ONDE ESTÁ PEDRO PEDREIRO PENSEIRO??? —III—

ONDE ESTÁ PEDRO PEDREIRO PENSEIRO??? —III—

Pedro Pedreiro idoso, trabalha em prestação de serviços em prédios do governo federal na Praça é Nossa dos Três Poderes. Foi chamado para fazer alguns reparos no banheiro do Palácio do Planalto. Estava dedicado ao trabalho quando ouviu uma voz afetada a cantar uma canção muito popular dos idos das músicas de protesto na época da ditadura militar. A cantiga era cantada com vozear desafinado. Pedro Penseiro assuntou:

— “Podem me prender, podem me bater/Podem até deixar-me sem comer/que eu vou ganhar essa eleição/Daqui desse Palácio eu não saio não”.

Pedro Pedreiro matutou na entonação, apurou o ouvido. Curioso, exclamou: — Será a Noivinha do Aristides??? A vozinha desafinada, afetada continuou a cantarolar:

— “Desse Palácio eu não saio não”. Passou um tempo e Pedro voltou ao trabalho no sanitário do Palácio pensando que o recital do Mito havia acabado. Mas, logo depois tornou a ouvir. Outra vez voltou a auscultar, a audição na oitiva:

— “Desse Palácio eu não saio não/Desse Palácio eu não saio não”. — Caramba, exclamou Pedro, é ele, é ele, mas como canta mal. E repetiu:

— “Como canta mal. O Zé Kéti deve estar se revirando revoltado dentro do caixão”. — Pedro Pedreiro pensou: “ou o que restou dele depois de 14 de novembro de 1999”. E o cantor palaciano logo se fez ouvir:

— “Se não tem um voto, arrumo outro/Se não tem Guedes, nomeio outro/E deixa a economia andar/Deixa ela andar/E deixa andar/ Porque logo eu haveria de me preocupar/Eu deixo andar/Deixo andar”.

Pedro Pedreiro começou então a pensar: — Será mesmo o Estrupício??? É, a cantoria parece mesmo um enredo do Mito. Pedro parou de trabalhar, levantou-se e pensou: “será que ele parou"??? A pergunta logo se fez resposta:

— “Fale de mim quem quiser falar/O PL é o nono partido em que vou entrar/Nele eu não pago aluguel/Isso é certo aqui não pago aluguel/Nem aqui nem no partido do Costa Neto/Eu falo do Lulla Petrolão/Mas esqueci, acreditem ou não/ Que o Waldemar/Foi condenado no mensalão/Desse Palácio eu não saio não/Aqui pra mim é o céu/Podem me prender/Podem me bater/Mas eu não mudo de opinião/Essas mordomias eu seguro com as duas mãos...”.

Pedro Pedreiro Penseiro ficou a mutuar mais um tempo, colher de pedreiro na mão. Logo depois falou de si para consigo, voltando ao vaso sanitário ainda com a colher de pedreiro em mão:

— “Me lembro dessa peste ainda hoje a defender o totalitarismo dos botõeszinhos dourados da suposta Revolução. Ainda hoje estou aqui, no batente, vendo a Banda passar e o trem chegar na Central do Brasilzão. Eu e meus vinténs, ainda esperando o trem, o salário em parte devorado pela inflação”. E continuou Pedro de si para consigo, pensando, matutando, penseiro:

Pedro filosoficamente apoiou o cotovelo na borda do vaso sanitário, olhou a aguinha minando suja de Barros no fundo da retrete, do banheiro a serviço do Capitão. Coçou o antebraço e balbuciou como se voltasse a memória àquele fim de mundo passado no país do golpe de sessenta e quatro:

— “Me bateram, me prenderam, tomaram até o pandeiro que no boteco eu balançava em minha mão. Que fiz eu pra merecer ainda hoje ouvir, esse tempo todo depois, esses meus ossos da coluna curvada a estalar e o ouvido a doer. Ouvindo esse cantor de caserna entregue ao mesmo antigo refrão”:

— “Quero outra vez armar a população. Ver a utopia de um grupo de meia dúzia de Quixotes urbanos enfrentar as polícias civil, militar, do exército, as forças armadas da marinha e da aeronáutica. E aí é que eu entro, salvador da pátria, em defesa da política do Centrão. E é aí que outra vez vou ganhar essa eleição. Daqui do Palácio eu não saio não”.

Pedro Pedreiro, cansado e desolado prepara-se para sair do Palácio e pegar seu Buzão em direção à cidade satélite Ceilândia. Nela habitam mais de doze mil famílias que vivem em estado deplorável de extrema pobreza, sobrevivendo com renda per capita abaixo de R$ 89,00 mensais. Pedro não sabe, mas ainda espera aumento para o mês que vem, ou ganhar na loteca na Mega da Virada. Sua mulher morreu da “gripezinha”. E a coisa mais linda do mundo, sua mais nova netinha, não está nada bem.

Pedro Penseiro, andar claudicante, antes de entrar no barraco pensou: “desde D. João cozinhar o feijão não subia tanto de preço”. Sentou-se na poltrona esfarrapada frente à Tv e expirou devagar, após cruzar os braços na altura do umbigo sobre a camisa listrada do Atlético Mineiro. Pedro mais parecia um prisioneiro de seu mundo de pedreiro. Ninguém tão depressa percebeu, Pedro Pedreiro venceu a fronteira entre dois mundos, um dos quais tão bem conheceu. Seu último pensar é que ia direto de expresso para o céu.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 01/12/2021
Reeditado em 06/12/2021
Código do texto: T7397474
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