Olhos vermelhos

Os dois olhos vermelhos se acenderam no meio da escuridão. Não tinham forças para iluminar o que havia ao redor, mas suas luminosidades próprias brilhavam nitidamente. Um segundo antes, tudo estava escuro; um segundo depois, tudo continuava escuro, com a exceção de dois olhos vermelhos cintilantes que olhavam para Pedro.

Alguns instantes de petrificação assustada se abateram sobre o corpo inerte de Pedro, mas, isto não durou muito tempo. Correndo como o vento, Pedro percorreu a distância de uns cem metros que havia entre a varanda da casa e a floresta onde os olhos vermelhos o fuzilaram malignamente.

- O que houve? - perguntou, rindo, Maria. - viu algum fantasma?

- Vi. - respondeu Pedro, sério. - Vi o Lobo.

Maria demorou a entender o que ele dizia. Primeiro, achou que ele estava a fazer gracejos, mas, vendo o semblante claramente assustado de seu amigo, também ela começou a ficar com medo.

- Como assim? O Lobo, de verdade? Você só pode estar delirando. E, se realmente o viu, como conseguiu voltar correndo para casa sem que ele o pegasse? Você sabe que lobos correm muito mais do que meninos, não sabe? E, ora, se ele não correu em perseguição a você, onde ele está, então? Acho que está é tentando me passar a perna para me assustar, Pedro.

- Eu sei, Maria! E não, não sei como consegui chegar até aqui, e também não sei onde ele está. Só sei que eu o vi! Eram dois olhos flamejantes como o sol, com a diferença que seu brilho era vermelho, ao invés de amarelo. Olhos vermelhos, Maria! Como nos contaram!

- E os dentes? Eram mesmo pontiagudos como navalhas afiadas?

- Não consegui ver. Não vi nada do corpo dele, para ser sincero. Quando olhei para a mata escura e vi aqueles olhos vermelhos se acendendo, eu gritei alto e corri o mais rápido que pude, e foi isso.

- Bem, ao menos você ganhou a aposta. - disse Maria, tentando diminuir a tensão do momento - Você andou até a floresta depois de passada a meia noite. Te devo um ingresso no cinema, amanhã.

- Não sei se eu queria ter ganhado… Já estou arrependido de ter ido até lá. O Lobo existe, Maria. Percebe? Não era lenda. O Lobo existe!

- Ora, se ele existe, ficou com medo de você - e riu. - Não se esqueça que ele não deixa crianças escaparem. Nunca deixou.

- Pois é. Não sei o que aconteceu… Ele não se mexeu. No rápido instante em que fiquei olhando para ele, ele apenas me olhou de volta. Como se estivesse me estudando e não... não querendo me atacar… Como se ele soubesse que eu não conseguiria escapar, por mais que eu corresse…

- E desde quando lobos sabem de alguma coisa, Pedro? São só animais irracionais, como quaisquer outros, só isso. E, outra: se ele viesse em nossa direção, digamos, mesmo agora, a gente teria cem metros de terreno para vê-lo chegando, e acho que poderíamos facilmente nos trancarmos dentro de casa, certo? Teríamos tempo até mesmo para pegarmos a espingarda que seu pai esconde em cima do armário e darmos um tiro na fuça dele, não acha? - riu mais uma vez.

- Não sei não… Algo naquele olhar me diz que ele jamais seria tão imprudente… Não viria nos atacar à luz da lua, ainda que hoje esteja bem fraca, e pelo campo aberto. Eu vi nos olhos dele, Maria. De alguma forma, havia… inteligência ali. Sei o quão lunático eu estou parecendo, mas eu vi. Eu sei que eu vi.

- Realmente, parece que você não está muito bem da razão. Eu ainda acho que estamos plenamente seguros. Vamos deitar, amanhã a gente conta o que aconteceu aos outros… e aos seus pais. Acho que, dessa vez, não poderemos continuar nossas pequenas aventuras sem contarmos para os adultos, Pedro.

- Eu também acho… claro. Vamos, sim.

Pedro olhou mais uma vez para o descampado, e um calafrio percorreu seu corpo. “Maria não viu o que eu vi”, pensou ele. “Por isso ela consegue ficar tão relaxada… e até brincar com isso. Mas sei que não estou ficando louco. Havia maldade naqueles olhos. E inteligência. Aquela coisa jamais atravessaria a planície atrás de mim. Não… Se ela viesse, seria contornando a floresta e arranjando um jeito de vir pelo outro lado da casa. Sim, aposto que era isto que ela faria”. Virou-se, então, para Maria, para lhe dar um sorriso e dizer que estava tudo bem, antes de se dirigirem para a porta… e então os viu. No canto esquerdo da varanda, atrás de Maria, dois grandes e brilhantes olhos vermelhos o fitavam. Mal teve tempo de começar a gritar, quando aqueles olhos saltaram em sua direção.

João das Flores
Enviado por João das Flores em 23/07/2020
Código do texto: T7014536
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