela se aproximar.

*

Abriu os olhos e se viu no dormitório do faculdade que dividia com Daryl. Estava um frio de congelar e de alguma forma sabia que estava sonhando. A sensação de que não estava sozinho lhe acompanhava mesmo em sonho. Um vento mais forte balançou as cortinas lhe causando arrepios. Ouvia ruídos como que batidas ritmadas que vinham dos pontos escuros do quarto, principalmente de trás das portas.

-Daryl, é você?

Nenhuma resposta a não ser as batidas que começaram a se transformar em um tipo de canção. Uma música que o convidava para algo além da sua compreensão. Sentia que haviam vários olhos na escuridão lhe encarando, apenas aguardando sua decisão. A sensação de ser seguido virava uma completa certeza, mas por algum motivo não sentia medo. Uma sensação de curiosidade nascia. Queria seguir a canção.

Bruno acordou com a sensação de que tinha sido sacudido, zonzo. Notou que estava deitado em uma cama em uma cabana com móveis antigos. Em uma cama próxima estava Daryl estava dormindo. Sentada perto da janela a menina pálida.

-Que bom que acordou. Faz um certo tempo que não tenho companhia humana.- a moça que tinha aparentemente a idade deles falava- Foi uma queda feia. Ficou dormindo um bom tempo.

Ia perguntar quanto tempo ficou dormindo, mas lembrou de algo mais importante:

-Porque seus amigos nos empurraram?

-Eles não empurraram ninguém. Se foram empurrados não foram por nenhum deles.

-Só sei que alguém ou alguma coisa nos empurrou.

-Acredite, se fossem eles eu saberia. – disse ela olhando na direção da janela. Do lado de fora dava para ver outras cabanas como aquelas que formavam um tipo de vila esquecida. Mas o que chamava a atenção eram aqueles seres de gelo que andavam pelo local. Se perdendo em meio a neve que caia. – Eles não passam de sombras do que foram um dia. Fantasma de gelo que me fazem companhia nessa vila perdida. Quase meus amigos, por falar em amigo o seu quando acordou perguntou por você. Bruno, não é?

Era apenas o que Bruno precisava ouvir. Desceu com cuidado da cama ainda sentindo dor no ombro e praticamente gritou:

-Daryl, acorda, cara. Acorda.

O amigo acordou sonolento e logo sorriu:

-Bruno? Que bom que acordou. Estava tão preocupado e me sentindo culpado. Foi minha culpa você ter caído comigo.

-Está tudo certo. O importante é que tá todo mundo bem... Vamos ficar legal e logo voltar para a faculdade e nossa vida normal.

-Não quero voltar para lá. Quero ficar aqui com a Jenny e com você. – podia ser impressão de Bruno, mas ele notou um certo medo na voz dele. Ele parecia ter mais medo de voltar para lá do que de ficar em uma vila esquecida com um monte de criaturas estranhas. Talvez a garota pálida chamada Jenny tivesse razão e tivesse sido outra pessoa que os empurrou. Mas quem? Foi quando lembrou de algo:

-Daryl, antes da gente cair você disse que tinha que me contar algo. O que era?

-Eu disse isso? Não lembro. Devia ser nada de importante.- disse desviando o olhar.

Naquele momento teve certeza que o amigo estava escondendo algo muito sério dele. Seja lá o que fosse tinha relação com o fato dele tentar se jogar e deles terem sido empurrados. Não perguntaria nada por enquanto. Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho que vinha do lado de fora. De alguma forma era a mesma música do seu sonho.

-Que som é esse?- a pergunta saiu da sua boca sem que pudesse controlar.

-É a música que o inverno canta. Ela está vindo do coração do vale do sempre inverno. A pessoa que vence os perigos do caminho e chega até o local tem as respostas que procura. –disse Jenny como se esperasse muito tempo para contar aquela história- Mas as que não vencem se tornam essas criaturas. Fui até lá há muito tempo atrás. Na verdade toda minha tribo foi, mas apenas eu concluir a jornada.

-Me conte mais.

-As caças sumiram e os mais velhos da tribo sabiam a lenda sobre esse vale. Achavam que achariam a resposta sobre esse fato lá. Fizeram várias reuniões secretas, tentaram montar um mapa. Um pouco depois disso, no inverno mais rigoroso que tivemos, a música começou. O plano original era apenas os guerreiros irem, mas a canção convidava todos para a jornada. A vila ficou vazia. No percurso um a um foram caindo e restou somente eu no final. Não tinha como voltar e por isso segui em frente até a música parar. Na volta...

Jenny fez uma pausa e pegou nos seus ombros delicadamente. Encostou os lábios nos seus e Bruno foi invadido por uma forte vertigem. Quando se recuperou notou que ele e Jenny estavam em outro lugar.Cercados por uma trilha de corpos congelados e espalhados na neve. Olhando bem dava para notar cavalos e cachorros igualmente congelados. Havia sangue congelado em alguns pontos.

-As pessoas e os animais da vila. – Jenny comentou mas nem precisava.Apontou para um ponto pálido que se aproximava. - Preste atenção agora.

O ponto pálido foi se aproximando até se revelar uma versão um pouco mais jovem da Jenny. Uma névoa parecia seguir a garota. Os corpos no chão começaram a sofrer espasmos. Um a um foram se levantando como marionetes com cordas faltando. Ao abrirem os olhos notou o inverno no olhar de cada um. Seguiam Jenny que seguia apática na frente em direção a vila abandonada. Bruno estava paralisado. Não sabe quanto tempo demorou para conseguir falar depois que voltaram:

-Mas, o que exatamente tem no vale do sempre inverno? Me leve até lá que nem fez agora, por favor. Me mostre.

-Não posso contar. Terá que ir até lá para descobrir.

*

A música constante parecia silenciar a certeza de que deviam está procurando eles assim como a sua vontade de voltar para a cidade e qualquer tipo de saudade. Sabia que aquela música só iria parar quando fizesse o que ela mandava. Além disso poderia ter a resposta que queria no tal vale. Poderia saber o que tanto amedrontava Daryl.

Jenny cuidava bem deles. Tinha envolvido os machucados deles com ataduras embebidas em alguma coisa que ele não sabia o que era e lhes dava um tipo de sopa de ervas. Não fazia a mínima ideia do que era, mas estava dando certo. Se sentia melhor. Não sabia quanto tempo tinha se passado, mas quando sentia que era o momento se aproximou de Jenny e disse:

-Me mostre o caminho.

Jenny nem perguntou. Sabia bem o que queria saber:

-Siga em frente. Nada do que surgir atrás de você será real, são apenas truques. Nada mais do que sombras na parede. Quando sentir a sensação de que seu sangue congelou e de que a música parou saberá que chegou.

-Diga pro Daryl que não demoro. Se eu não voltar...

-Você vai voltar nem que seja como um dos meus amigos lá fora. E espere. Vai precisar disso.- Jenny entregou uma bolsa de couro com algo dentro.- Abra somente quando chegar e não antes.

Após uma rápida despedida abriu a porta com o receio de quem entra em uma casa que sabe ter cachorro bravo. Estava com medo. Durante as semanas que passaram com Jenny não tinha saído nenhuma vez por causa das criaturas. Agora andava a passos lentos com medo de qualquer uma delas pular nele.

-Elas não vão lhe fazer mal. – prometeu Jenny da porta, mas não confiava. Dava dois passos olhava para trás e assim foi avançando seguindo a música. Quando tinha dado uns dez passos a sensação de vertigem voltou. Fechou os olhos por uns segundos e ao abri-los a vila e tudo tinha sumido. Estava cercado somente por muita neve até perder de vista.

Bruno já tinha ouvido falar de várias vilas perdidas nas florestas da América do Norte, mas vilas que sumiam em um piscar de olhos era a primeira vez. Sabia que o único caminho que podia seguir em frente. Andou mais um pouco e viu o que pareciam ser dedos espalhados pela neve. Todos congelados e de um roxo quase negro. Fechou e abriu os olhos e os dedos continuavam lá e para piorar começaram a se movimentar como minhocas roxas na direção dele. Tentou correr, mas a neve alta dificultava os movimentos. Pisou em alguns os esmagando como se esmaga um inseto. Sempre olhando para frente não sabe quando ficaram para trás.

A música continuava, mas logo algo se juntou a canção:

-Bruno, socorro.- era a voz de Daryl. Olhou para trás e viu o amigo imobilizado por quatro esqueletos com pedaços de carne ainda nos ossos. Um desses esqueletos tinha arrancado um pedaço da bochecha do amigo a dentadas. Pelo buraco que ficou era possível ver as gengivas ensangüentadas. Estava pronto para correr na direção do amigo quando lembrou que Jenny disse que nada do que aparecia atrás dele era real.

-Não passam de sombras...- ao sussurrar isso a figura que se passava por seu amigo começou a se transformar em um daqueles esqueletos. A carne se soltando para por fim evaporar como fumaça. Os esqueletos riram juntos antes de também sumirem. Depois do esqueletos vieram outros truques, mas ele já havia entendido tudo.

Continuou a caminhada por um tempo que não soube precisar. Depois de um ponto a neve foi substituída por uma nevoa que parecia ser mais fria. A música parou de repente e ele foi tomado por um frio que chegava a doer. Caiu de joelhos e sentiu que algo dentro da bolsa de couro vibrava. Parecia lutar para sair. O vento sussurrava promessas, ameaças e uma pergunta com som de ruído. Quando a névoa baixou se viu frente a frente com uma caverna feita de gelo grosso. Ela tinha três entradas. As pedras da construção pareciam pulsar como um coração. Sabia que tinha que escolher uma entrada e isso faria toda diferença.

-Quero respostas.- respondeu para o vento e para ele mesmo.

*

Daryl olhava pela janela ansioso para ver o amigo voltar. Queria ter contado para Bruno o porque de ter tentado se jogar, mas tinha vergonha de falar sobre os abusos que sofreu na infância, mesmo para Bruno que era em quem mais confiava. Uns dias antes ao reencontrar o maléfico tio fez a ameaça contar tudo para a família, mas não tinha conseguido. Reviver aquelas lembranças acabou com ele, logo veio a dor e a falta de ânimo para estudar. Falar seria pior. Se iludia que se não falasse em voz alta não teria acontecido. Achava que se ficava naquele lugar esquecido talvez fugisse até das lembranças.

Mas a simples ameaça assustou o tio. Achava que Bruno não era o único a te-lo seguido para aquele lugar. Seu tio perderia muito se Daryl abrisse a boca. Não seria surpresa se tivesse sido ele a empurrá-los. Ou talvez tenha sido uma das criaturas mesmo e Jenny esteja mentindo. Seus pensamentos foram interrompidos ao ver que Bruno se aproximava. Correu até o amigo e o abraçou forte.

-Eu lamento tanto pelo que lhe ocorreu, Daryl. Mas vamos fazer seu tio pagar.- disse Bruno para espanto de Daryl. De alguma forma seja lá o que tinha no tal coração do inverno tinha contado para o amigo.

-O que teria lá?- a pergunta saiu na sua boca.

-Não posso contar. – disse com um sorriso misterioso olhando para Jenny que sorria da janela . - E podemos ficar um tempinho a mais aqui como você queria.

Foi então que Daryl notou que os olhos de Bruno estavam cinzentos como os de Jenny. Tinham o inverno neles.

Tema: Inverno

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 20/06/2019
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