O velho Juquinha

O velho Juquinha (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

Mais um final de semana se aproximava. Uma sexta-feira muito movimentada na vida de Felipe. Por seus planos, no sábado, ele iria convidar a namorada para um lanche muito especial na lancheira do Juninho, um lugar acolhedor, familiar, calmo e com um delicioso lanche feito com carinho e muito amor.

Felipe não era uma pessoa muito estuda. Com muito empenho, ele terminou o primeiro grau e não mais quis voltar à escola. Tinha muita dificuldade nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Não mais desejou frequentar uma sala de aula. Dedicado, ele aprendeu o ofício de carpinteiro. Tinha bastante serviço e ganhava muito dinheiro. Assimilou rápido, pois o pai era famoso e não mediu esforços para ensinar a arte de montar estruturas de madeiras e quaisquer casas que lhes contratasse.

A parceria entre ele e Donaldo foi montada e muito sucesso entre eles. Não paravam nenhum dia, nem mesmo feriados, dias santos e até aos domingos, eles tinham algum compromisso.

O tempo foi passando e a cada dia ele tinha mais amor à profissão, pois seguia os ensinamentos do pai. Donaldo era mais velho do que ele, mas os dois tinham bastante afeição entre si, mais ainda, porque a filha de Donaldo era a namorada de Felipe. No final de semana, na lanchonete do Juninho, Felipe pediria a namorada Luciana para noivado. No início da semana, ele se deslocou à cidade próxima para confeccionar o par de alianças. Ele já possuía casa, carro e queria muito casar. A namorada Luciana era professora de Língua Portuguesa na escola estadual. Motivo de orgulho para ambas famílias.

Neste mesmo final de semana, Donaldo arrumou um pequeno “bico” para a reforma de uma sacada, na fazenda do Juquinha. Com este nome, todos conheciam uma próspera e grande fazenda na região. Ela ficou famosa por gravar algumas cenas de uma antiga novela que passou na televisão. Como de costume, os dois foram, mas Donaldo teve que sair um pouco mais cedo por não estar passando bem, onde uma forte dor de cabeça o atrapalhava. Seria, talvez, enxaqueca que sempre o atacava e no dia anterior, ele comeu muita carne de porco e o fez passar mal.

O futuro sogro foi embora e recomendou para Felipe terminar. Caso ele não terminasse cedo, ele diria para Luciana o motivo e os dois iriam efetivar o convite no domingo. Chateado, mas sem falar nada, Felipe aceitou a sugestão e continuou o serviço. Não tinha ninguém para ajudá-lo, mas logo apareceu um dos serviçais da fazenda e o ajudou.

A Fazenda do Juquinha era muito grande. Construída por volta do século XVIII, foi muito famosa nas culturas da cana-de-açúcar, na produção de café e na produção de leite. Os atuais donos moravam todos na capital e somente uma ou duas vezes por mês é que vinham observar o que se procedia na propriedade. Eram quatro donos; duas mulheres e dois homens. Todos casados e, por coincidência, todos eram médicos e sempre estavam ocupados em plantões, cirurgias e consultas. Também eram professores da faculdade de medicina e pouco tempo possuíam.

O capataz Pedro era o encarregado geral da fazenda. Administrava cerca de trinta a quarenta pessoas, pois o cultivo do café, a produção de leite, a criação de gado e cultivo de flores eram volumosos. Sempre que podia, ele estava presente em tudo, desde o nascer do sol até a recém noite chegada. Muito tarefado, sobrava alguns minutos para tocar viola e cantar músicas na varanda da fazenda. Ele dizia que a canção era para acalmar as almas dos antigos donos, os pioneiros na construção da fazenda e do antigo dono, Senhor Juquinha.

Pedro dizia que quando tocava a viola e cantava, o Sr. Juquinha era visto sentado em um banco de pedra, debaixo da escada, de pernas cruzadas, vestido de paletó preto, gravata preta, camisa branca, botas sete léguas, chapéu de lebre na cor preta. Com as grandes mãos, fazia um imenso cigarro de palha e picava o fumo. O isqueiro era ainda abastecido por gasolina, embutido em metal na cor clara. Esticava a cabeça para o lado de Pedro e ouvia contentemente as canções. Quando a canção era terminada, o velho Juquinha sorria, mostrando os grandes dentes e uma enorme ponte dourada de ouro na boca.

Localizada a dez quilômetros da cidade, lá era um marco turístico para muitos. Assim que terminava de subir uma pequena serra, na entrada de um pontilhão de trilhos de ferro, na colina, eram vistas as luzes da cidade. Cercada de uma corporação de árvores, as cercas eram todas marcadas com grandes hasteies por todos os lados. Na vasta depressão geológica, verdes e lindos pastos eram enfeitados com o branco gado. Visto do outro lado, poderia ver as grandes lavouras de café, o qual era todo exportado para a Alemanha. Uma grande placa era vista sobre o pontilhão, com a seguinte mensagem: “Fazenda do Juquinha” e em letras menores uma escrita que dizia ser propriedade particular e proibia a caça e a pesca. Descendo nas estradas, as lindas pastagens verdes, com várias divisórias, ou seja, os piquetes, onde se podiam contar dezenas de cabeças de bois. Às margens de um córrego, entre árvores, uma vasta e exuberante plantação de milho, consorciada com feijão. Mais ao fundo, o majestoso pomar, com plantações de laranjas de diversas qualidades, pêssegos, tangerinas, bananas, cajus e acerolas. Entre algumas árvores, na verde e imensa planície fluvial, onde a estrada bem arrumada, calçada com cascalho, rodeada com cerca de arame farpado de seis fios, mourões grandes e grossos, pintados na cor branca, uma pequena ponte unia o elo da estrada e a chegada na fazenda, que era separada com um bem arrumado curral, todo ele calçado com pedras de granito, réguas de eucalipto e cercado com vários fios de cabo de aço. Um pouco mais na extremidade, um galpão com ordenhas de últimas gerações. Um vasto escritório, junto ao barracão, era a central de decisões do capataz. Nele, uma central de computação, com câmeras, mesas clássicas, filtro com água pura e cristalina, enfim, um verdadeiro aparato tecnológico.

A entrada da fazenda era uma pequena estrada feita no lado de cima do curral, com pequenos arbustos, gramas, minúsculas flores. Um pequeno muro de pedras era ainda visto, pois era a particularidade da fazenda. Conta-se que este muro foi construído por escravos em tempo recorde e que alguns deles morreram por maus tratos e trabalho em excesso.

A majestosa casa era o ponto final daquele lugar. Construída em tempos remotos, um grande sobrado pintado nas cores prata e branca. As janelas altas e grandes estavam pintadas na cor azul. Uma pequena varanda cobria a porta principal, acoplada em uma escada feita de tijolos do século, mas foi revestida por blocos de cimento sob a autorização do Patrimônio Estadual.

Em uma parte desta varanda é que Felipe fazia rapidamente o conserto do telhado. Era ajudado por um funcionário do curral designado por Pedro. Encantado com as belezas naturais do local, ele se deliciava com a bela vista que tinha lá de cima. Podia ver tudo, deste o curral, as lavouras, o pomar, a criação de patos, galinhas e até algumas lagoas onde eram criados os peixes. Por um pequeno momento, ele se esqueceu do compromisso, mas queria acabar de qualquer maneira. De vez em quando olhava ao celular e encarava as horas. A tarde ia passando e o serviço não estava rendendo tanto. Se não terminasse, ele teria que dormir naquela fazenda e recomeçar no dia seguinte, coisa que ele não queria fazer. Os olhos dele sempre se distraiam do serviço, mas a distração era para dar uma pequena pausa. O suor molhava o rosto. Quando o enxugava com um lenço de bolso, o olhar era desviado para um banco de pedra localizado bem próximo da entrada da sede. Feito em pedra sabão, com espaço para três pessoas, com algumas rosas plantadas dos dois lados, seu corpo estremecia. Lembrava que o capataz cantava e o velho Juquinha aparecia ali.

O sol se punha no horizonte. O serviço ainda não estava pronto e Felipe somente pensava no término. Ele não queria dormir ali. Tinha medo e queria ver a futura noiva.

Já cansado e com o corpo cheio de dores, ele descansa na madeira principal da varanda. Algumas câimbras lhe tomam as mãos e a pausa será necessária. O serviço não acabou e ele terá que pernoitar naquela misteriosa fazenda. Além das caibras, o medo lhe atordoava.

O servente pediu para terminar, pois teria suas obrigações no curral. Já cansado, Felipe vive o pior pesadelo. Dormir naquele local, feio, misterioso, antigo e com a cabeça a mil por hora.

Já descendo do lugar e se preparando para o banho, ele se encontra com Pedro. Com muito agrado, Pedro o chamou para o banho e a cozinheira lhes serviu o jantar. Frango caipira com quiabo, arroz, feijão, angu, salada e doce de arroz, para a sobremesa.

As conversas entre os dois são demoradas. Falaram de tudo e até mesmo de casos de assombração. Já cansados, eles se preparam para dormir. Pedro o convida para verem a lua cheia na sacada da fazenda. Sua luz iluminava tudo. O curral, o terreiro de café, as flores e se refletia as águas nas lagoas.

Tudo estava tão bonito. A lua cheia borbulhava de emoção e fazia com que eles dissessem versos em homenagem. Felipe se empolgou tanto, que começou a cantar algumas músicas. A surpresa foi maior quando Pedro pegou a viola e os dois cantavam as lindas e belas canções. Músicas sertanejas, músicas caipiras e músicas de serestas. O tempo foi passando e Felipe cisma de olhar para o banco, lá embaixo. Os pelos e cabelos se ouriçaram. As pernas ficaram bambas. Somente um grito foi ouvido:

- Mamãe, mamãe...

Felipe saiu correndo e por volta das três horas da manhã chegou em casa.

Então, sentado no banco de pedra, com o terno preto, botas sete léguas, picando o pedaço de fumo e enrolando o cigarro de palha, com o chapéu de napa, iluminando com o isqueiro, estava o velho Juquinha.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 25/04/2021
Código do texto: T7240854
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.