É muito estranho encarar o desconhecido / A Velhinha

Medo não era a sensação mais presente ali no momento, mas dizer que eu não sentia nem um pontinho era uma mentira. Estou num velho depósito, lotado de materiais diversos. Estava tudo muito empoeirado, certamente uma poeira bem antiga. Num pequeno vitrô bem alto deixava escapar, por um vidro quebrado, um simpático raio de luz. Dou uma olhada rápida e vejo que essa luz passava por um buraco arredondado nesse vidro. Me pergunto, distraindo levemente o que teria feito esse furo. O mais comum seria que ele tivesse rachado e quebrado, virando vários pedaços.

Meu companheiro da noite pisa em falso, a poeira morta se levanta e passa pelo feixe de luz do dito buraco no vidro. Ele me olha brevemente, tentando assim como eu não se desconcentrar. Estamos uns 30 minutos procurando algo, que sabemos mais ou menos do que se trata.

Vejo um movimento em meio ao breu. Se assemelha a silhueta de uma mulher. Na minha frente aparece uma idosa, de várias décadas de vida. Chutando baixo eu diria uns 70 anos. É branca, de corpo cadavérico, com uma coloração escura nos sulcos do rosto e braços. Sua expressão é de ameaça e raiva, lembrando um comportamento meio animalesco. Ela é baixa e usa uma camisola branca aparentemente encardida.

Seus passos são curtos e limitados. Ela fita em minha direção e de braços erguidos, como virtuais garras, quer vir ao meu encontro e talvez confrontar comigo, apesar de seu perfil raquítico. Meu companheiro me comunica via rádio para evitar o confronto direto, e também que ela me morda. Não creio que com dentes tão precários ela consiga. Meu traje é bem forte e de forro grosso, sendo que estou bem armado também. Sou também mais forte, volumoso e treinado para confrontos. Estou muito na vantagem.

Meu companheiro pede agora, através de uma ordem de um superior a nós, que não a machuque, sabendo que com uma botinada eu a facilmente derrubaria. Não é de minha índole fazer isso, mas aqui é um caso a parte. Tenho dúvidas mesmo se ela é humana. Fico evitando o contato, mas ela é mais rápida que prevejo, embora dentro do meu previsto, conseguindo abocanhar minha mão direita. Minha luva é grossa e resistente, mas mesmo assim sinto a pressão de sua mandíbula.

Ela emite um barulho, mistura de grito com um som que não consigo decifrar. Quando tento puxá-la pelo ombro, noto que algo acontecia com seu corpo, que parecia se dobrar e retorcer. Ela se enrolava em minhas pernas, sem tirar a boca de minha mão. Meu companheiro da noite inicialmente apontava sua arma para a cabeça da idosa, depois tentando desatá-la de mim, como um pedaço de pano enrolado. Ele não sabia se tentava entender o que estava acontecendo ou se me ajudava. Fazia sinais para ele que apesar de tudo, estava tudo bem. Não a via como algo perigoso, nem senti a principio perigo iminente, mas também igualmente não sabia o que ela era. É muito estranho encarar o desconhecido.