O VELHO

O VELHO

Sentado em sua cadeira de balanço, falando com seus botões, isto é consigo mesmo, ele passava a maior parte do dia perdido em pensamentos. Eram eles, tudo o que lhe restara de uma vida difícil e atribulada.

Já tivera dias melhores, quando o ânimo o fazia percorrer pelas noites frias, as ruas da cidade em que nascera. Lembrava o vento frio, que bramia chegando do oceano, do cheiro de peixe que era característico do lugar, afinal era uma cidade costeira, no extremo sul do país. Mas, ele tinha ânimo para andar, correr de bicicleta, as ruas planas, quando tomava o vento pela frente, as pedaladas eram motivadoras e difíceis, mas, ele tinha ânimo.

Agora tudo era tão difícil, o andar tornara-se lento, quando se movimentava era de carro. E, para deixar a casa, uma dificuldade inominável, ou estava frio, ou estava quente, apenas desculpas para não sair. O que na verdade lhe faltava era ânimo. Dores, muitas dores, como nunca havia sentido naqueles tempos, em cuja memória guardava com grande carinho.

O que ele faz hoje? O mesmo, que ontem e todos os dias. Levantar, ler o jornal, almoçar, sestear, ouvir noticias no rádio. Poucos programas na televisão, pois os achava intoleráveis. Deitar e dormir, após uma grande vigília em busca do sono. Por esses motivos a morte não lhe era indiferente. Sentia uma profunda e melancólica atração por ela, a morte.

Sem tendências ao suicídio, pensava: -"Felizes" aqueles que morrem de uma morte rápida, de uma morte repentina.

Sabia a tal respeito coisas que os próprios sacerdotes ignoravam. E qualquer um ficaria surpreso se lhe contasse tudo que tinha sentido.

No caso da morte, muitas idéias malucas lhe passavam pela cabeça, sem que as quisesse implementar, como: revelações de além túmulo, sobrava imaginações de como seria o pós morte, mas, pouco importava inacessíveis à louca curiosidade, de saber o que haveria após o desenlace da vida. E, com rebeldes emoções doentias, somente conseguia conceber a existência de grande mistério, que só ela, a morte, lhe poderia revelar. Afrontavam-lhe dizeres malucos e cismados sobre aqueles que sabem distinguir um fenômeno de uma premunição e que enclausuram os seus sentidos contra toda e qualquer ilusão.

A noite mais uma vez chegara, o velho recolheu-se a cama, puxou o cobertor, e o recostou até o pescoço. Novamente, ouviria o badalar do relógio, contando as horas de insônia. Devia ser por volta de uma hora da madrugada, após desejar a vinda daquela que lhe daria redenção, a todos os sofrimentos, retirando-lhe todas as dores, revelando-lhe todos os segredos do universo, a morte, ele conseguiu conciliar o sonho. Quando teve uma revelação, ou um sonho, quem sabe:

Estava em um campo limpo, cercado por enormes pinhais, corria alucinado, pois um monstro grande e negro o perseguia. A distância que o separava do perseguidor, a cada passada diminuía, até que falseou o pé e caiu de cara no chão, raspando o nariz na grama. Virou-se de cúbito dorsal, e vê o monstro que o perseguia, ali de pé sobre ele, com uma grande pata levantada que de imediato lhe colocou sobre o peito ofegante. Uma dor violenta no peito não o deixava respirar e o coração a bater. Um espasmo irradiava para o braço, um ardume no peito, o fechar da glote. Um brilho de pavor em seus olhos arregalados, medrosos e surpresos, um soluço de sufoco, um grito de horror, um esganar de dor e tudo ficou escuro.

No dia seguinte, às oito horas a diarista encontra o seu patrão morto na cama. Surpresa, ela pensou:

- Morreu como um passarinho, sem dar um único ai.

O morto deixou uma carta aos seus descendentes que dizia:

Meus queridos netos, meus adorados filhos, minha eterna companheira, mãe dos meus filhos.

Sei que a hora se aproxima, em breve estarei chegando, nos confins do universo, na forma de pós e vapores. Não chorem pela minha falta, ao invés disso, alegrem-se, não pela minha passagem, mas pela vida que foi eivada de entusiasmo, de realizações e de saúde. Tenham a mais absoluta certeza de que, junto a vocês experimentei tudo o que há de bom para um ser humano; carinho, compreensão, amor e dedicação.

Tantos que passam por esta vida, sem ter sequer um pouco de carinho e dedicação, sem falar da longevidade, pois quantos morrem em tenra idade.

De repente, viu-se mergulhado na escuridão, não tinha matéria física, apenas sentia que era pura energia. Não sabe quanto tempo esteve engolfado pela escuridão. Parecia-lhe que o tempo fora infinito, caminhava sem cessar, em busca da luz.

Passou por vales profundos e picos elevados. De repente viu-se mergulhado em um líquido. Tudo lhe pareceu sereno, apenas suas lembranças do passado ficara tolhida.

Estava em um habitar perfeito, não sentia calor, frio ou fome, era o útero materno para uma nova encarnação.

rocado
Enviado por rocado em 20/01/2019
Código do texto: T6555193
Classificação de conteúdo: seguro