A Rua Oito

Nota do autor: Olá queridos leitores e escritores, assíduos! Este foi o primeiro conto que escrevi e o primeiro que consegui publicar, anos depois, no 'assombrados', um site grande em 2014. Nos momentos mais difíceis que eu enfrentei em minha vida; passando por uma forte depressão e transtornos mentais, agravados por crises de ansiedade que cortavam o meu peito e me torturavam todos os dias, a leitura e principalmente a escrita, vieram como uma fonte de força e resgate do meu ser. Hoje escrevo para levar conforto e ajuda à outras pessoas que assim como eu no passado, precisam lidar com a realidade, alimentando a mente de sonhos, saúde e superação. Saibam que por experiência própria, acredito muito que a leitura me manteve firme, até minha liberdade e cura. Os livros foram meus melhores amigos, durante os vários anos difíceis. Hoje me tornei os livros que li, filmes que assisti, experiências que vivi e as estórias que escrevi e ainda escrevo, a começar por esta. Ler nos mantêm vivos e o amor nos salva(Gratidão à minha amada Monique, benção linda de Deus em minha vida. Gratidão Jesus e Maria, também).

Espero que gostem do conto. Boa leitura!

A rua oito

Por Bruno Tavares

Caminhar por aquele lugar sombrio, era algo do qual eu não gostava. O cheiro podre e a falta de iluminação adequada eram motivos mais do que suficientes para eu não querer passar pela rua oito; ainda mais por volta das onze e meia da noite.

A inquietação e o medo aumentavam a cada passo, sempre que eu voltava do trabalho para casa. Não falo aqui da insegurança de assaltos; nada disso. Os próprios criminosos tinham medo de andar por ali. Talvez já conhecessem a fama daquele caminho; eu também conhecia. Infelizmente o meio mais rápido e seguro para mim até então, se assim posso dizer, era aquele.

Contudo, nada conseguia me deixar mais perturbado do que passar em frente a uma casa muito antiga, localizada bem no meio daquela maldita rua. Parecia que eu podia sentir o cheiro fétido tocado a vento; enxergar o ambiente interno daquele endereço sinistro, pelas janelas quebradas e envelhecidas. Era estranho e assustador; ao mesmo tempo, instigante.

Eu crescera ouvindo diversos relatos a respeito da velha casa. Ocorrências de fazer os mocinhos dos filmes de faroeste se borrar e não pagar para ver. Coisas que eu sabia e as quais eu jamais desejava comprovar. — Não sou tolo —. Sempre que esses pensamentos me vinham à mente, eu apertava mais o passo.

Eu ficava feliz de chegar ao meu lar, sentindo o alívio de saber que estava tudo bem. No entanto, naquela noite aconteceu algo estranho e não habitual. Eu morava sozinho e após cumprir todas as minhas tarefas, fui dormir. Durante o sono, um pesadelo me colocou em frente à casa da rua oito e foi algo que realmente parecia ser muito real.

Conforme eu sentia cada vez mais o frio e pavor percorrerem minhas veias, alterando toda a percepção do momento, o ambiente era tomado por um odor insuportável; eu estava ficando de tal jeito, que já não sabia distinguir se era ou não realidade.

“Mas o que importa isso?”... Estar parado em frente à casa, era o de menos. Eu já havia passado por ali, diversas vezes. — O que poderia dar errado? — Era apenas fruto de minha imaginação, nada mais. No entanto, para minha surpresa, surge uma figura estranha e com uma expressão ameaçadora na porta. Tinha o aspecto de uma senhora de muita idade; seus olhos eram sem vida e sua expressão, cansada. Os cabelos que tiveram sua cor roubada pelo tempo pareciam reluzir ao luar. Ela me encarava e o terror daquela cena fazia com que eu desejasse nunca ter dormido. "Mas seria aquilo um devaneio, pesadelo, fruto de minha imaginação, apenas?", me perguntava.

Simplesmente eu não sabia qual atitude tomar. Fiquei parado igual uma criança quando olha o irmão mais velho fazer besteira, sem saber se entrega ou não para os pais. Pude perceber que os ratos corriam agitados; entravam e saiam dos bueiros como se estivessem brincando de esconder. De repente, vozes começaram a surgir. Assemelhavam-se a um coral de igreja, fazendo com que meus tímpanos vibrassem com o terror e eu ficasse ainda mais congelado pelo medo. A porta da casa se abriu e a figura estranha foi sugada para dentro como se desmaterializasse na minha frente. Gostaria de ter falado milhares de coisas, mas o medo inconsciente e irracional não me permitira dar sequer, um olá. “Como se eu quisesse dizer algo, realmente”.

Acordei ensopado de suor e sentindo muito frio, tal qual a sensação ruim e estranha de como quando você está com febre. Exausto e com sede, levantei-me da cama e pude notar o cheiro daquela rua fedida e tenebrosa, permeando meu quarto agora. Sentia-me um pouco mais tranqüilo de saber que estava no mundo real, no entanto, algo ainda desejava me afrontar. Confesso que era difícil aplacar o conflito que já havia se instalado em meu ser. Essa idéia, de uma maneira tola, porém profunda, me perturbou.

Tentava de todas as formas tocar a realidade e permanecer de mãos dadas a ela. Senti-me tal qual uma criança de cinco ou sete anos de idade, assustado com algo que nunca havia existido.

No dia seguinte, fui ao trabalho e busquei a medida do possível, passar o meu tempo ocupando minha mente de todas as formas. Era difícil admitir que aquele pesadelo me perturbava. Durante a maior parte do tempo eu consegui ficar em paz, sem tocar no assunto. Contudo, a sensação de que a volta para casa hoje seria bem diferente, tentava tomar espaço em minha consciência. Jamais admitiria isso, portanto, organizei os pensamentos de maneira racional mais uma vez, dizendo a mim mesmo: “Deixa de bobeira; fica tranquilo. Vai ser mais um dia, apenas. Mais um dia”.

Ao final de minha jornada de trabalho, tomei meu caminho de volta para casa com confiança e me mantive bem, até onde foi possível. Estava orgulhoso de minha postura, posso dizer, apesar do terrível pesadelo da noite anterior. Livrando-me de pensamentos furtivos e com o peito em paz, eu percorria então meu trajeto, até que chegou o momento de passar por aquele local maldito: a rua oito.

Não! Não havia outro caminho para chegar a minha casa e eu era refém daquele percurso. Crimes não aconteciam mais por ali, porém isso não diminuía o terror intenso de tudo o que era conhecido a respeito das assombrações e mortes que existiram naquele logradouro, no passado. A verdade é que os assaltos à mente e a paz de espírito, eram ainda maiores.

Havia um bar bem no início da rua; no qual, geralmente, eu ia com os amigos do trabalho para beber e me divertir. Dias assim eram bons e nem parecia que o mal fazia morada naquele endereço. Contudo, isto ocorria antes do bar fechar e a rua perder o último sopro de alegria e diversão que tinha. Depois, ela era tal qual um buraco negro, o qual tentava sugar tudo e todos que passassem por seu solo. No momento, a única coisa que chamava a atenção era aquela casa velha e perdida no meio do nada. Além dela, existia apenas outra na rua, da qual os moradores se mudaram com medo das estórias e coisas bizarras que aconteciam por ali.

Por fim, botei em mente que era apenas uma casa e eu estava sendo leviano de focar no medo, sem motivo algum. “Um pesadelo jamais pode interferir na realidade”, eu afirmava, sendo categórico ao criar coragem para cruzar o meu destino; e por mais que eu tentasse me acalmar, isto era algo que não estava disposto a fazer.

Apertei o passo conforme sempre fazia. Senti um frio cruel congelar meu corpo; um medo dilacerante e estúpido. No entanto, ao final das contas, nada aconteceu e superei meu maior pavor. Venci o que mais me assustou naquele dia. Sentia-me muito bem por ter cruzado a barreira do real e imaginário, sem nenhum arranhão.

Enquanto eu festejava em meio aos meus pensamentos de vitória e assoviava feliz, acompanhando a melodia do momento, o som das vozes começou a ecoar por toda a rua. Eram risadas medonhas e irônicas conduzidas pelo vento. Estremeci totalmente. Dessa vez eu desejei estar sonhando, mas não estava. “É impossível. Não pode estar acontecendo. Aquilo foi um pesadelo; isso também é”.

Quanto mais eu tentava me convencer de que o que acontecia agora era irreal, mais a realidade me fazia afundar em um mar de desespero e aflição. O buraco negro da rua oito estava aumentando.

Olhei para trás... Quando eu me virei, puder perceber aquela senhora parada em frente a casa, rindo. Ela estava novamente com aquele sorriso sombrio. Eu fiquei tão apavorado que mal sentia minhas pernas. Tamanho suplício e horror me faziam chorar de angústia por dentro, a tal ponto de meus sentidos explodirem em uma pergunta:

— O que você quer? Deixa-me em paz!

Minha voz pareceu ecoar por todos os lados, mostrando que eu estava em uma dimensão de terror jamais vista antes. Duas janelas da casa explodiram, transformando-se em estilhaços de vidro espalhados pelo chão. O vento aumentou sua força, levantando a poeira e carregando tudo. Tentava carregar minha alma também. O som emitido por minhas cordas vocais reverberava com efeito pesado, através dos meus tímpanos e voltava como um alerta de morte. Eu precisava enfrentar a situação; pelo menos minhas calças ainda estavam limpas. Por pouco tempo, acredito.

Ela então decidiu se aproximar. Flutuava com um vestido que não me permitia enxergar seus pés. Contudo, nem mesmo a vestimenta que remontava ao século 18, tocava aquele solo maldito.

— Nunca te deixarei em paz! — a voz rouca, que lembrava um ranger de portas, era acompanhada da risada ainda mais monstruosa e sinistra.

Após algum tempo a figura estranha gritou. Eu senti como se todas as dores daquela alma, passassem por meu corpo e mente. Depois, ela começou a caminhar para dentro da casa até sumir. Assim que consegui alguma força em minhas pernas dormentes, eu corri; e corri muito. Acho que se eu estivesse participando de algum torneio olímpico, eu seria o vencedor com folga.

Cheguei em casa e tratei logo de tomar alguns calmantes para me afastar daquelas imagens e tudo o que havia acontecido. Ainda não acreditava no que tinha visto e ainda assim, meu coração parecia querer saltar pela boca. Finalmente, depois de algum tempo eu adormeci pelo efeito dos remédios.

Semanas se passaram após o ocorrido e nunca mais tornei a ver a figura estranha.

O trauma, apesar de imenso foi superado. Às vezes, tenho dúvidas disso, admito. Saibam que não foi fácil; nem um pouco. De vez em quando, eu ainda paro em frente à casa da rua oito, a pedido do meu psicólogo. Ele diz que eu preciso enfrentar meus medos. Eu atendo ao pedido, talvez para saber se algo vai acontecer conforme aquele dia. O tempo vai me fazendo questionar se, até que ponto o que eu vi, foi real ou não. Talvez eu estivesse em um pesadelo novamente. Pode ser fruto do meu mais profundo pavor e estresse mental; pura imaginação. Por fim, quando tudo parece se acalmar, algo estranho sempre acontece: às vezes, o cheiro podre e nauseante da rua oito parece surgir do nada, como um aviso ou lembrete, mostrando que pesadelos, sonhos e realidade, nem sempre estão tão distantes assim.

FIM

Bruno Tavares
Enviado por Bruno Tavares em 22/11/2020
Reeditado em 23/11/2020
Código do texto: T7118075
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.