Cardinale e Mullholland

Aiai, suspirou Carolina, levantando-se do sofá.

Que foi, perguntou Clara, vendo a amiga se colocar à sacada.

Quero fugir à realidade, ela respondeu, quero ver Claudia Cardinale em preto e branco, posta contra uma fonte, num jardim de pedra...

Clara, que estava à mesa, estudando, olhou para a TV e viu Rosane Mullholland em cores, à parada do ônibus, desesperançada e cínica, falando de crioulos.

Entendo, pensou Clara, baixando os olhos para os números à lápis.

Vamos jogar, pergunta esta à outra na sacada.

Jogar o que?

Dominó, disse Clara, claudicante.

Carolina riu.

Peças de osso, perguntou ela.

De plástico, respondeu Clara.

Então não.

Carolina que ainda sorria, virou-se para a noite, deixando Clara com seus números, a loura falsa, as peças de plástico; esta, uma das peças na mão, pôs-se pensativa.

Carol, se quer fugir à realidade, por que o osso?

A amiga virou-se para ela de modo fatigado, exausto, cansado.

Clara, clara, por que põe a minha noite turva? Não ponha as coisas confusas. Uma coisa é desejo, outra é capricho.