A SAGA DO ZÉ DO MATO PARTE IV

O REENCONTRO

por Vera Vilela




Zé do Mato se deu bem como pai de santo. Não havia um morador na cidade - até mesmo o padre - que ainda não tivesse levado uns passes ou banhos de folhas aplicados pelo babalorixá de araque.

Todos freqüentavam a Casa do Pai Jacó, nome antigo do terreiro e que o próprio Zé do Mato achou por bem conservá-lo. Dava mais credibilidade.

Um dia, Zé do Mato repousava tranqüilo em sua cabana, deitado na sua rede cearense, enquanto uma de suas filhas de santo limpava as unhas sujas do seu pé. Quando o babalorixá começou a madornar, ouviu alguém bater palma na frente do terreiro. Fez sinal para Juminha, a filha da mulher onça, atender à porta. Esta, correu para ver quem era e, como um vento, retornou gritando:

- Paínho, paínho, tem ai uma mulher querendo que o senhor faça um trabalho!
- Pois mande a dona entrar e esperar! Atendo já!

Zé do Mato disfarçou sua inquietação causada pela presença da mulher: bonita, viçosa, com um belo par de peitos - que eram facilmente vistos pelo decote profundo que usava - umas pernas de fazer inveja a qualquer mocinha da redondeza. Apurou as vistas e se sentou para não desmaiar. Depois de tanto tempo, finalmente o prazer de pôr as mãos naquele lindo pescocinho e torcer até ela exalar o último suspiro. Eis ali, ao vivo e a cores, todos os motivos de sua desgraça! Era chegada a sua hora e a sua vez de cantar de galo. A vingança é um prato quente, tem que ser servido aos poucos.

A mulher falava e Zé do Mato pensava na vingança. Talvez ela lhe desse a solução. - Sabe, Pai do Mato, vim aqui porque me disseram que o senhor era o melhor de todos nas redondezas e não tenho muito dinheiro pra ficar gastando com picaretas. O meu problema é o seguinte: meu marido morreu e tenho vivido muito só. Arranjei um namorado, um bandido, salafrário, e ele gastou todo o dinheiro que o falecido me deixou. Hoje, para sobreviver, dependo de favores dos amigos que encontro pelas noites. Preciso de um trabalho que me faça arrumar um marido bonito e rico, Pai do Mato. O senhor consegue isso para mim?

- Mas é claro minha filha. Deixa com Pai do Mato que você vai, logo-logo, se safar. Arranjar marido rico é comigo mesmo. Mas você vai ter que gastar uns trocados com Pai do Mato. Isso você vai!

- Faço o que quiser Pai do Mato, meu santinho precioso, é só dizer.

- Você vai me trazer, nessa sexta-feira, uma galinha virgem - pode ser branca mesmo que os santos não ligam pra cor - sete velas vermelhas e R$500,00 pro Pai comprar o resto das coisas que precisa.

- Mas, Pai do Mato! Não acha que é muito dinheiro pra um trabalhinho só?

- Ora, minha filha, você acha que é um trabalhinho de nada, é? Então é melhor você ir embora agorinha mesmo que vou fingir que não ouvi sua desfeita e nem vou pedir para os santos darem um corretivo em você!

- Não meu Pai do Mato, nem diga isso! Tome aqui o dinheiro adiantado que na sexta-feira eu trago as velas e a galinha. Até, meu paínho!

- Vai minha filha! Vai que já vou pedir pros santos te proteger! Mas não me chame de paínho não, que isso é coisa de baiano!

A antiga colega de repartição de Zé do Mato mal cruzou a soleira da porta, Pai do Mato chamou a cozinheira e avisou:
- Sexta-feira tem galinhada! Eita que vai ser o melhor dia da semana!

E Pai do Mato foi levando a ex-colega em banho-maria, sempre pedindo mais dinheiro, galinha e velas. Até camarão ele pediu para o trabalho, sob o argumento de que era reza forte e precisava de bicho diferente.

Sem saber, a mulher foi sustentando a Casa do Pai Jacó, trabalhando cada vez mais
para conseguir, entre os homens da cidade, o suficiente para os trabalhos cada vez mais caros do Pai do Mato.

Tudo ia bem até que um dia o cara-de-pau pediu um carro novo porque precisava viajar até a Bahia pra se encontrar com um babalorixá famoso de lá para terminar seu trabalho. A mulher desconjurou e disse que dali não saia mais nada, pois já havia pago muito mais do que imaginou com o trabalho. Então seu quase amante de outrora disse:

- Tá bom minha filha. Já que é assim, vou lhe contar o que o Pai Jacó me disse em sonho, ontem à noite, sobre uma pasta de dinheiro com o pagamento da folha da Prefeitura que sumiu misteriosamente, juntamente com o diretor administrativo da Secretaria da Burocratização e a chefe-de-gabinete dessa mesma secretaria. Quer ouvir?

Um mês depois, Zé do Mato, vestido de Pai do Mato de Oxossi, o Caçador, partiu em seu possante Mercedes em passeio turístico pela Bahia, enquanto a ex-chefe-de-gabinete da Secretaria da Burocratização suava o corpo para pagar as prestações.