O efeito bumerangue

O Sr. F, um homem alto e magro de seus 35 anos de idade, entrou no consultório e sentou-se em uma das duas cadeiras à frente da minha escrivaninha. Após apresentar-se, expôs o problema que o trouxera até ali.

- Preciso de uma segunda opinião, doutor.

O Sr. F. sofria de crises de ansiedade e fora procurar um colega, especialista em terapia de vidas passadas. Ocorre que o colega dissera-lhe que as crises tinham uma causa bem específica: ele sofria de "karma bumerangue". Para os que não estão familiarizados com o termo, uma rápida digressão: se você pratica uma ação contra alguém numa vida passada (um assassinato, por exemplo), quem sofreu a ação poderá repeti-la contra você numa existência futura. E assim, sucessivamente. Indefinidamente. Não posso dizer que se houvessem me dado tal diagnóstico, eu não sairia ainda mais ansioso do consultório do que antes de ali ter entrado...

- E o meu colega determinou a natureza da ação praticada e que volta como um bumerangue? - Indaguei.

- Eu teria morto um homem desarmado. O qual, por sua vez, me havia morto na encarnação anterior... e assim sucessivamente, trocando-se os papéis.

Tamborilei no tampo da escrivaninha.

- Mas deve ter havido um momento inicial em que um era o algoz, e o outro era a vítima. Só a partir daí se poderia falar em "karma bumerangue"... e quem agiu primeiro, não estava sob o efeito de qualquer karma: estava seguindo seu próprio arbítrio. Isso quebra a noção do "bumerangue", não acha?

- Mas a partir do momento em que o ciclo começa, isso não estaria caracterizado, doutor?

- Não estou negando que algo como o "karma bumerangue" exista... mas é apenas uma dentre muitas possibilidades de manifestação do karma. E, mais importante: se eu responsabilizo este mecanismo pelas minhas ações, significaria dizer que estou abrindo mão do meu livre arbítrio. Que sou uma criatura guiada por forças externas, incapaz de aprender e progredir.

E, frente a cara de dúvida de F., acrescentei:

- Você pode romper o ciclo, se é que ele realmente está acontecendo.

- Como?

- Assuma o compromisso de não matar. Agora, e para sempre.

- E se for a minha vez de sofrer a punição nesta encarnação?

- Assuma que não haverá revide na próxima. Quebre o ciclo.

E, inclinando meu corpo para a frente:

- Acredite nisso com todas as suas forças, e o Universo saberá.

Eu não tinha como confirmar se a outra parte reagiria com o mesmo desprendimento, mas certamente contribuí para que o Sr. F. levasse uma vida muito mais feliz daí por diante. Afinal, quem gosta de viver com uma sentença de morte eternamente pendente sobre a sua cabeça?

- [05-09-2018]