Fome

Fome

Helena estava sentada na grama, no quintal em frente a casa onde morava. Brincava com uma boneca Barbie que ganhara de sua mãe. Era uma manhã de Sábado, quente e ensolarada em Ponta Grossa. Foi quando ela viu o velho pela primeira vez. Ele estava parado na rua, na calçada defronte ao portão, observando-a. Era um homem alto, longos cabelos grisalhos e usava um longo sobretudo por cima das roupas surradas. Mas o que mais chamou a atenção da menina foi o saco empoeirado que o velho segurava por sobre o ombro. Helena viu o saco se mexer. Helena viu o saco se mexer e não teve dúvidas. Levantou-se e saiu correndo pra dentro da casa aos berros. Direto pra cozinha. Direto pros braços da mãe.

"O que foi mocinha? Que que aconteceu?" - perguntou a mulher enquanto abraçava a menina que soluçava.

"O velho do saco...ele veio me pegar".

"Isso não existe meu bem. É só história."

"Mas eu vi mamãe. Ele tava la no portão me olhando."

"Tudo bem Helena. Quer ajudar a mamãe a fazer o almoço?"

"Quero" respondeu a criança.

"Então espera aqui" falou a mulher. "Mamãe vai só passar a chave na porta da cozinha e já vem".

Alberta - esse era o nome da mãe da menina - foi rápida até a sala, afastou a cortina e olhou para a rua. Não havia ninguém. Mas sabia que duas crianças já tinham desaparecido só naquele mês na cidade. E não queria nem pensar em Helena ser a próxima. Então girou a chave na fechadura, fez meia volta e sentiu o coração parar de bater ao ouvir o grito de medo da filha a chamar por ela. Alberta correu o mais rápido que podia de volta pra cozinha. E ao chegar lá encontrou um estranho segurando sua filhinha pelas pernas enquanto abria a boca de um saco enorme no qual pretendia jogar a criança. Alberta jogou-se sobre o velho mas foi recebida com um tapa que a atirou contra a parede da cozinha. Ficou ali caída, a cabeça girando, tendo uma vaga noção do vulto a se aproximar. O velho ajoelhou-se sobre ela e segurou-a pelo rosto. Então aproximou a boca do ouvido de Alberta, que sentiu um hálito azedo, cheirando a coisa podre. E pronunciou uma única palavra."FOME". Então levantou-se, e diante dos olhos da mulher, ele sumiu. Desapareceu como se nunca tivesse estado ali. E junto com ele, Helena.

Alberta conseguiu sentar-se e permaneceu ali encostada na parede, o rosto banhado pelas lágrimas, o olhar fixo no vazio. Em seu nariz ainda o cheiro de podridão da coisa.

S J Malheiros
Enviado por S J Malheiros em 21/11/2020
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