________A Viagem


Ana me olha interrogativa: “Você não está com medo, Nina?” Respondo que não. E é a mais pura verdade. Nunca tive medo de aviões. Muito pelo contrário, os pássaros de aço me causam um fascínio inexplicável. E desde a primeira vez que pisei dentro de um, eu soube que jamais os temeria. Na verdade, a ideia de voar nunca me causou os receios tão comuns a tanta gente.

Minha irmã mais velha abomina a ideia de voar. Embora tenha usado os aviões muito cedo, nunca se sentiu confortável dentro deles. Mas sendo apaixonada por viagens teria que vencer sua limitação. Os aviões são a forma mais rápida de chegar aos distantes rincões que inventa de visitar em suas férias. Aos quinze, fiz minha primeira viagem com ela. Depois não parei mais. E nestas idas e vindas passei a aceitar seus convites só pelo prazer de voar.

Quando minha irmã toca  meu braço sinto o suor frio e pegajoso de sua mão. Está apavorada. As maçãs do rosto são de uma palidez assustadora, o vinco esbranquiçado ao redor dos lábios só confirma o pânico que toma conta dela. Seguro sua mão e sorrio: “Calma, Nanã, é só uma tempestadezinha”. Olho pela minúscula janelinha oval e não vejo nada, absolutamente nada, além de um denso nevoeiro que toma conta do espaço.  O universo enfurecido dispara raios que riscam em todas as direções e a sensação é a de estar numa bola flutuante de algodão initerruptamente alvejada por respingos incandescentes.

No interior da aeronave há um silêncio de morte. Eu sei que as pessoas estão com medo. Um medo como o de Ana, que agora crava as unhas vermelhas no meu antebraço. Sei também que minha irmã está inconformada, por  eu não compartilhar de seu terror. E ela tem toda razão. Há em mim  uma tranquilidade cada vez maior, um amortecimento agradável que sobe dos pés e se espalha por todo o corpo. Uma comissária de bordo passa entre as fileiras, pede a compreensão dos senhores passageiros e explica que tudo está sob controle. Nada de grave está acontecendo, apenas a aeronave passa por uma zona de turbulência muito comum nestas regiões montanhosas.

Ana grunhe alguma imprecação. Entendo que amaldiçoa a comissária. Todos vamos morrer, está na cara, é o que ela pensa.  De súbito, o avião começa a jogar, o que prova que a tempestade lá fora está se agravando. Tomada de um estranho encantamento,  não tiro os olhos da janela.  Posso ver a máquina ora ganhando, ora perdendo altura. E a asa, possível de ser vista a princípio, desaparece por completo em meio à grande massa de neblina que se formou.

Ana aperta  meu braço com mais força: “A gente não vai chegar, Nina!”. Tenho pena dela, mas sei que nada que eu diga, servirá para aliviá-la da angústia. Sorrio apenas e volto a olhar o espaço nebuloso. Sei do grande risco que corremos. Sei também que Ana não pode entender o sorriso em meu rosto. Sim, não chegaremos mesmo, mas o sentimento que me toma é  o de  uma grande calma, uma alegria indescritível, uma euforia jamais experimentada: não chegar é o que eu mais desejo neste momento. Esta é a primeira vez que Téo, meu grande amor – agora ex -  não estará me esperando no aeroporto...