O fantasma da janela

O fantasma da janela (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

Carlos estava muito triste naquele dia. Em pleno sábado, ao amanhecer, o melhor amigo ligava para ele dizendo:

- Meu nobre e grande amigo!

- Quem que aqui fala é seu melhor amigo, o Ronaldo.

- Vou precisar de um grande favor do amigo.

- Sabe, meu patrão vai chegar hoje. Eu tenho que ir a um casamento, na cidade vizinha. Não estarei lá quando ele chegar, pois ele esqueceu a chave aqui. Caso ele chegue e não me encontra ou não tenha ninguém lá, ele ficará chateado e poderá até me mandar embora do serviço. Eu preciso muito deste emprego...

Sem saber o que fazer, Carlos fica por alguns minutos sem falar nada e somente escutando o que o amigo fala ao telefone.

- Você entendeu?

A voz falava por várias vezes: Uma, duas, três...

Criando coragem, Carlos disse que sim. Pegaria o carro e se dirigia para o sítio onde o amigo era funcionário.

Ainda não concordando com o convite do amigo, ele ligou para a namorada e lhe contou a estória. A namorada não gostou muito, mas compreendeu a situação do amado. Por algum momento, ficou ela com ciúmes, no entanto, pensou algo de errado com o namorado, porém a incerteza foi dando lugar à razão e lhe disse para ir. Quando um amigo pede ajuda, deverá imediatamente servir com toda força, com toda vontade e com todo dever.

Em uma sacola, ele colocou uma troca de roupa, objetos pessoais, uma chinela e a toalha de banho. Na mente, ele dizia que no outro dia estaria livre. O patrão do amigo chegaria, ele lhe entregaria a fazenda e viria embora. Chegaria antes do almoço e ainda comeria uma macarronada com linguiça e molho de cebola junto à namorada.

Rapidamente chegou ao sítio. Nem gastou dez minutos, pois a propriedade distanciava do município cerca de onze quilômetros.

No caminho, enquanto diria o veículo, ele viu muitos pássaros, o verde do capim brotando, as águas do córrego aumento. Seriemas cantarolavam, gaviões voavam de uma árvore para outra, urubus plainavam no céu. O sol estava bem forte. O suor lhe cobria toda as costas no ponto de molhar a camisa de malha, com o desenho do homem aranha.

Assim que chegou, o amigo já estava dentro do veículo bem lavado. Vestido de terno e gravata, ao lado, a esposa enroupada no vestido longo, na cor rosa, toda maquiada e calçada com os sapatos bem pretos. No banco de trás do veículo, os dois filhos também muito bem vestidos.

Instantaneamente, o amigo lhe disse que tudo de que ele precisava estava dentro da casa. Almoço feito e carne dentro do forno de fogão à lenha. Na vasilha, sobre a mesa, tinham biscoitos e rosca. Leite, água, suco e até duas latinhas de cerveja estavam lá. Se quisesse beber, poderia.

O veículo foi ligado e rapidamente desapareceu no horizonte. Somente viam-se sinais de poeira dobrando na última curva da estrada.

Carlos entrou para dentro da casa. Com a sacola nas mãos, foi logo para o quarto, que ali estava bem arrumado. A cama muito bem estendida. Cobertores estendidos. No banheiro, a toalha de banho, sabonete e um perfume agradável pairava no ar. Pensou que estava com o dia ganho. Sem nada para fazer. Era almoçar, escovar os dentes e dormir a tarde toda na rede esticada na varanda. Assim o fez.

O dia foi passando. A tarde se aproximava. Quando acordou, era perto das seis horas, ou seja, dezoito horas. Foi ao banheiro, tomou banho, vestiu a bermuda cinza e a camisa branca. Abriu a geladeira e pegou uma das latinhas de cerveja. Encostado na pilastra da varanda, ele contemplava a tarde sumindo lá no outro lado da serra. Estava quente. Alguns pingos de suor lhe desciam pela face. A noite estava aproximando e com ela as incertezas de que estão por trás em um lugar meio ermo, sem casas por perto. Árvores, barulho de água na cachoeira, sapos e grilos fazendo serenatas. Até bruxas voavam por ali.

A casa era meio velha. Foi construída por volta dos anos cinquenta. Pertencia aos familiares do atual dono. Erguida em alguns centímetros do solo, uma varanda grande se estendia por toda a frente. As janelas eram ao estilo veneziano. Longas e com vidros sobre as tábuas, eram fechadas descendo de cima para baixo. Uma taramela vedava tudo.

Já estando a noite tomando conta de tudo, Carlos logo foi fechando todas as janelas. Primeiro, foi a vez das duas portas: a da sala e a da cozinha. As janelas foram fechadas com muito cuidado. Ele tinha medo de que despencassem de cima para baixo fazendo pedacinhos dos vidros. Uma a uma foi fechada. Justamente do quarto onde iria dormir, ele conseguiu ultimar somente a vidraça. A tampa em madeira maciça, ele não conseguiu descer. Imaginou que estava com defeito. Não iria forçar, pois utilizando a força, ela poderia quebrar e não seria nada bom contar para o patrão do amigo, que chegaria no outro dia.

Esquentou o jantar. Comeu bem e ainda rapou a panela de arroz. Pensou em arrumar a cozinha, mas desistiu. Quando acordasse, pela manhã do outro dia, faria o café e arrumaria a cozinha. Se o patrão do amigo chegasse mais cedo, ele iria embora e deixaria que a esposa do camarada limpasse tudo.

Quis ir para a varanda ver a noite, contudo o vento iniciava a soprar mais forte, dando sinal de que poderia chover durante a noite. Foi ao banheiro, escovou os dentes. Pegou o celular para conversar com a amada, todavia a bateria descarregou e ele havia esquecido o carregador do aparelho em casa. Emburrado, foi para o quarto e se encostou na cabeceira da cama. Antes de encostar na cabeceira da cama, ele apertou um apagador de luz pensando que era do quarto, mas não era. Distraidamente, ele não apertou de volta. Foi ouvindo o barulho do vento, os sons dos grilos e sapos. Adormecendo lentamente, ele não viu mais nada, pois o sono lhe furtou.

Por volta de meia noite, ele foi acordado por um enorme barulho. Algo batia forçosamente no vidro. Muito barulho. O vento soprava mais forte ainda que entrava janela adentro. A força do vento era mais violenta ainda e produzia um som assoviado, um eco muito grande. Parecia que o mundo ia acabar. Os socos eram ouvidos na veneziana do quarto. Carlos não sabia o que fazer. Com o cobertor, tampava o rosto e ficava todo encolhido. Na mente, pensava que os fantasmas dos Carvalhos, os donos da fazenda, estavam ali para amedrontar a noite feliz dele. Não estavam satisfeitos com sua presença. Queriam entrar e lhe darem uma enorme surra. Poderiam jogá-lo para cima, para baixo e até janela afora. Ficou assim por poucos minutos. Quando resolveu tirar o rosto debaixo dos cobertores, um enorme estrondo e a luz forte do raio iluminou o quarto. Na parede, formou-se a figura do homem com a boca aberta. Dentro dela, saiam cobras, ratos e outros mais. Carlos não suportando tudo isto, jogou os cobertores para o lado. Calçou as chinelas, abriu a porta e logo chegava em casa. Deixou tudo para trás. O carro, o celular, as roupas.

Amanhecendo o dia na varanda da casa da namorada, ele contou tudo para ela. Bastante apavorado, ele viu uma camionete chegando. Era o patrão do amigo que disse que quando chegava viu um homem saindo correndo. Buzinou para ele, mas ele não parava de correr. Como chovia muito, ele entrou para dentro e nas primeiras horas ia à cidade para ver o que aconteceu. Encontrou com o empregado e este lhe disse que Carlos tinha pernoitado na casa. Na correria, o empregado não contou para o amigo que coisas estranhas aconteciam naquele lugar.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 10/10/2021
Código do texto: T7360636
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