A carta na parede - CLTS 17

A CARTA NA PAREDE - CLTS 17

Meu nome é Ellen e cresci junto com minha melhor amiga de infância Marcela,

e há algum tempo, ela me contou a história de sua família e o mistério que os

rodeia, e eu vos garanto que é no mínimo, interessante .

No ano de 1996 a família de Marcela, resolveu se mudar para o estado

de Minas Gerais no interior , para a antiga casa de sua avó materna que havia

acabado de falecer, e era nossa vizinha.

Eramos muito pequenas, eu tinha cerca de 4 e marcela 3 anos de idade,

e não nos lembramos muito sobre essa época, mas a mãe de Marcela

a "tia" Carmem , nos conta que quando chegaram a casa era bem bonita

e bem cuidada, mas era necessário pintar e fazer uma pequena reforma,

teriam que aumentar o tamanho da garagem , quebrariam então

uma das paredes, e foi nisso de quebrar a parede, que

dentre os tijolos acharam um tubo desses de cano só que bem grosso, e

lacrado nas duas pontas.

A Mãe de Marcela conta que dentro, havia uma carta enrolada

como uma espécie de pergaminho, sabe desses bem antigos e por conta de

o papel estar bem velho e também para que não perdesse os escritos, ela os

transcreveu, e os guarda até hoje, e faz todo mundo que escuta essa história,

ficar boquiaberto com o conteúdo da carta,

e o conteúdo da carta é o seguinte:

" Eis os detalhes do dia em que tudo mudou.

Com amor.

Para você meu amor, tenho esperança de leitura e muitas saudades .

Se eu pudesse escolher entre voltar no tempo ou avançar, eu... avançaria

ultimamente os dias parecem intermináveis, estou sempre travando

uma batalha constante comigo mesmo , e a cada segundo que passa ,

sinto-me mais próximo de perdê-la .

Minha vida se tornou um caos e tudo me incomoda, odeio ter que

acordar cedo, odeio o som dos latidos dos cachorros, odeio ter que caminhar

até meu trabalho e tomar aquele café sem gosto de lá , e odeio também

o som da buzina do meu vizinho, ele chega no mesmo horário que eu

e parece querer avisar todo o bairro com aquele som estridente e miserável!.

Entretanto, não há nada que eu odeie mais do que não saber como resolver

determinadas situações, dentro de minha própria casa.

Eu e Roseli, estamos casados há quatro anos , mas nas últimas semanas

a nossa comunicação praticamente zerou. Após uma briga em que discutimos

pesado durante longos minutos, usamos palavras fáceis de dizer

e difíceis de engolir,

que me fizeram sair de casa naquela noite decidido a nunca mais voltar,

porém, eu voltei na manhã seguinte, só que para ela, parece que não,

já que ela resolveu não falar mais comigo.

Roseli é a mulher mais doce e gentil que conheço , mas seu orgulho

entra em embate com o meu, o que dificulta uma possível

reconciliação, o jeito é esperar a cura através do tempo, e essa opção

é a que mais me desagrada .

É como se eu invalidasse tudo oque escrevo e saio pregado

em minhas próprias histórias.

Eu sou escritor sabe? E é com um romance repleto de ensinamentos

sobre sabedoria e responsabilidade emocional, que tento chegar na versão final

do meu primeiro livro, sendo hipócrita de minha parte, já que eu não consigo

aplicar essas lições em minha própria vida.

Trabalho em uma editora como revisor e após muita espera, consegui

uma promessa de publicação de meus escritos, então escrevo e

reviso todos os dias, penso entregar , reviso novamente , nunca

parece estar bom o suficiente.

Em minha cabeça um trabalho constante, que só cessa quando vou para casa .

Roseli sempre me espera, e após a buzina insuportável do vizinho,

eu a vejo olhando através da janela, e toda noite eu a encontro

sentada em uma poltrona a ler um livro, ou terminando um de seus

projetos arquitetônicos .

Mas nos últimos tempos, era mais comum eu a vê-la segurando

uma taça de vinho, observando a rua, as vezes tinha a impressão

de vê-la chorar silenciosamente. Desde a fatídica discussão, essa cena

se repetia com mais frequência. Eu até cogitava me aproximar mas,

acabava me limitando a observa-la de longe, afundado em meu orgulho.

Umas das manhãs seguintes por volta das 8 horas ,

eu já estava pronto para sair e antes de descer as escadas, eu a vi sentada

na beirada da nossa cama observando nosso cachorro

latir em minha direção, e é como se nem ele suportasse mais a minha presença

e ela compreendesse isso. Roseli nunca me olha, evitando

qualquer tipo de contato, iniciando assim o dia da pior forma possível.

Eu desço as escadas e saio porta fora. Ao cair da noite e com muito pesar,

eu volto para casa para encontrar Roseli sentada na poltrona ,

as vezes chorando as vezes não.

Achei que tudo mudaria quando a minha sogra resolveu

passar uns dias em nossa casa, pensei que o coração de Roseli

pudesse se abrandar e aos poucos e ir cedendo, ledo engano, minha sogra

que nunca gostou muito de mim, não contribuiu em nada para

que Roseli se acalmasse, Josefa estava ali só para proteger sua filha,

e quem sabe, aproveitando a oportunidade para tira-la de mim.

Isso foi confirmado na tarde de hoje em que cheguei do trabalho,

encontrei Roseli

arrumando malas sobre a nossa cama, sua mãe a estava ajudando .

Encarei a situação como uma traição! Eu esperei que notassem

a minha presença diante da porta, observando as agir da pior maneira possível.

Quando a minha sogra pôs os olhos em mim, me fitou com tanto espanto! Tive

certeza de que ela não queria que eu soubesse os que elas estavam fazendo.

Josefa me encarou e a respiração pareceu pesar junto com a decisão

se viria até mim ou não, quando finalmente resolveu agir veio em minha direção,

fechando a porta para que Roseli não me visse, parou diante de mim

e apertando os olhos disse:

-Lúcio! Oque está fazendo aqui? - Ela calmamente escolheu as palavras.

- Essa também é minha casa ! - Falei ao mesmo tom .

- E sou eu quem pergunto, o que você está fazendo aqui?! E para onde

você vai levar minha esposa? Ela não pode sair daqui assim

sem ao menos falar comigo! -

- Lúcio! Você sabe o que aconteceu , não sabe ? - Ela parecia nervosa.

-Dá para resolver ! Eu sei que falei muita besteira, mas Roseli e eu podemos nos resolver! -

Quanto mais eu ficava nervoso , mais Josefa se afastava

até chegar a porta do quarto e segurando a maçaneta disse:

- Você precisa ir Lúcio!

- Ir para onde ? essa é minha casa! Não irei a lugar algum ! -

Sem responder, entrou e trancou-se no quarto com Roseli.

Pensei em gritar e dizer tudo oque estava pensando, na tentativa

de impedi-las, mas isso seria pior do que não dizer nada. Roseli há dias

não ouvia nenhuma palavra minha, era injusto que as primeiras palavras

fossem logo as ruins e que estas substituíssem então, um pedido

de desculpas.

Desci então as escadas, sentei-me na poltrona e assisti minha esposa

descer as escadas com suas malas, com nosso cachorro e com sua mãe ,

levando consigo tudo oque conseguiam , eu ficaria sem tudo

o que mais amava na minha vida. Roseli voltou então pra pegar sua última

bagagem ao pé da escada, e antes de sair , olhou em volta ,

respirou fundo e arquejou:

- Adeus Lúcio!

E estas foram as primeiras palavras ditas por ela a mim após vários dias

e as últimas também , e estavam carregadas por uma sensação de abandono,

não respondi nem me movi, não queria vê-la partindo,

direcionei meu olhar para a janela, lá fora estava tudo tão escuro

e a casa tão silenciosa, só então percebi que nunca estive tão sozinho.

Logo me arrependi de não tê-la impedido. Passei a noite sentado

naquela poltrona remoendo tudo oque havia se passado, e decidindo

entre ir atrás dela ou esperar que ela voltasse no dia seguinte, tal qual

como eu o fiz. E quando me dei conta que isso não aconteceria ,

resolvi ir atrás dela, só que antes que eu pudesse fazê-lo,

ouvi a porta se destrancar, era minha sogra.

- Lúcio! você ainda está aqui? - Disse ao me ver .

- Mas para onde eu iria? Você a trouxe? Você não deveria tê-la levado ontem! -

Ela me olhava como se cada palavra minha fosse absurda demais e disse:

- SENTE-SE!-

Eu relutante e intrigado sentei-me .

- Me conte o que aconteceu! - Ela disse.

Após nos acomodarmos, numa tentativa de fazê-la entender que eu e Roseli

não merecíamos terminar daquela maneira, expliquei como brigamos

a uma semana, de como dissemos palavras duras um ao outro e eu disse também:

- Bebemos muito vinho durante o jantar, por isso não me lembro

exatamente quais foram as ofensas , mas eu saí de lá muito irritado

e eu não queria nunca mais voltar! Só que voltei no dia seguinte

e ela desde então, não fala mais comigo , me ignora, finge que não existo! -

Josefa olhava fixamente para mim.

- E desde então tudo perdeu a graça e não sei oque faço

para resolver isso! - Eu disse num tom pesaroso.

- E como seria possível ? E o quê resolver? -

Enquanto ainda me encarava como uma expressão atônita, e após

uma pesada e longa pausa ela questionou-me ainda mais.

- E o trabalho está te deixando cansado ?

- E o quê isso tem a ver? - Eu perguntei .

- Você tem dormido? Apenas responda! -

- Essa noite não consegui! -

- E qual foi a última vez que conseguiu dormir!? - Ela me interrompeu

e eu não me lembrava.

- Qual foi a última vez que viu minha filha ? - Perguntou tão enfaticamente

como se checasse a minha sanidade .

- O-ontem a noite Josefa ! Você a levou ! - Mais uma pausa e ela arquejou :

- Hoje eu trouxe o jornal para você!, Faz tempo que você não recolhe o jornal não é mesmo? -

Ora e ela queria o que me enlouquecer?! Para quê o jornal ?

- Eu não ligo ! Quero saber da Roseli! - Esbravejei!

- Vamos ! Leia a primeira página! -

No quê importava as notícias agora? Eram tantos problemas em minha casa,

não precisava de problemas alheios. Eu relutantemente segurei o jornal e a

manchete da primeira página dizia:

' 8 DE JANEIRO DE 1968 -

A MIRAGEM LIVRO PÓSTUMO DO ESCRITOR LÚCIO MARQUES,

ALCANÇA UM MILHÃO DE EXEMPLARES VENDIDOS .

EM SEU PRIMEIRO ANO DE LANÇAMENTO,

O ROMANCE MISTÉRIO QUE HOMENAGEIA SUA ESPOSA

ROSELI MARQUES,

É UM FENÔMENO DE VENDAS EM TODO O MUNDO ,

MESMO APÓS A MORTE DO AUTOR. '

Esfreguei meus olhos só poderia ser delírio! Li novamente o 1° trecho .

' A MIRAGEM LIVRO PÓSTUMO DO ESCRITOR LÚCIO MAR...'

- E- eu morri ? - indaguei-me estupefato - E há quase dois anos !

Na noite em que brigamos eu saí pela porta da frente, realmente

para jamais retornar! Se quer atravessei a rua! Eu saí da garagem em alta

velocidade, não vi o caminhão vindo em minha direção até a colisão,

que acertou em cheio a lateral do carro que eu estava! -

Entrei em desespero, não conseguia compreender tudo aquilo,

dentro de mim uma enorme angústia, na alma um imensurável amargor.

Em minha mente podia ver flashes e fragmentos de imagens, onde podia me

ver ali ao lado de meu corpo todo ensanguentado ainda dentro do carro, com os

ossos quebrados a mostra e minha cabeça esmagada pela lataria do carro.

Não quis acreditar! Foi um choque perceber, que eu não me lembrava mais

de muitas coisas antecedentes daquele dia, até mesmo as mais simples

memórias sumiram da minha consciência.

Minha sogra que só pôde se comunicar comigo,

por conta de sua mediunidade, contou que Roseli havia deixado

a casa há pouco mais de 1 mês , o tempo era diferente para mim ,

um dia que acreditei ter ficado sem ela na verdade era 1 mês ,

1 mês inteiro que não vi passar.

Todos os dias são fragmentos, eu nunca me recordo de tudo,

nada mais me incomoda. Sinto falta de ter que acordar cedo,

já que nem me recordo como é dormir.

Sinto falta dos latidos dos cachorros! Como eu gostaria de poder

caminhar até o trabalho novamente, e poder tomar o café sem gosto de lá,

eu queria poder ouvir o som daquela buzina irritante

do vizinho , mas que agora só existe na minha cabeça,

já que nem vizinhos eu tenho mais.

Mas não havia nada que me fizesse mais falta do que ela,

nunca pude me despedir, nem se quer dizer adeus, e ela nunca soube

o quanto eu sentia muito. Não sei se Josefa contou que ainda

permaneço dentro de nossa casa , acho que não , continuo aqui

esperando ela voltar já que jamais poderei ir atrás dela, me arrependo

todos os dias de tê-la deixado ir, eu nunca deveria ter saído por aquela porta

na noite em que perdi tudo.

Ah se eu pudesse escolher entre voltar no tempo

ou avançar eu ... Voltaria "

Esse é o conteúdo da carta, tudo fica mais estranho quando se sabe

que Roseli era avó materna de Marcela , que só retornou para aquela casa

8 anos depois, nunca mencionou carta alguma , nem nunca ninguém soube

como essa carta foi parar naquele tubo, nem dentro da parede, e por enquanto

não há sinal de que Lúcio permanece ainda na casa ou não .

POR ENQUANTO.

Tema: Fantasmas / mistério