O restaurante do passado

Eu sei que está lá.

Em algum tempo, no passado está lá.

Vocês vão achar que eu estou maluco, que essa estória é uma mentirada toda ou papo de bêbado em fim de noitada, quando todo mundo já saiu do bar e o dono fica doido pra fechar e tem que aturar essas conversas.

Mais é verdade, eu sei que está lá...

Sou carreteiro, e nesse tempo fazia muitas viagens do sul para o nordeste.

Pelo menos uma ou duas vezes por ano, me largava do Rio pra Pernambuco e carregava a família comigo, quando dava, porque a mulher sempre é um ajudante melhor do que um calunga, e a gente prepara o rango na estrada mesmo pra ficar mais barato.

Uma vez tava entre Itabuna e Feira, no sul da Bahia, pela BR 101, o de comer tinha se acabado e quem conhece o trecho sabe que por ali é um deserto só.

Não tem nada, uns postos de gasolina sem lanchonete, algumas fazendas de cacau meio abandonadas, muito casebre e mato dum lado e outro da estrada.

Pelo menos era assim quando essa estória aconteceu.

Já era quase uma hora da tarde, a barriga tava roncando, a gente viajava com um filho pequeno e pra variar minha mulher trouxe uma cachorrinha que ela tava criando, muito bonitinha mas, que tinha hora que dava vontade de esganar quando ela começava a latir de noite dentro da cabine querendo sair do caminhão pra fazer as necessidades dela e a gente tava querendo dormir.

O fato é que todo mundo tava com fome, o meu filho começou a chorar, a cachorrinha a latir e vc pode imaginar como fica a cabine de um 1313 e o pobre do carreteiro numa situação dessas.

Foi um alivio quando vi num trecho de reta, um desmatado que começava no acostamento e ia até um restaurante bem novinho, lá no final.

Era um prédio bem bonito, com varanda em toda volta, mesinhas de madeira espalhadas por ela, com uma churrasqueira, um balcão, uma geladeira dessas americanas bem antigas, mas não tinha nenhum carro do lado de fora e só tinha um casal já meio passado que tava sentado no chão, na ponta da varanda, conversando.

Eu não me lembrava de ter visto aquele restaurante antes, mas como falei, eu passava por lá uma ou duas vezes por ano e a julgar pela pintura e o prédio, aquilo era novo.

Sai da estrada, parei o caminhão na sombra de um oitizeiro que tinha e descemos.

O casal levantou do chão e veio nos receber. O estranho é que a cachorrinha que era sempre amiga e ficava balançando o rabo pra todo mundo, começou a rosnar e a latir deixando a gente encabulada. Depois ela acalmou, mas ficou olhando cabreira pra tudo.

Sentamos em uma das mesinhas e fui logo perguntando o que havia para almoçar, a mulher olhou pro marido e ele olhou de volta ai ela disse, a gente pode arranjar uma galinhada se o sr. esperar um pouco.

- Claro mas a sra. tem uma cerveja pra nós e refrigerante pra criança? perguntei.

Mais uma vez a mesma troca de olhares e o homem falou:

- só tem coca cola se o sr. quiser, a cerveja acabou e o fornecedor ainda não trouxe. Achei meio esquisito porque cruzei com vários caminhões de entrega de cerveja no caminho mas, vá lá, não tem tu vai tu mesmo, pensei...

Ele trouxe umas garrafas dessas antigas, de vidro, que ele tirou da geladeira americana .

Ficamos bebendo, a mulher entrou pra preparar a galinhada e eu fiquei tentando puxar conversa com o homem. Ele só respondia por monossílabos às minhas perguntas, mas animou-se mais quando eu disse que tinha achado que ali era um lugar muito tranqüilo.

- Que nada, respondeu, e começou a contar a historia de um crime que tinha havido por lá na semana anterior, que não sei quem matou outro por causa de uma besteira, e o pessoal se juntou pra linchar o criminoso mas o delegado não deixou.

Nisso a mulher começou a servir a galinhada que estava uma delicia e a gente se ocupou mesmo foi de comer.

Acabamos, perguntei quanto era, ele disse não sei quanto e eu dei uma nota de vinte reais que ele ficou olhando cuidadosamente até que eu falei, que podia ficar com o troco. Ele guardou na gaveta atraz do balcão, nos despedimos, entramos no caminhão e quando manobrei olhei para o casal que tinha voltado a se sentar no chão e olhava com cara de espanto o caminhão que saia.

Seguimos nosso rumo e quando entreguei a carga em Recife, tive a sorte de no mesmo dia carregar pra Vitória.

Já fiquei pensando em repetir a galinhada quando passasse por lá , mas não conseguimos achar o restaurante, passei pelo lugar bem devagar, vi a entrada coberta de capim, uma construção meio que em ruínas no final, cheia de mato por dentro, mas nada do restaurante nem do casal que morava lá.

Desistimos e quando passei em Itabuna perguntei no posto se alguém conhecia um restaurante que tinha numa reta longa com um oitizeiro na frente, mas ninguém soube me informar.

Deixei pra lá e sempre que passava no trecho eu procurava pelo lugar mas nunca mais vi.

Acho que já passei lá umas dez vezes e não tem mais nada, nem consigo mais identificar direito onde era.

Faz um tempo, eu tava em Esplanada e no posto tinha uma dessas revistas que falam de mistério.

Tava sozinho levei pra cabine e comecei a ler de noite, e tinha uma entrevista com um casal que também se hospedou num hotel na França e depois quis voltar e não achou mais o lugar . E eels disseram que o pessoal vestia umas roupas antigas e apareceu um soldado com uma farda que eles só tinham visto em filmes da primeira guerra mundial.

O cara que escreveu terminava dizendo que eles tinham entrado numa dobra de tempo e voltado pro passado onde encontraram essa pousada e depois voltaram ao presente, por isso não acharam mais o lugar.

Fiquei pensando, será que o restaurante onde a gente comeu também estava no passado? Procurei ver se me lembrava do nome do homem que matou o outro da estoria que o dono contou mas não teve jeito de recordar.

Cruz credo, a gente encara cada uma nessas estradas.

ZéCarlos
Enviado por ZéCarlos em 18/07/2006
Reeditado em 11/12/2011
Código do texto: T196888