O Velho safado

Não, não se engane nega. Eu também sou mais um filho-da-putreficação nebulosa da mais coléria crise econômica dos parasitas do G-8. Mas, apesar de tudo, ainda me resta outra tentativa. E o mínimo que eu posso fazer é aproveitar meus últimos suspiros no cenário decadente de alguns buracos de Hamamatsu para beber todos os resquícios da ressaca de 2008.

Feliz ano, decrépito.

E enquanto o navio não afunda de vez, ninguém abandona o barco.

Por enquanto...

Estou há quatro dias recebendo ajuda do Velho para tudo que preciso. Principalmente para os porres desse meu derradeiro improviso no canto mais ofegante de um boteco frio de Hamamatsu. Para isso, o Velho organizou uma viração alucinante por todos os lugares onde costumamos nos esconder. Sendo assim, entramos de cabeça, corpo e fígado, num zigue-zague confuso pelas ruas estreitas que se conectam pelo ócio dos vagabundos que andam perdidos na noite assombrada da capital de Shizuoka. Duas Queens. Downwonder. No Name. Open Bar. Empório. Vodka’s Hell. Ogya.

O Velho, como é conhecido entre a baixa malandragem, é o jornalista mais maldito do Japão e, ao mesmo tempo, um diplomata da melhor categoria. E quem diria hein meu Velho, até tu pode ter seus dias de Vinicius. Ou seriam noites? E para zelar da diplomacia de quem conhece tudo e todos, o Velho sempre termina a noite num lugar diferente, que é para não causar ciúmes entre os donos de bar da cidade. Nossos copos, durante esses últimos quatro dias, estão sob a batuta de um maestro, sútil e tenaz, que a cada noite, assim como um camaleão urbano, possui vários estilos, várias histórias, várias mulheres, vários universos.

Fotografou Joan Baez, cruzou Dom Pedro Casaldáliga no Mato Grosso, entrevistou Pelé – duas vezes; dividiu modelos e dançarinas com Edmundo – o animal; comprou livros direto das mãos de Plínio Marcos; foi aluno de Ignácio de Loyola Brandão, teve a idéia de um conto roubada por Moacyr Scliar – que a transformou em livro e ainda manteve o mesmo nome; desbravou e divulgou o samba nas casas mais dionísicas e quase sempre abarratodas com as japonesas mais lindas de Tokyo; Trocou várias idéias com Zico, Tostão, Gerson; quebrou o pé quando estava bêbado numa noite muito louca na estação de Shinagawa (até hoje ele jura que não tinha bebido nada); e mesmo assim foi de muletas até a beirada do campo para escrever o relato de mais uma – entre doze finais de Mundial Interclubes que ele cobriu. Isso sem falar ainda nas duas Copas do Mundo (1998 – 2002); nos seus mais de vinte Prides (vale-tudo), onde é sempre reconhecido por Rickson Gracie (considerado o maior lutador de todos os tempos); e nas quase uma centena de mulheres espalhadas pelo mundo. Ao mesmo tempo, o Velho também participou de encontros surreais, que vão desde Maradona a Sharapova, foi traficante de Folhas e já deu guarita no seu minúsculo quitinete pra muito escritor marginal que aparecia para pedir sua opinião. Teve uma foto tirada junto com sua única filha por ninguém menos que Sebastião Salgado. Bebeu todas em concertos de Elis Regina, Raul Seixas, Rolling Stones, Eric Clapton, George Harrison e Bob Dylan. Visitou Jorge Ben no intervalo de um show no Japão; encontrou Sócrates – o craque da Democracia Corinthiana – totalmente bêbado num show do Fagner em Ribeirão Preto. E entre as coisas que ele mais gosta nessa vida – tirando mulher, cachaça e literatura – está a sua coleção de quase duzentos contos sobre futebol, ou, poderíamos dizer: sobre a mística do futebol arte.

E o Velho ainda nos deve um livro. Ele sabe disso. Mas o que lhe falta mesmo é tempo para dividir entre a boemia, as mulheres, e o ofício diário de seu cargo como correspondente marginal.

Sim nega, você sabe, minha memória não é das melhores, e por isso mesmo seria impossível eu me lembrar de tudo, mas, de uma coisa você pode ter certeza, aquele velho - com toda a safadeza que Deus e o Diabo lhe deram - também tem seu estilo. Ainda mais nos dias de hoje, em que poucos são os homens que têm estilo.

Saravá meu Velho.

Num é não, Bukowski?

Okinawa – 25 de janeiro de 2009 – 19h48 – Segunda-feira