"Minhas Vidas"

Já era tarde, resolvi que estava na hora de descansar.

O dia tinha sido estafante, muitas pessoas precisando de ajuda, medicações, pensos a serem feitos, acidentes a toda a hora, o inem a trazer cada vez mais pessoas de todos os lugares, informação, mesmo consolo.

Aquilo não era forma de se trabalhar…

Sem condições básicas de higiene, tudo em obras, parecia que o tempo não estava a colaborar naquele lugar e fazia questão de se arrastar lentamente.

Entrei em meu quarto e fechei as cortinas, deixando apenas a penumbra iluminar o quarto.

Em minha mesa-de-cabeceira o livro que começara a ler nas férias jazia ali com a leitura inacabada.

Não havia tempo para esse prazer.

Sempre lia um trecho dele antes de dormir, mas esses dias estavam sendo muito cansativos, mais que o normal.

Fora os colegas e o mau humor de alguns por não ter horário nem para se alimentar direito.

Os lanches e almoços eram a pressa e sempre ficava alguém para trás.

Naquele dia havia sido eu.

Por isso o cansaço parecia ser redobrado.

Estava quase dormindo e vi algo se movimentar em meu quarto.

Aproximar-se de minha cama e ficar a me fitar.

Fechei os olhos, e o vulto estava ali.

Quieto, parado fixamente a me olhar…

Confesso que isso me assustou muito, ocultei a cabeça como fazem as crianças em baixo das cobertas.

Afinal não sabia o porquê daquela visita e como ainda continuasse assustada, comecei a ouvir uma voz que se comunicava comigo através do pensamento.

Uma comunicação a nível mental, eu não abria a boca e muito menos conseguia descobrir a cabeça tal o meu estado de pavor nessa hora.

Aquilo era uma coisa nova para mim, em sonhos tudo bem.

Viaja-se por muitos lugares, mas isso não era um sonho!

Estava realmente acontecendo.

Assim como aquela figura ali parada me dizia que eu não me assustasse, que havia vindo ter comigo para desvendar uma parte da missão que me trazia mais uma vez a roda encantatória, a mais uma existência terrena.

Convidou-me a viajar com ele no tempo.

Vi-me diante de um templo…

Um lugar onde egípcios adoravam seus deuses e confraternizavam entre si as vitórias sobre seus inimigos.

Muitas vezes nessa minha nova vida me vi diante dessas situações, parece mesmo que minha memória espiritual para que eu não me desvie dos meus propósitos tratados antes de minha encarnação intenta sempre para que nada seja deixado de lado e os tratos sejam todos cumpridos.

Por isso não me surpreendi nada ao olhar para o lado e ver alguém que está encarnado nessa mesma época comigo ali.

E também consegui entender o porquê de muitas vezes essa mesma pessoa (um pessoa de destaque em nosso tempo, e também de um certo poder) usa de prepotência ao tratar os seus subordinados.

Trouxe dessa sua existência o orgulho, a mesma maneira hostil de tratar as pessoas por causa do poder que lhe foi conferido em suas existências, e dessa vez veio como um ser que leva em suas mãos a responsabilidade da vida de muitas pessoas.

O que naquela mesma vida acontecia.

Tinha o poder de deixar viver ou condenar a morte aqueles que de alguma maneira se atravessassem em seu caminho.

E agora em nossos tempos cá está de novo, a decidir indirectamente quem vive e quem morre.

Pois como chefe de um hospital publico pode decidir mesmo quem tem atendimento prioritário e quem não tem, adoptaram em Portugal a triagem feita por enfermeiros nas Urgências.

É uma situação difícil, ainda mais quando o poder que o cargo outorga sobe a cabeça!

E nessas horas se a pessoa não tem a mínima noção da vida espiritual e não olha os seus semelhantes como a si mesmo deitados naquelas macas a esperarem a consolo e o rémedio certo para o alívio de suas dores fica imensamente complicado.

E eu ali, a espera que o veredicto sobre o meu destino fosse ditado ao carrasco.

Vendo-me como em um filme, como espectadora ansiosa com o fim do filme, ouvi o que aquele ser (eu), mas em outra matéria iria ter como desfecho encarna tório.

Uma escrava comum, que infringiu as leis de um poderoso senhor!

Apenas porquê teria que renovar as mulheres que lhe serviam, por luxo e capricho, condenada a morte.

Uma maneira de se divertirem, de se livrarem de seus escravos era oferecer como holocausto aos seus deuses.

E esse seria o destino daquele ser.

De repente o vulto vira-se para mim e eis que o reconheço!

É a mesma pessoa!

O ser que me acompanha na viagem!

O mesmo que decidiu o meu destino nessa minha outra vida e que aqui está também encarnado.

Então, isso seria um sonho ou realidade?

Sei eu bem que estava acordada!

E ele?

Ele devia estar dormindo, a sua matéria estava recolhida ao sono em algum lugar e o seu espírito estava ali, aos meus pés avisando-me dos meus propósitos!

Qual deles?

O mais importante talvez para mim e para todos os espíritos que conseguem atingir esse nível de consciência…O PERDÃO!

Nada somos, há não ser aquilo que plantamos durante a nossa existência.

Nada levamos…

Há não ser o amor e a amizade honesta e sincera que possamos adquirir em nossas vidas.

A fraternidade com que tratamos as pessoas, as que dependem de nós, as que convivem connosco em nosso dia a dia.

Isso não aplica-se apenas a família ou aos amigos…

Mas também aquela pessoa que ao fazer seu trabalho, o lixe iro por exemplo, colabora para que a nossa vida corra mais saudável e sem problemas.

Ou mesmo anonimamente a pessoa que vai ler essa simples história.

Dos mais humildes ao mais afortunados em nossas existências.

Entendi depois dessa revelação uma série de coisas que a muito tempo embaralhavam-me a mente.

Por exemplo, a perseguição dessa mesma pessoa durante os meus turnos por exemplo!

A maneira hostil como me encarava!

E mesmo em diversas ocasiões pequenas palavras dirigidas a mim com certa hostilidade jamais explicada as pessoas que ali connosco trabalhavam.

Olhei-o e disse que queria voltar, que já havia entendido o que ele havia ido ali me avisar, me lembrar.

Em segundos estava de novo deitada em minha cama.

Olhei para aquele visitante que agora já sabia quem era e disse-lhe:

“Agora entendo tudo, a tua maneira de ser e estar na vida, simplesmente agora não sei como agir.”

Ele olhou-me intrigado com minhas palavras e disse-me:

“Porquê estás dizendo isso?”

“Porquê agora não sei como agir, se devo te procurar, falar disso que está acontecendo agora, no que acabou de acontecer!”disse-lhe eu.

Ele olhou-me pela última vez e disse-me:

“Temos uma missão juntos, eu aceitar que a minha existência aqui tem que frutificar, vivificar meu espírito e alma eternos.

Alcançar o perdão e reconhecer a fraternidade que há em cada ser.”

Tu, disse-me ele ficaste com a parte mais difícil…

De despertar todos esses sentimentos em mim.

Faremos juntos uma prece para que o nosso pai maior nos de sabedoria e discernimento para podermos resolver essa nossa questão ainda nessa vida.

“Pai, que tudo sabes e de tudo e em tudo emanas o teu poder, ajuda-nos a resgatar nessa encarnação todo o mal plantado e gerado pelas nossas atitudes e mediocridades em vidas passadas.”

Dizendo essas palavras ele se retirou me deixando estupefacta.

Coisas que nós acontecem e não temos explicações possíveis e aceitáveis de maneira racional.

Pensemos então sempre em espírito!

Um grande abraço fraternal a todos que por aqui passarem!

Wanda Ayala