RESTOS MORTAIS

Sabe, nem tudo nessa vida se passa em vão! Ontem mesmo encontrei um velho amigo que há muito a gente não se falava. Ele é um desse tipo de pessoa que não esconde nada a ser falado desde que suas palavras não ofendam a ninguém.

Perguntei pela sua família e ele, com toda seriedade me foi dizendo que estava tudo bem, mas, muito triste, pois não muito distante havia perdido seus sogros em falecimento.

E eu lhe disse:

─ Meus pêsames.

─ Muito obrigado.

Valtamos a prosseguir com o nosso bate-papo quando ele acrescentou dizendo que há dois dias perdera sua sogra, e eu mais uma vez lhe balbuciei:

─ Meus pêsames, de novo.

Ele deu um sorriso, meio tristonho, e me respondeu:

─ Muito obrigado.

Continuamos com a nossa conversa que a cada instante mudava de assunto e se tornava, deveras, interessante, pois o tal amigo é uma dessas poucas pessoas que têm uma conversa pra lá de animada, o que faz a gente estar sempre sorrindo e atento com suas histórias um pouco estranhas para a realidade mas, apesar de sua seriedade ao narrar, tudo parece duvidoso.

Falou-me que o seu sogro teve morte natural e que, tal como fizeram com a sua sogra, também o cremaram.

─ Sabe, eu não quero ser cremada, disse uma mulher que estava do nosso lado e atentamente ouvia a conversa do meu amigo sobre a cremação do casal de sogros dele, ao que ele assim a retrucou:

─ E que medo faz ser cremado, se não dói nada! Eu mesmo quero ser!

─ Deus me livre! - Rebateu a mulher.

─ Pra mim tanto faz! – falei, por falar.

Nesse ínterim o amigo atalhou toda nossa conversa dizendo:

─ Agora vou contar pra voces um caso pra lá de interessante que aconteceu comigo. Juro, é tudo pura verdade.

─ Minha sogra foi cremada e dois dias depois eu fui designado pela família para ir ao crematório receber suas cinzas.

Como eu não tenho medo de nada, fui lá. E depois de esperar a manhã inteira, me deram um pote de vidro com as cinzas da velha dentro. Saí de lá normalmente, em direção ao ponto de ônibus levando uma sacola com o tal pote de vidro dentro.

Já passava do meio-dia e minha fome era tão grande que me deu até uma tonteira e eu precisava comer alguma coisa antes de sentar no ônibus, por isso entrei numa lanchonete que havia bem perto e me sentei numa cadeira. Coloquei a sacola com o vidro sobre um canto da mesa e pedi um lanche.

Tinha bastante gente almoçando em outras mesas.

Comecei a comer quando chegou um senhor que me perguntou se ele poderia se sentar numa das cadeiras vazia ao meu lado, e eu lhe disse sim. Ele sentou-se e fiquei a imaginar naquela situação que eu estava vivendo ali. Comecei a comer o lanche, e sem nenhuma maldade falei para o homem, assim dizendo: “a vida da gente não vale nada, não é mesmo?” O cara sem nada entender me perguntou por que eu estava falando assim?

E eu lhe disse:

- Nesses meus vinte e tantos anos de casado é essa a primeira vez que almoço perto da minha sogra. E o cara, do meu lado, sem nada entender, me perguntou:

- Como, se aqui não tem mais ningém? Só tem aqui eu e o senhor!

E eu, mastigando o lanche, e sem ter nenhuma maldade, lhe disse:

- Minha sogra está aqui bem perto, dentro dessa sacola.

- Como? O cara indagou desajeitado.

E eu, abrindo a sacola, lhe disse:

- Ela está aqui em cinzas, dentro desse pote de vidro”.

Foi um corre-corre do inferno.

Não ficou um só freguez na lanchonete.

Quase que apanhei.

Mas, juro, foi verdade.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 03/09/2018
Reeditado em 26/10/2023
Código do texto: T6438451
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