A invasão dos ratos chineses - III

Na segunda-feira assistíamos impávidos a invasão dos ratos. Eram milhões a se misturarem com as pessoas que, por mais que os eliminassem utilizando as inúmeras técnicas que, inclusive, passaram a ser disseminadas para tanto, não paravam de aparecer em todos os lugares: nas ruas, nas casas, no trabalho. O pior eram as baixas. Os hospitais estavam superlotados e já se sabia de mais de 300 casos fatais. O mais comum eram os bichinhos que, nervosos, em lugar de morder a canela, grudavam os dentes nas jugulares das pessoas, fazendo-as sangrar até morrer. Destacamentos da polícia estadual, municipal, civil e até as forças armadas tinham sido mobilizados para combater os bichos, mas ninguém conseguia descobrir de onde eles estavam vindo em tamanha quantidade. Para cada rato eliminado, parecia surgir mais dez, numa relação descomunal e assustadora.

E ainda tenho muito nítido em minha lembrança que, ao longo daquela semana, as pessoas passaram a, crescentemente, faltar ao trabalho, trancando-se em suas casas, acreditando que a festa da rataiada teria fim em breve e tudo entraria nos eixos. Foi também pensando assim que várias empresas e órgãos públicos começaram a dispensar os seus funcionários – ou, para ser mais justo, aquele não era exatamente um gesto de indulgência, mas uma medida que um economista (não lembro o nome dele) pareceu compreender muito bem e denominou como efeito rati-econômico. Nada complicado: se alguém fosse mordido por um rato em local de trabalho, certamente a instituição seria processada e, portanto, seria melhor que o povo fosse mordido em casa mesmo.

Mas, voltando aos fatos daquela segunda-feira, eu me sentia bastante desconfortável enquanto me dirigia para o trabalho. Usava um coturno, duas calças jeans, uma jaqueta de couro e um cachecol no pescoço – tinha que me proteger. Além disso, estava portando o meu Handgun, que disparava cargas eletromagnéticas ajustáveis de acordo com o estrago que desejasse fazer – eu havia ajustado para a carga mínima, suficiente para causar matar um rato. Estou certo de que essas armas são pouco conhecidas atualmente enquanto aparato de defesa pessoal, pois foram proibidas em 2063 por não emitirem qualquer som e serem demasiadamente letais, tornando-se as preferidas dos matadores de aluguel.

Apesar de tudo, não mudei tanto assim a minha rotina naquele manhã, ou seja, peguei o trem zap na estação perto de casa, como sempre, atravessando todo o centro da cidade, até chegar na Zimer, onde eu trabalhava. Confesso que alonguei um pouco o meu trajeto porque me animei na caça aos monstrinhos. Orgulhoso, em menos de 20 minutos eliminei algo próximo a 25 daqueles malditos ratos. Um deles quase me pegou, porque errei o disparo, mas não o belo e certeiro chute com que o alvejei em seguida, fazendo-o parar a mais de seis metros longe. Por azar, ele caiu perto de uma velhinha que vestia umas roupas bem coloridas e andava devagarinho. Até comecei a imaginar uma boa razão para justificar o que ela, com seus poucos dentes, estaria fazendo fora de casa logo num dia daqueles, mas percebi que o rato que havia acabado de chutar estava fugindo, apesar de cambaleante. Com a Handgun em punho, apressei o passo atrás do animal, mas, para minha surpresa, a velha barrou a minha passagem, olhando-me com uma expressão apocalíptica.

– O mundo pode acabar amanhã, filho, mas nem pense em deixar de fazer o que precisa ser feito. – Ela disse, mantendo o seu olhar esquisito por mais alguns instantes.

– Desculpe, minha senhora, não posso deixar aquele rato escapar...

E saí em disparada atrás do bicho. Zuuump. Acertei. Voltei-me para perguntar o que a velha quis dizer, mas ela já não estava lá...

– Mas que diabos... – Olhei para os lados e nada da velhinha. Cocei a cabeça e, enfim, fui para o trabalho.

Anderson Adami
Enviado por Anderson Adami em 17/08/2009
Reeditado em 17/08/2009
Código do texto: T1759322
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