Uma estória nada pragmática, porém maniqueísta

Juosemir era um sujeito engraçado, desde criança vivia pendurado em galhos de árvores, sabia que este vício iria trazer problemas na velhice, por isso se deixou morrer cedo.

Na escola, sempre desenhava ratos para os amigos, eram ratos gordos e sorridentes, mas ninguém gostava. Vivia em uma família problemática, seus irmãos foram para guerra constitucionalista e nunca mais voltaram. Em 1934, a saudade dos filhos matou seu pai de desgosto; o velho era conhecido por comer pétalas de rosas, mas apenas de rosas brancas, as outras lhe davam azia.

O pequeno Juosemir não entendeu aquela morte. Escreveu, chorou atrás da porta, andou de carrossel, colecionou figurinhas, mas nada adiantou. Naquele mês, foi obrigado a beber do leite que sua mãe ainda tinha nos seios; nunca mais foi à escola, assim decidiu.

Tornou-se operário e sabia que podia votar, contudo esperou até 1950 para se opor ao Getúlio, isto ajudava o esquecimento das coisas ruins do passado: Ana Maria, dor de garganta, seu cachorro Bingo e a plêiade que matou seu pai. Tempos depois, sua mãe também morreu, ela estava velha e, de tão gorda, Juosemir não conseguiu segurar na alça do caixão. Ele só olhou, olhou de longe; sentiu nojo daquele leite que bebeu.

Casou-se duas vezes e teve quatro filhos, mas só um gostava dele, era um moleque de olhos pretos e cabelos grossos. Juosemir sempre o abraçava às sextas-feiras à noitinha e dizia-lhe poesias de rimas baratas sobre o Estreito de Gibraltar, Nelson Mandela e a Guerra da Coréia.

O tempo passou bem rápido.

Juosemir saía da fábrica e encontrava prostitutas do outro lado do viaduto, seu sonho era fazer sexo com elas enquanto tocava um piano de cauda. Foi num desses devaneios que não viu a locomotiva da Companhia Mogiana... Seu corpo esquartejado ficou no necrotério, depois de onze dias os braços foram doados à Faculdade de Medicina do Grajaú e o restante enterrado como indigente.

Ele nem pôde ouvir o Jango na Central do Brasil, apenas fechou os olhos e lembrou, mais uma vez, do leite de sua mãe.

Sua cova era razinha e os vermes que transitavam à flor da terra nem sabiam, mas ali estava o Juosemir, que desenhou ratos gordos e pulou em galhos de árvores.

Rafael Luciano de Lucas
Enviado por Rafael Luciano de Lucas em 21/07/2005
Reeditado em 19/12/2023
Código do texto: T36481
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