Sorte deles?

Tio Antônio e papai eram os únicos filhos varões de Vovó Inhana, cuja prole sobrevivente das moléstias da pobreza da Onça de Pitangui, de início do século XX - contada aí a espanhola - totalizava sete.

O quase lustro cronológico era o sinal menos aparente a separar os irmãos nas suas inclinações e maneiras de (vi)ver a vida, a despeito de uma convivência próxima e vizinha de nove décadas. Tivesse lido a Bíblia, Vó Inhana teria crido em muitas de suas passagens, mas certamente, repudiado o capítulo de Esaú e Jacó, mãe amorosa que era.

Depois de uma iniciação precoce em vários aprendizados, os moços foram pra fábrica de tecidos, onde papai resistiu estoicamente por 35 anos até a aposentadoria, e Antônio, sonhador sem campo de semeio e centeio, chegou a demitir-se por cinco vezes, havendo retornado como o filho pródigo por quatro delas...Entretempo, andejo que nem ele, tentou ser sapateiro, pedreiro, viajante, e até garimpeiro. Ao cabo, buscou autonomia como vendedor de ilusões nas tômbolas da vida, mas se fixou mesmo foi como amolador de ferramentas. E juraria de pés juntos que não acreditaria nas estórias do Bispo de que a faca era para sua mãezinha...Já as delicadas lâminas dos alicates de cutícula de Vittar,mesmo com o risco de os estragar, não as iria e-Vittar...

Entretanto, mais gritante na disfazia entre Antônio e Luiz era a receita de como ser feliz: enquanto papai nutria verdadeira ojeriza das loterias, Titonho, sua fezinha no bicho era obra de todos os dias, embora para ambos na sua dura inana, sorte grande foi serem rebentos de Dona Inhana...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/09/2018
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