Asilo

'Era o que pensava. Ou apenas pensava? Mas existia, sim...

Nascera, teve a luz dada pelo pensamento de alguém, e depois se viu sozinho/a, tendo apenas os seus próprios pensamentos por companhia. E à princípio, por não conhecer companhia; não sabia o que era solidão.

Talvez mais por desespero do que por bondade, sem virtude a criação; ele/a existia. Talvez mais por acidente do que vontade, mais por curiosidade, do que por uma intenção claramente delineada.

E aqueles pensamentos que ele/a gerava depois do original eram ainda mais loucos, livres e exagerados que a sua fonte. Nem sabia mais de onde havia vindo...

Não precisava ter coração, pois não havia sangue para bombear, não tinha veias. Nem tampouco cérebro, sistema nervoso ou coluna vertebral.

Era pensamento apenas. Apenas?

E apenas era só, só apenas. Só pela sua vontade vivia.

Mas eis que, de tanto pensar, decidiu que deveria provocar outras fontes de pensamentos. Algo que tentava definir inutilmente pelo seu único modo de vida passou de repente a incomodá-lo/a e ele/a resolveu aproximar de outros geradores.

Mas ainda decidido, um primeiro contato veio a ser quase tão acidental quanto o seu surgimento. Contato esse que fora perdendo o controle e gerando novos pensamentos auto-suficientes, que foram gerando outros mais controversos que ele/a, e era mesmo uma maravilha conversar com tantos seres, na acepção mais pura da palavra, como ele/a.

Logo era uma festa, uma tempestade feliz, semi-onírica de pensamentos falantes. Nem felizes, nem tristes; existiam de provocar uns aos outros, em reprodução pura e assexuada de idéias.

Mas é claro que não poderiam ficar por muito tempo, os tais seres gerados, e que acabaram por fazer companhia ao primeiro; sem uma tentativa de controle por parte de quem os gerou. Uma sucessão de absurdos: "Quem?", "Onde?", "Quando" e "Por quê?" eram lançados na tentativa de obter respostas objetivas da estirpe de pensamentos puros reunidos ali.

Eles, que não precisavam de objetividade, apenas de abstração; não havia para eles nada de concreto a fazer, apenas pensar. Era divertido, e era o que era. Nunca um ser humano compreenderia!

Mas as criaturas viscerais tanto atazanaram o/a nosso/a audaz personagm principal, que ele/a acabou por dar-se

conta de sua própria finitude.

Pensou que também ele/a possuía fim, afinal havia começado algum dia, e havia vivido intensamente.

Apenas no exercício da concepção do seu fim, já ele/a começara a se extinguir... O que seria rápido para um ser visceral, era para ele/a toda uma contemplação, a

contemplação final; e era até mais bela que o seu princípio.

E assim o nosso ser pensante puro chegava ao seu fim... O invólucro ideal que o limitava abria-se por toda a sua extensão, de onde só luz poderia surgir!

E nada mais o/a aguardava senão o "Asilo das Mentes Cansadas".'

Terminada a história, Teresa olhou para Marina, num olhar terno e profundo... A pequena apenas bocejava, os olhos já pesados , semi-cerrados.

Ao levantar-se e virar-se para apagar a luz, pensou ela se havia feito bem ao contar aquela estória, se iria realmente ser compreendida por Marina em sua intenção. Intenção explicativa ou consoladora? Já não sabia...

A um passo de sair do quarto, a pequena despertou subitamente para uma indagação última:

- Vó...

- Querida... - esperava Teresa pela pergunta.

- Onde fica esse "Asilo Não-sei-o-quê Cansado"??? - lançou a dúvida a menina, por fim.

- Espero estar lá em breve... - respondeu a anciã, em tom reflexivo. - E quem sabe um dia lhe contarei?!

E assim, a passos vagarosos, sumiu na escuridão.

Artista Multiface
Enviado por Artista Multiface em 11/08/2005
Código do texto: T41834