Formigas

Esta história é sobre um homem que odiava formigas. Desde pequeno, sem maiores motivos ou explicações, simplesmente detestava aqueles pequenos insetos. Não importava o tipo, fosse das pequenas, médias ou grandes, pretas ou avermelhadas, com asas ou sem asas… Queria que elas fossem erradicadas da face da Terra, não importando o desequilíbrio ambiental que isso pudesse causar.

Quando criança, queimava-as com sua lupa, e nunca perdia a oportunidade de jogar água fervente num formigueiro. Nas férias, passava longas tardes no quintal de casa matando todas as que encontrava, erradicando seus rastros com afinco. Tanto se esmerou a este passatempo que, crescendo, veio a tornar-se exterminador de pragas. Embora o ofício o obrigasse a eliminar uma série de insetos e roedores, seu prazer era acabar com infestações de formigas, e isso ele fazia como ninguém. Não havia notícia de um exterminador mais eficaz e obstinado. Não à toa, sempre arrumava trabalho, e tornou-se notório no microcosmo do ramo.

Ao final de uma vida inteira de trabalho árduo, estava satisfeito. Na sua casa, não havia o menor sinal de formigas. No hospital onde agonizou os últimos suspiros também não, pois sua dedetizadora era a responsável pela desinfestação do local. Pensou na montanha daqueles insetos miseráveis que matara desde a mais tenra infância, e este pensamento era reconfortador. Por isso, considerou sua missão na Terra cumprida e morreu em paz consigo mesmo.

Após a morte, foi enterrado. Sua empresa ficou a cargo dos sócios, e embora fossem competentes e profissionais, não tinham a mesma sanha pessoal do falecido contra formigas. Por isso, elas lentamente foram retornando aos locais anteriormente livres de sua presença. O quintal da casa do exterminador voltou a receber uma ou outra trilha de formigas, e logo alguns formigueiros pontilhavam o gramado. As paredes internas também, e as formigas miúdas adoravam frequentar os armários de provisões no verão. Logo elas retomavam colônias sob os pisos e revestimentos, e o local voltou a ter inúmeras variedades destes insetos.

Até a última morada do exterminador fora violada. Além dos vermes que fervilhavam na escura e solitária cova, as formigas também foram reclamar seu quinhão das carnes apodrecidas que pendiam dos ossos ressequidos do defunto. Sua exumação foi notória: a quantidade de formigas naquele caixão decrépito deixou os coveiros abismados, pois nunca viram coisa do tipo.

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(Este conto é dedicado a todos os cristãos perseguidos ao redor do mundo. A Igreja de Cristo, sobre a qual o Sol não se põe, tem sido vítima de ódio manifestado de inúmeras formas, particularmente nos últimos tempos.

E resistimos, no nosso trabalho de formiguinhas).

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 29/06/2018
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