Conto insólito realista #005: A ASTÚCIA DE ANA CÔNDIA

A ASTÚCIA DE ANA CÔNDIA

Conto insólito em tom realista

Cansada de tantas críticas, Ana Côndia, uma sucuri sulista resolveu mudar radicalmente.

O que poderia caracterizar uma mudança radical? O mais notório seria os seus hábitos de caça e alimentação. Este seria o mais difícil de todos. Sendo uma espécie de sangue frio, era imprescindível se alimentar de animais vivos, pois seu organismo não consegue se autoaquecer. Mas como se reeducar em seu modo de alimentar? Que alimento de origem não animal teria as mesmas propriedades da de um animal vivo?

Leu, certo dia, no DIÁRIO DA SELVA que a CIA. SOJAPET havia desenvolvido animais de pequeno, médio e grande portes feitos especialmente para os carnívoros que quisessem mudar seus hábitos alimentares. O difícil era conseguir uma usina hélio-fotovoltaica para alimentar o baita galpão de simulação biossintética. Mas, como estava decidida a mudar, não poupou esforços. Também, custasse o que custasse, nem aí! Não era ela mesma quem pagaria a conta final!

Lá estava após certo tempo uma baita usina de captação de energia solar. É certo que tivera que destruir uma enorme área de preservação ecológica, sem considerar a extinção evitável de um raro bioma. Fazer o quê. Era politicamente correto, pelo menos dentro de sua tacanha visão. Conquistar ao máximo a confiança de sua potencial massa de manobra política era prioridade zero, não importava a que preço fosso os outros teriam que pagar.

Tudo pronto, toda a fauna foi convidada para a festa inaugural da nova era anacondiana. Todos estavam curiosos para ver a nova Ana Côndia e sua nova saga vegetariana. Dr. Mortis a havia prevenido que de certas vitaminas não ficaria carente visto que a Sojapet suplementava todas elas em seus produtos.

Enfim, chegou o momento da inauguração da nova história da selva ribeirinha do Pantanal. A Orquestra Florestal Uirapuru e Seus Plumados de Ébano entoou seus primeiros acordes. O próprio Uirapuru fez a introdução emitindo um triste canto em honra às vidas ceifadas pelo clã das sucuris e símiles. Ana Côndia não escondeu um ar de desapontamento, mas respeitou a iniciativa do canoro maestro. Em seguida os demais naipes do passaredo. Bem-te-vis e Vem-vens martelavam a cuca de Ana com o seu refrão, lembrando-lhe seu passado recente e isto muito a incomodava.

Uma carreta expõe os modelos dos espécimens animais moldados a caráter pela massa de soja transgênica. Um frio congelante se apossou das espinhas de todos os animais ao se verem retratados em cada modelo ali exposto. Fazer o quê? Tinha que ser muito convincente o modelo para que a dona da festa pudesse se comer sua ração alternativa. Afinal de contas agora ela era uma vegetariana.

_ Farfalhem as asas, batam as patas no chão. É chegado o grã momento da primeira refeição de Ana, a Côndia. _ Anuncia uma jiboia amarela.

Todos tremem de pavor ao verem ser introduzido uma bezerra de soja, bem ao centro da arena. Ana se desenrodilha e sai ao encontro de sua vítima virtual. _ “Coisa mais sem graça!” _ pensa ela. _ “A coisa nem se mexe! A corrida, perseguição que dão o “feeling” e aumenta o apetite... Cadê! Fazer o quê?” Tinha que fazer a encenação completa. Também, se não desse certo, ali já tinha um enorme estoque de presas vivas. Mas tinha que manter a compostura.

Cerca, sem graça, a virtual vítima, dá-lhe um simbólico abraço de três alças e começa a engolir o bezerrinho de soja. Com grande dificuldade o leva para o estômago. Reação alérgica entra em ação enquanto ela vomita o bezerro de soja todo deformado. Um forte cheiro de ácido clorídrico invade a atmosfera. A fauna entra em desespero. Tentam, fugir, mas não conseguem. Estão cercados de todos os tipos de serpentes a salivar de fome.

Um macabro ritual de pega e solta tem início e só termina quando a última vítima é engolida, ainda respirando.

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Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 02/05/2014
Reeditado em 02/05/2014
Código do texto: T4791045
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