A invasão dos ratos chineses - VII

Ivinsky não conseguia falar com Gus e, por isso, decidimos que era importante fazer uma primeira excursão a fim de mapear os ratos. Pouco antes de sair, pedi para alguém me acompanhar e, para minha surpresa, Karen Círculo se escalou. Confesso que achei estranho, pois ela não parecia ter perfil para executar aquele tipo de tarefa, ou seja, contar ratos no esgoto, literalmente. Pensei em argumentar que não fosse, mas acabei ficando calado.

O primeiro local previsto para estudar o fluxo dos ratos era uma enorme galeria, por onde escoava parte significativa do esgoto da cidade. Desejávamos apenas ter uma ideia da quantidade de roedores e da direção que seguiam. Mas não foi possível entrar, pois ao iluminar um dos acessos secundários percebemos algumas centenas deles a caminharem calmamente. Parece que não gostavam de correr desde que não se sentissem ameaçados, portanto era melhor não assustá-los – e por isso desistimos já nos primeiros instantes.

Logo em seguida partimos para os bueiros, que envolviam uma certa dificuldade, pois tínhamos que abri-los e, depois, Karen apontava o foco de luz para o interior, enquanto eu tentava contar os ratos que passavam. O problema é que, sob a luz intensa, os bichos quedavam-se imóveis, dirigindo-nos os seus olhos esbugalhados e brilhantes – assim era fácil perceber a direção, mas não a quantidade deles.

– Fazer isso deve estar sendo difícil para você, afinal é bem perigoso. – Eu disse a Karen ao concluirmos o quinto bueiro.

– Não, não é nem um pouco difícil. E acho estranho você perguntar, afinal trabalhamos juntos há tantos anos e percebo que você ainda não me conhece. – Ela respondeu.

Karen tinha razão, pois apenas a partir dali passei a reconhecer que ela era uma mulher muito corajosa. Antes eu a via como não mais que uma bela e sensível garota mimada, pois estava sempre em sua melhor forma, perfumadíssima e se vestia com muito bom gosto. As suas feições delicadas, os olhos azuis e os cabelos loiros permitiam supor a sua descendência européia – e, de fato, seus avós maternos eram suecos. E apesar de sua indiscutível capacidade intelectual, eu sempre achei que ela faria um escândalo caso se deparasse com uma simples barata, mas estava enganado, afinal ela estava ali voluntariamente, encarando de frente a rataiada. Meus olhos para ela, naquele momento, denunciavam a minha admiração.

– Eu não gosto de ratos, mas não tenho medo deles. – Ela comentou, talvez percebendo que eu ainda estava pensando sobre a sua decisão de me ajudar com aquele trabalho tão desagradável.

– Se fosse simples encontrar gasolina ou outros líquidos inflamáveis hoje em dia, juro que eu incendiaria todo esgoto que encontrasse pela frente. – Redargui tentando mudar de assunto.

– Se fosse fácil posso garantir que já teriam feito isso. – Ela observou. – Ou não, pois lá embaixo deve haver grandes concentrações de gás metano.

Concordei, sentindo-me com sorte por tê-la por perto.

Nossa missão, porém, não chegou ao fim, pois Ivinsky ligou avisando que Gus já estava a caminho e chegaria em no máximo duas horas.

– Missão abortada! – Declarei feliz e Karen abriu um sorriso.

– Por favor, deixe-me em casa. – Pediu.

E não ficamos nem mais um segundo ali.

Anderson Adami
Enviado por Anderson Adami em 02/10/2009
Reeditado em 15/02/2010
Código do texto: T1844634
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.