A SEPULTURA (ESPECIAL HALLOWEEN 2) - HISTÓRIA 17

Era o que ele estava buscando, uma casa não tão grande, de frente para um lago, com uma garagem para ele abrigar seu carro. Um lugar perto da natureza para recomeçar a vida. Aquela ali era um sobrado branco que estava precisando de uma reforma, o jardim estava precisando de cuidados, mas era ideal. Ficava de frente com o lago e tinha até uma casa de barcos e uma plataforma flutuante.

O corretor explicou que uma área de 50 metros além da margem do lago pertencia à propriedade.

Marlon gostou do lugar, gostou da casa e gostou do preço.

Agora eles estavam na sala de lareira da casa e o corretor, um homem negro de uns 46 anos e com ares de gay, olhava para ele apreensivo aguardando a resposta.

Eles tinham visitado três casas às margens do do lago naquele dia e aquela era a quarta, a que mais o agradou e ele quase não acreditava que um lugar assim estava à venda por apenas 300 mil reais.

Marlon olhou o corretor e assentiu.

— Eu adorei. Essa aqui é perfeita. Perfeita demais, eu diria.

O corretor, contente porque finalmente ia conseguir vender alguma coisa naquele dia estafante, abriu um sorriso de orelha a orelha e perguntou:

— Vamos fechar então.

— Vamos. Com certeza.

Foi assim que Marlon foi morar na casa do lago.

Marlon dos Santos Braga, 32 anos, famoso escritor de terror nacional, estava em busca de novos ares.

Ele morava em São Paulo e foi casado por cinco anos com Rebeca, uma modelo de 22 anos que era a mulher dos sonhos de qualquer homem. Mas Marlon descobriu que sonho era uma coisa muito tênue para existir de fato. Ele já devia saber, porque quando ele era criança, seu pai vivia repetindo que aquele negócio de sonhar era para quem gosta a de perder tempo. "O que existe é destino "Marlo", e você não vai conseguir fugir dele".

Seu pai tinha morrido aos 58 anos, bêbado.

Marlon tentou ir na contramão do que o pai sempre lhe dissera. Ele começou a escrever com dez anos de idade, e com 15 uma professora de português dissera que ele escrevia bem.

Marlon lançou seu primeiro livro em uma editora independente aos 22 anos de idade e quando tinha 25 já era um autor com dois livros publicados em uma das maiores editoras do país, e seu pai, devia estar se remexendo no túmulo tendo que engolir suas palavras.

Marlon conheceu Rebeca os 27 anos. Curiosamente ele tinha sido convidado por um patrocinador para participar do São Paulo Fashion Week, Rebeca era apenas uma garota de 17 anos que o encantou completamente.

Eles começaram a namorar, se casaram um ano depois. Marlon tinha que admitir que tinham vivido bons momentos juntos, mas já devia saber que pertenciam a mundos diferentes. Rebeca era modelo internacional, ele, autor de best sellers. Ela vivia viaja do pelo mundo e nem sempre ele conseguia acompanhar.

Quando ele a encontrou com outro homem na cama, a primeira coisa que ele viu foi seu pai.

Ele havia saído do túmulo e estava ali, um cadáver podre, com uma garrafa de pinga na mão apontando e tirando sarro da sua cara:

— Eu te disse "Marlo". Se acreditou mesmo que esse negócio de sonho existe?! Eu te disse.

Depois de despachar o cadáver apodrecido do pai, Marlon acertou um murro na cara do amante dela, um murro que levou o cara a nocaute.

Ele foi preso, passou uma noite na delegacia e acabou dando autógrafos, o delegado de plantão curiosamente estava lendo Lapso de memória, um de seus besta sellers, e lhe ofereceu café com rosquinhas.

Marlon dormiu lá, pagou mil reais de fiança e foi para a casa. E o sonho estava acabado.

Durante quase um ano ele enfrentou uma espécie de crise existencial, e passou a beber. Seu rendimento no trabalho caiu muito e ele começou a ter severos bloqueios criativos. E tinha seu pai. Ele sempre via o pai, naquela situação, reduzido a um cadáver podre, zombando dele e dizendo que o tinha avisado. E isso era um martírio, ele mandava, implorava para o pai calar a boca e ele ria tirando sarro de sua cara.

A terapia aliviou um pouco as coisas. Ele voltou a escrever, mas nunca conseguiu se livrar da bebida.

Marlon ainda teve que enfrentar uma audiência na justiça. Rebeca estava pedindo 50 milhões de reais de pensão. Eles tiveram que ficar frente a frente e Marlon experimentou diversas sensações e a que mais o incomodou foi a descoberta de que ainda desejava aquela mulher, e ele se odiou por isso.

Rebeca perdeu a causa. Ele deu algum dinheiro a ela, uma casa e um carro e assinou os papéis do divórcio. E aquela merda estava esquecida.

Mas ele ainda se sentia um lixo. Ele ainda via o fantasma de seu pai de vez em quando.

Um dia ele estava bêbado em sua casa jogado no sofá. Ouviu um barulho, sentiu um cheiro ruim, se levantou e lá estava o pai, sentado na poltrona com sua velha garrafa de 51.

Marlon sentiu sua cabeça rodar. Acendeu um cigarro e ficou ali, vendo o fantasma podre do pai.

— Puxa vida "Marlo" você tá um caco.

— Olha quem fala. E você está morto. Podia pelo menos tomar um banho. Você fede.

— Sei o que precisa "Marlo". Você precisa de novos ares, e comer uma buceta.

E então o fantasma desapareceu, mas ele não conseguiu mais tirar da cabeça a frase você precisa de novos ares. Ele ficou pensando naquilo por quar quinze dias. Até resolver comprar uma casa à beira de um lago.

††

Marlon se mudou em agosto. Precisou contratar um pessoal para dar uma ajeitada na casa, alguns pedreiros, um pintor, um jardineiro e duas faxineiras. A casa se tornou habitável e agora era seu novo lar.

A cidade era pequena o que não evitou que ele fosse reconhecido como Marlon dos Santos Braga, o famoso escritor de terror. Mas o assédio não foi muito forte, o que ele achou ótimo.

Marlon era visto por aí andando em seu fantástico Porsche 911 e era bem recebido na cidade.

Com oito meses de residência em foi convidado pela prefeitura para se tornar secretário de cultura do municipio e teve que recusar de forma elegante.

Afinal o conselho do fantasma de seu pai tinha sido o melhor conselho que ele já bronha recebido na vida. O que ele precisava era de novos ares.

Com o tempo, até mesmo o fantasma de seu pai deixou de aparecer.

††††

Marlon passou na frente de uma loja de paisagismo e viu roseiras. Rosas sempre tinha sido as flores preferidas de sua mãe. Quando ela era viva tinha um canteiro com rosas de diversas cores.

Ele comprou dez mudas. Pegou algumas ferramentas que estavam na casa de bascos e escolheu um lugar próximo ao alpendre do outro lado da casa, de frente com o bosque.

Marlon estava cavando e ouvindo áudio book. Era um de seus livros, o editor enviara o materi para que ele pudesse analisar antes de ser publicado.

O narrador tinha uma voz afeminada demais na sua opinião, mas a gravação era perfeita.

Marlon estava na metade do bucaraco quando a cabeceira bateu em alguma coisa dura.

Deviam ser pedras. Se tinha pedras naquele lugar não servia para plantar rosas.

Ele pegou um enxadão e removeu a terra do buraco. Vou uma pedra preta. Franziu o cenho, abaixou e removeu o resto da terra com as mãos.

Era uma pedra lisa, ele viu que era uma pedra de mármore, ou granito.

— Mas que merda é essa?

Marlon pegou o enxadão e começou a escavar a coisa. De vez em quando ele parava para tomar água. Quando terminou se escavar tinha retirado uma montanha de terra do buraco.

Seus olhos se arregalaram com o que estava vendo.

Era uma sepultura.

†††††

— Mas que porra é essa?!

— Um túmulo "Marlo". - Ele olhou para o lado e viu o fantasma de seu pai. — Não é um bom sinal. Se eu fosse você vendia essa casa e caia fora.

— Quem precisa cair fora é você.

Aquilo era a coisa mais estranha ele já tinha visto em toda a sua vida. Não era sempre que você encontrava uma sepultura enterrada no jardim de casa.

Ele acendeu um cigarro e ficou ali, olhando a estranheza daquela descoberta.

Era um túmulo feito de mármore preto. Estava praticamente intacto. No centro daquela coisa havia dois triângulos que se cruzavam formando uma estrela.

— É maldito "Marlo". - Disse o fantasma de seu pai. — Vê aquele símbolo? É um pentagrama. O símbolo do demônio.

— Você ainda está aqui?! Pelo amor de Deus! Não tinha desaparecido?

Marlon notou que havia uma foto na lápide. Se aproximou do túmulo, limpou a foto com a mão. Estava em péssimo estado de conservação, mas ele achava que estava vendo uma mulher morena, os cabelos pretos, os olhos pretos também. Não dava para ver muita coisa.

Havia os restos de uma inscrição na foto e ele as leu:

en if r Ca oli a San os

19 6 - 2005

Ele ficou algum tempo tentando adivinhar o nome naquela inscrição e achou que conseguiu:

— É… Jenifer? Jenifer Carolina dos Santos. Acho que é isso. Jenifer. Você está enterrada no meu jardim. Porque está enterrada no meu jardim?

Ele ouviu um som. Achou que era algo semelhante a um gemido.

Um vento alísio assoprou balançando as folhas das árvores.

Marlon olhou para a plataforma flutuante do lago e viu, ou pensou ter visto uma mulher.

Elen sentiu uma leve palpitada no coração.

Saiu caminhando na direção da casa de barcos.

Parou na margem do lago e olhou para a plataforma. Não havia nada.

Ele atirou a bituca de cigarro no lago e olhou para a direção dá casa.

Havia uma mulher parada na frente dele, não mais que uma sombra flutuante. Marlon viu os olhos dela e eles eram negros como a escuridão.

Marlon soltou um grito e caiu no chão, vendo que não havia mulher nenhuma.

Ele ficou algum tempo ali no chão, depois levantou-se e correu para a casa.

††††††

Ele estava tremendo.

Caminhou até o banheiro e tomou alguns calmantes.

O fantasma de seu pai está a na banheira. Mas ele o desprezou.

Marlon agora sentia-se estranho. Era como se soubesse que alguém estava o observando.

Caminhou até a cozinha e encontrou o fantasma do pai lá.

— Você tem que ir embora "Marlo".

— Cale a boca porra! CALE A BOCA!!!

Abriu a geladeira e pegou uma cerveja.

Ele estava tenso, e não tinha a menor ideia do porque.

†††††††

… vendo alguma coisa. Com olhos que não eram seus. Viu a mulher no espelho. Era jovem, morena, seus olhos eram pretos. Ela estava usando um vestido preto.

Então ela começou a caminhar pela casa.

Havia sombras. Pareciam pessoas paradas de frente nos cantos das paredes.

Ela subiu as escadas e foi até o quarto.

Viu um berço. Havia uma criança lá, um bebê. Ela o pegou e desceu a escada até a cozinha. Colocou a criança sobre a mesa e cortou-lhe a garganta com uma faca.

...a coisa mudou.

Era um banheiro.

Havia uma vela preta acesa na borda da banheira. A mulher estava diante do espelho. Havia um pote de vidro com sangue sobre a pia. Ela molhou o dedo no sangue e começou a escrever alguma coisa no espelho.

††††††††

Marlon abriu os olhos e não sabia onde estava.

Seu corpo estava doendo. Ele percebeu que estivera dormindo no chão.

Tentou se levantar e bateu a cabeça embaixo da pia.

— Aí! Caralho!

Percebeu que estava no banheiro.

Marlon estava atordoado.

Lembrava-se de fleches do pesadelo que tinha tido na noite anterior e olhou para a banheira instintivamente.

Não havia vela preta nenhuma ali.

Se levantou gemendo, abriu a

Torneira da pia e lavou o rosto.

Então ele olhou no espelho e seus olhos saltaram da órbita.

Havia palavras estranhas escritas com sangue ali:

Solve

Coagula

Marlon deu um passo para trás. Olhou seu reflexo no espelho e seus olhos saltaram da órbita. A imagem refletida no espelho era de uma mulher.

Uma mulher de preto, com aspecto maligno.

Marlon ergueu sua mão, mas o reflexo no espelho permaneceu imóvel. Ele deu mais um passo para trás, mas a mulher permaneceu imóvel.

De repente ela começou a sorrir, um sorriso diabólico, macabro.

Marlon não sabia se estava sonhando, a diferença entre realidade e sonho era agora uma linha muito tênue.

Ele caminhou até o quarto e seu pai estava lá sentado na cama. O cheiro de podridão impregnava o quarto.

— "Marlo" tem alguma coisa muito macabra nesta casa. Se eu fosse você daria o fora. Eu vi aquele túmulo "Marlo". O jardim...

Marlon viu o fantasma de seu pai arregalar os olhos em pânico.

Ele olhou para a frente e a mulher estava lá. Era aquele espectro negro. Usava um vestido preto, parecia uma gótica anoréxica.

Ela estendeu a mão na direção do fantasma de seu pai e este sumiu.

— PAI! PAI! O QUE VOCÊ FEZ?! QUEM É VOCÊ?!

Mas de repente não havia mulher alguma.

A casa estava mergulhada no mais absoluto silêncio, mas então ele começou a ouvir passos vindos do andar de baixo.

Marlon desceu a escada esbaforido.

Seu olhar era vidrado, o coração batia a mil.

Marlon começou a vasculhar a casa. Estava vazia.

Ouviu um barulho na sala e caminhou até lá.

Viu a sepultura bem no meio da sala e arregalou os olhos. A tampa havia sido removida. Ele viu um caixão aberto.

Escutou um ruído vindo lá de cima. Correu até a lareira e se armou com um atiçador de brasas.

— Quem está aí? Pai? É você?

Marlon começou a subir a escada.

Ele respirava ofegantemente, os olhos arregalados, feito um lunático.

O ruído veio do banheiro. Ele armou o atiçador e entrou no banheiro. Vazio. Vasculhou o box e não viu nada.

Então ele olhou no espelho.

As palavras estranhas que antes estavam ali tinham sido substituídas por uma estrela de cinco pontas dentro de um círculo.

Ele viu seu reflexo. A mulher estava atrás dele.

Marlon arregalou os olhos.

A mulher abriu a boca e emitiu um som estranho, semelhante ao grunhido de um porco.

Marlon sentiu que estava caindo. Ele olhou para o chão e percebeu que estava afundando nele. Seus olhos viraram para cima e se tornaram totalmente brancos.

†††††††††

Ele acendeu um cigarro. Tinha consciência de que não era um cigarro, mas sua mente dizia que era, e era o que importava.

Ele estava na sepultura aberta, vendo seu próprio corpo dentro de um caixão.

Seu pai colocou-se ao lado dele e ficou ali, em silêncio, até que Marlon perguntou:

— Estou morto.

— É "Marlo", você está.

— Por que? O que aconteceu?

— Você rompeu o selo.

— Selo?

Seu pai apontou os dois triângulos cruzados em cima do túmulo e ele viu que uma das linhas estava rompida, bem onde a cavadeira havia batido.

— Parece que você libertou uma bruxa "Marlo". - Disse seu pai. — Parabéns.

Ele deu um tapa amigável em suas costas e foi saindo.

Parou e disse:

— "Marlo".

Marlon olhou para ele.

— Sim.

— Bem vindo ao mundo dos mortos.

ESSE CONTO FOI ESCRITO COM A COLABORAÇÃO DA AUTORA DEBORA QUESADA