No seu lugar

Foi tão de repente. Num instalar de dedos eu estava exatamente onde eu sempre quis. Estava sentado na cadeira da chefia; a que eu acreditava que deveria ser minha. Cercado de subordinados e com a certeza de mais dinheiro na minha conta. Já estava planejando fazer várias viagens... Diversão e prazer se aproximavam de mim à medida que o meu grande amor (até então platônico) trazia-me bombons e flores quase todos os dias. É isso mesmo! Eu estava no lugar dele. Quem era ele? Ah, aquele que tinha tudo isso. Sempre tão bonito, tão limpo e perfeito... Enquanto que a mim, ninguém notava. Eu servia cafezinho e ele mandava e desmandava. E nem era na mesma empresa! Eu apenas o acompanhava por revistas e isso fazia a minha admiração crescer dia após dia; assim como a vontade incomensurável de ser ele. Meus olhos brilhavam ao vê-lo nas fotos, recebendo prêmios importantíssimos. Bem, como eu consegui virar o jogo? Não faço a menor ideia. Foi do dia para a noite, literalmente. Eu dormi e acordei vivendo a vida do meu ídolo! E quanto a ele? Ninguém sabia ao certo onde estava. Havia apenas um bilhete que deixara sobre a cama, que dizia: “aproveite; volto logo!” Fiquei muito feliz de poder viver como ele; só não sabia quanto tempo iria durar. Ontem eu tive que me esconder no banheiro da empresa, pois lá fora um tipo de terceira guerra mundial eclodia. Eu estava sendo “caçado” por ter cometido alguns erros de cálculo nas planilhas. Ao mesmo tempo o meu telefone (na verdade o dele), mesmo estando no modo silencioso, não parava de tocar. Era o namorado dele (que agora era meu), querendo discutir relação em pleno horário de expediente. O encanto ia acabando, ao passo que outras ligações iam surgindo: algumas de bancos, outras de financeiras; todas cobranças. E eu nem imaginava que o meu ídolo gastava tanto. Eu me tornei responsável por todas as contas dele também; o que me assustou enormemente. Descendo aquele espiral de complicações, surgiam dores de cabeça e gastrite. E aos poucos um sentimento de arrependimento foi nascendo como um sol de inverno no horizonte. E dali a pouco nuvens de saudade cobriram o meu coração solar e eu comecei a chorar, sentindo falta da minha casa, da minha família e até do meu cachorro Rufus. Chorei tanto naquele banheiro que adormeci ali no chão. E foi durante um sonho que eu pude finalmente conhecer o meu ídolo. Ele estava lá sentado num trono com um sorriso maroto e me disse: “_Olá, amigo. Soube que você é meu maior fã, por isso deixei que ocupasse o meu lugar por algum tempo.” Eu respondi: “_Uau! Você tem uma vida muito diferente do que eu imaginava.” “_Como assim?” – ele retrucou. “É muito agitada. Uma rotina estressante, namorado chato e ciumento, dívidas... Como consegue lidar com tudo isso? – eu disse. Aí ele me deu um abraço e apenas falou: “_Agora você sabe.” Foi então que eu acordei. Estava de volta; deitado na minha cama, pronto para retomar a minha vida. Um sentimento de gratidão foi tomando conta de mim, que consegui entender que Deus dá o frio conforme o cobertor. Aí eu saí abraçando todo mundo lá em casa e deixando um ponto de interrogação em cada rosto que eu via.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 15/04/2019
Reeditado em 15/04/2019
Código do texto: T6624092
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