FILME PORNÔ

Olhos de Luciana

Era outubro de 1995, eu então com 21 anos, morava sozinha na frente da casa do Adriano, que tinha 12.

Todas as tardes ele e mais alguns amigos ficavam sozinhos, porque as mães daqueles guris trabalhavam, os pais também... Uma vez até me lembro que elas se uniram, e ofereceram um jantar pra mim na casa do Adriano, a mãe dele, Dna Santinha fazia uma nhoque maravilhoso, com molho de não sei o quê, mas o grande motivo daquele jantar mesquinho e gostoso e bonito também... era me pedir, me pagar para ser babá dos quatro guris que ficavam sozinhos todas as tardes, que fuçavam juntos todas as tardes, que não se desgrudavam todas as tardes: Adriano, Mateus, João Manoel, e Leonardo. Mas eu não quis, e a comida parece que ficou ruim e feia na mesma hora que falei que não e que fui embora e que não me mostrei preocupada com os garotos sozinhos.

Eu não sei porque elas inventaram aquilo. Fazia um tempão que eles ficavam sozinhos a tarde, já que estudavam só de manhã, e que não traziam problema, e que não se importavam.

E eu não aceitei, nem aceitaria, não precisava aceitar. Não trabalhava, mas meu pai me sustentava, estava naquela cidade há 3 anos para a faculdade de gastronomia que só tinha a ali perto, e que tinha de morar perto, e que meu pai custeava, e que esse custo se tratava de tudo, tudo mesmo, até as coisas desnecessárias. Então a noite eu cursava a faculdade, de manhã estudava os conteúdos, e a tarde ficava de papo pro ar, nos fins de semana voltava pra casa de meus pais.

Eu não aceitei porque não precisava de incômodo, não aceitei porque eram ainda bem crianças e isso me deixava nos nervos.

Eu tinha um namorado, que havia arrumado desde a segunda semana de faculdade, e ainda estávamos, ainda nos curtíamos, ainda éramos novidades um para o outro. Fazíamos muitas loucuras juntos, fazíamos o inusitado, fazíamos o que não devíamos.

Aquelas crianças todos os dias ficavam na casa de um deles, sem babá, porque depois que eu disse não, parece que ninguém mais servia, porque não falaram com mais ninguém, o negócio era comigo, e eu não me importava. Aquelas crianças procuravam sempre fazer o proibido, o que não podiam, o que se tornava desafiador. Um dia a tarde, eu fui na locadora, na tarde anterior eu e meu namorado tínhamos feito loucuras sexuais, ele era bem entendido das modernidades da eletrônicas e usufruímos disto para se divertir um pouco, e na tarde seguinte fui tratar de negócios, passei na locadora, fui na sessão de filmes pornô, o Adriano estava lá olhando os títulos: corri com o garoto, ele ficou louco, era de menor e eu tinha toda razão. Não levei nada, mas quando estava no balcão vi o Adriano e os outros garotos com um VHS nas mãos. Perguntei que filme haviam levado. A moça meio macabra coitada disse que não lembrava, mas que um cara alugara na sua conta porque era pornô, e depois deu para os meninos levaram, para os meninos se divertirem, para os meninos se viciarem. O que era aquilo meu Deus, uma anta num balcão. Fui embora sabendo que os garotos iriam “crescer” naquela tarde.

Olhos dos garotos

Eu tinha conseguido alugar um filme pornô, graças áquele cara que já tinha visto por ali várias vezes, mas não era morador dali, não estava só de passagem por ali, não sei o que fazia ali. Eu prometi e iria cumprir que no outro dia entregava o filme certinho e pagava também é claro. A mãe de ninguém podia saber, nem os vizinhos poderiam saber, nem nós mesmos depois de ver poderíamos saber... Que bom que não tínhamos babás, era uma coisa que não ia dar certo, e alugar um filme pornô era uma coisa que já tinha passado pela nossa cabeça, mas sempre faltava algum maior de dezoito que pudesse alugar... Éramos muito curiosos pra ver aquelas mulheres muito bonitas nuas fazendo amor com homens. Estava tudo limpo na minha casa, o vídeo cassete perfeito, havia comprado a fita que limpa, e agora estava bem bom, mesmo sabendo que estávamos sozinhos dava um bastante nervoso. O João Manoel queria fazer pipoca, não deixei, meio que brigamos e ele ficou chato, mas depois passou, porque ele entendeu que filme pornô não se via comendo pipoca. Tive que dar um discurso básico. E disse que era pra eles se animarem e ficarem atentos e cuidarem com a janela, porque mesmo fechada e com a cortina sobrava uma frestinha que dava pra ver a TV lá dentro. Era um sonho se realizando, finalmente iríamos ver um filme pornô, desde o os 11 anos e meio que sonhávamos com isso e agora estava se realizando. Coloquei no aparelho, não sei qual o problema do filme, mas a capa era uma folha sulfite, e não tinha foto nenhuma, estava apenas escrito: Corpos em chamas.

Passei os trailers, que também eram pornô, mas não nos interessavam. Então começou o filme, uma moça fez um strip-tease, mas foi atrás de um biombo, ninguém viu direito, e depois chegou um bombeiro só de cueca, e começaram a se beijar por trás do bimbo, era muito interessante, esperava exatamente aquela sensação mesmo, além das físicas que já previa. Ficamos todos vermelhos, mas eu disse pra ninguém ir embora, estávamos juntos nessa, e juntos até o fim, até o fim mesmo. Chegou a hora que tanto esperávamos,

Eles iam sair de trás do biombo e fariam amor, e o que era melhor: juntos! Daí alguém bateu na janela, e me chamou, conheci a voz de Dna Lena, vizinha da transversal, muito amiga da minha mãe. O Mateus se mijou todo, sujando o sofá de florzinha, todo mundo quase morreu, meu coração bateu na garganta... Ela gritou que queria um bocadinho de açúcar, e então aquele dedo muito moreno e fininho de unha quebrada entrou na fresta da janela e afastou um pouquinho da cortina... mais uma voz apareceu, uma pior, uma voz da minha mãe, uma voz que significava que estava ferrado, uma voz que eu tinha muito medo. Ela gritou da porta da cozinha: - Eu já vejo o açúcar pra ti Lena. E a chave girou, e eu parei o filme, e coloquei no canal da TV. Por que ela estava chegando em casa agora? Por que ela estava chegando em casa bem cedo? Por que ela estava chegando naquela hora?

Olhos de Luciana

Estava na frente de casa e a mãe do Adriano, Dna Santinha estava chegando de bicicleta, parou e conversamos um pouco, uma máquina que ela trabalhava tinha dado problema e o patrão tinha dispensado ela por tempo indeterminado. Que bom pra ela, podia cuidar da casa mais um pouco, ter uma folga da vida de operária, a casa estava trancada, ela perguntou se eu tinha visto o Adriano, disse que não, respondi com a imagem do filme pornô na minha cabeça, tinha quase certeza de que ela pegaria os meninos no flagra, ou não... Mas eu sabia da verdade, e pra confirmar o que ia acontecer, disse que precisava de açúcar e que já estava indo lá na casa dela pra pegar.

Olhos dos Garotos

Minha mãe abriu a porta com a chave dela, e nos viu vendo TV, estranhou de estarmos todos trancados e logo desconfiou que estávamos fazendo sem vergonhice, mas não podia admitir assim de cara sem lutar nem um pouquinho. Insisti pra ela atender Dna Lena antes de ir lá porá dentro, nos confins da casa, mas ela tinha que deixar a bolsa. Viu os guris no sofá, deu oi, e sentiu o cheiro de mijo do João Manoel, olhou e viu a poça, se apavorou, brigou com ele, eu perdi meu chãozinho. Ela parou e deduziu: - vocês estavam fazendo alguma coisa que ficaram nervosos, pra acontecer isso! O que foi? Nisso chegou ainda a Luciana, vizinha da frente, lá em casa, minha surra ia ter platéia, eu odiava que os outros me vissem apanhando, odiava apanhar, odiava só de ameaça de apanhar. E Luciana estava com cara de que estava a fim de ver alguém apanhar, com aquela história do velho pote de açúcar. Poxa, ela estudava pra ser cozinheira, como deixaria esquecer açúcar em casa, desgraçada. Mas aí, a minha mão foi lá pra dentro dizendo: - A gente já vai conversar! E voltou já sem a bolsa, e foi quando dei por mim, que a capa do filme estava na mesa da cozinha, antes que eu pegasse a Dna Lena viu e falou com sua voz insuportável: Que é isso?

Mas eu tirei da mesa, e escondi na sala... Todos os outros meus amigos já estavam em pé, o Mateus mijado, mas cada um no seu posto, pronto pra tudo né. Porque a gente é parceiro, porque a gente é inseparável, porque a gente é amigo mesmo ta! E daí a mãe veio louca lá de dentro, e perguntou o que era isso que ela tinha acabado de ouvir.

Olhos de Luciana

E daí? Eu ia embora, ou ficava? Bem, decidi ficar, mesmo nervosa pelo coitado do Adriano, e se precisava de açúcar não ia desprecisar de uma hora pra outra né? O menino arroxou, e eu na minha, mas Dna Lena falou: - Ele pegou e colocou ali na sala.

Ele nem se mexeu, ninguém se mexeu, só Dna Santinha se mexeu, e foi a sala, em silêncio, quando eu olhei pra trás, metade da rua estava no cercado de Dna Santinha pra saber o que estava acontecendo. Dna Lena tava revirando a estante toda e chamando nomes feios para Adriano, nisso veio o Padre da capelinha de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, que era ali perto, encheu um copo d’agua, benzeu e jogou todo em Dna Santinha para lhe tirar o demônio do corpo. Ela viu então sua casa cheia de gente, e ficou louca e quis avançar no padre que a deixou molhada. As beatinhas da capela se reuniram e avançaram em Dna Santinha, daí eu Dna Lena e mais umas mais amigas ajudamos a avançar nelas... Aquelas piranhas papa rosário, barata de igreja... Eu puxei o cabelo de uma, e me separaram, era um homem grande e forte, que não vi porque estava de costas, mas vi uma melada de sangue no chão, e chegou o bombeiro, acudiu, tirou a multidão e levou. O padre endoidou, e encheu mais copos de água e começou a jogar na casa toda, segundo ele, estava toda amaldiçoada.... Chegou a polícia.

Olhos dos garotos

Por um lado aquele alvoroço na minha casa até estava sendo bom, porque então minha mãe esquecia o que estava a fazer, e não ia descobrir, mas daí chegaram os homens fardados, e como eu ia tirar a capa de um filme pornô da sala de casa, cheia de gente? A policia silenciou tudo, perguntou o que era e o que não era, e tudo foi bem normal... mas daí a que estava sendo socorrida pelo bombeiro, avançou no próprio bombeiro e fez o maior berreiro lá fora já, porque queria acabar com a raça da minha mãe, e voltou correndo mesmo sangrando pra dentro da nossa cozinha. A policia segurou de novo e a levou para fora, aos berros, todo mundo foi atrás, mas eu fiquei, eu e o padre, e quando olhei o padre estava jogando água nas coisas, gritei bem alto pela minha mãe. Ela veio doida policia veio atrás... Foi todo mundo pra delegacia, ela a Luciana, Dna Lena, o padre, e mais uns que eram testemunha... Eu fiquei com outra vizinha esperand, e os guris esperando comigo, coisa de duas horas estavam de volta, duas horas que pareciam pra sempre.

Olhos de Luciana

Que horrível delegacia, e o padre que pessoa doida. Eu, uma garota estudada passando por isso., não merecia mesmo... Prometi então, para acalmar os ânimos de todo mundo, dar um bolo cm refrigerante na casa de Dna Santinha, saímos dali e formos para o mercado, comprei o bolo, mas na padaria, um adas baratinhas de igreja estava lá e me parou, pegou o bolo da minha mão e jogou no chão... Na me contive, avancei, avancei nela e bati, avancei nela, bati e quase matei... Ai que ódio daquela (!) mais uma vez delegacia. A doida da barata de igreja foi pra se curar das pegadas que dei, era já uma criminosa. Meu Deus se papai ficasse sabendo! Daí o prometido foi cumprido, comprei o bolo, o refrigerante e até salgadinho, parecia festa de criança, parecia gente louca, parecia passatempo pra esquecer de maus feitos.

Comemos, bebemos e a história do filme tinha até morrido, mas o povo, a multidão voltou toda na casa de Dna Santinha quando voltamos. E de repente, os meninos tinham esquecido do filme no outro canal da TV, a Dna Lena aperta o bota sem querer, e coloca no filme ainda ligado. Todo mundo ouviu aquela semvergonhice e grudou os olhos na TV, abismados, sem acreditar no que viam... Minha cara foi no chão, saí dali correndo sem pensar!

Olhos dos garotos

Quem diria hein! O choque foi tão grande pra todo mundo, que eu nem apanhei por ter alugado um filme pornô, e q moça da locadora nem cobrou. A moça que sai de trás do biombo, fazendo sex explícito com o bombeirão, era a minha vizinha Luciana. Coitada, quando viu que era o vídeo dela, saiu correndo, nunca mais apareceu, se mudou no mesmo instante sem falar cm ninguém. Os boatos correram muitos quilômetros, e ela não acabou a faculdade, na por aqui ao menos. Então era isso que ela fazia com seu namorado entendido de eletrônica, produziam filmes de sacanagem... Que legal? Será que teria continuação? Já pensou: Corpos em Chamas 2, 3, 4, e vai. Aquele ela gravou e deu pra moça da locadora de presente, dizendo que que era um bom filme, explicou a moça da locadora depois, explicou pra todo mundo, explicou com gosto, explicou com raiva. E colocou pra alugar, e foi justo o que eu aluguei, o que eu estava louco pra ver, o que eu nem tinha visto.

Não foi uma experiência muito boa, mas aprendi, todos aprendemos que pessoas normais, não são tão normais assim, e que pessoas normais podem fazer tudo, até gastronomia, e que pessoas normais nos dão bolo e refrigerante num começo de noite qualquer, e que pessoas normais não esperam coisas anormais, e que pessoas normais também fazem filmes pornôs!

Douglas Tedesco – 09/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 16/09/2008
Reeditado em 16/09/2008
Código do texto: T1180186
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