Christine

Com os olhos marejados, e o coração bombeando para as veias o sangue amalgamado a um punhado de saudades, chegou o momento que temia nos últimos dias, a despedida de Christine, após me debruçar por suas mais de 600 páginas. Tão doloroso quanto prazeroso fitar as últimas frases, palavras, até se extinguirem todas as letras, pontos, vírgulas... Sobrou certo vazio, camuflando a ledice avassaladora, pela oportunidade em estar diante de uma das melhores obras já lidas, seguramente um dos livros da minha vida.

Minha relação com Arnie Cunnigham - adolescente no melhor estilo fracassado e cheio de espinhas - e seu possante Plymouth Fury, 1958, é bem semota, remetendo a minha infância, mesmo antes de tomar conhecimento de Stephen King, mas já um apaixonado pelo filme Christine – O carro assassino, dirigido pelo icônico John Carpenter, lá no começo dos anos 80. O longa embalou muitas noites mágicas, graças as locadoras e as muitas reprises na televisão...

Anos mais tarde, descobri que o pavoroso título despontava como uma adaptação cinematográfica, inspirada no livro homônimo escrito por um tal Stephen King, e pasmem, era a mesma mente por trás de outras tenebrosas histórias transformadas em filmes que também adorava, como Colheita Maldita, IT (a série), Cemitério Maldito, O iluminado, Conta Comigo, Bala de Prata, Às vezes eles voltam... A partir daí foi firmado um pacto, precisamente um encontro marcado com o velho carango vermelho e, há pouco mais de um mês, esse dia finalmente chegou, deixando agora um gosto de nostalgia.

Se o filme lançado em 1983 não consegue ser dotado de tanta singeleza como a narrativa, traz incontida a sua essência, tratando temas como amizade, procura pelo seu lugar ao mundo, fúria desmedida, paixão avassaladora, desapontamento... Sem falar em um aspecto peculiar: todos que amam seus carros, indubitavelmente, nutrem apreço por essa insólita e asfixiante trama.

Christine é mais uma mostra de um traço característico em Stephen King, esbanjando capacidade em fazer acontecimentos corriqueiros se tonarem eventos arrebatadores, repleto de passagens tétricas, habilmente costuradas com incomum veracidade. Por mais que possamos relutar no começo, o mestre acaba convencendo que basta um dia ruim para tudo realmente dar errado e, gradativamente, os maiores pesadelos se tornarão reais.

Agora, o belo Plymouth Fury vermelho já passou, mas sinto que ainda seguiremos concatenados. Quem sabe, durante um invulgar devaneio, vejo-me tateando o robusto volante, adornado pelas cores branco e vermelho. Aciono a marcha, nos primeiros contatos com o acelerador, o motor V8, pomposo, dissipa disposição para acelerar forte, dando tudo de si, impulsionando os pneus a irromperem pela grossa, negra e tracejada camada de asfalto, ladeada por árvores frondosas, que vejo se moverem para longe de mim, enquanto testemunho a luminosidade emitida pelos faróis varar a noite mais escura.

Te amo, Christine!

Te vejo nos meus sonhos!

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 16/11/2020
Reeditado em 18/11/2022
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