Uma tarde de novembro

Minhas aulas no Ginásio de Pitangui sempre foram pela manhã. Mas, incidentalmente, naquele ano de 1963, a Educação Física foi ministrada às tardes, uma vez por semana, pelo saudoso, ainda que pouco paciente, Sô Demar. E raro passava de meia hora a sessão de ginástica, que o Mestre apodava de "sueca", constante de 5 movimentos, bem fáceis aliás para quem tinha treze anos e a expectativa de participar da melada futebolística que se seguia, com quase vinte para cada lado, e que raramente durava mais do que um quarto de hora. Jogando avançado nunca saboreei a sensação de poder contar em casa que tinha feito um gol sequer ao longo de meu quadriênio estudantil. Mas vez ou outra toquei na bola em meio à indisciplinada turba.

Naquela tarde novembrina, voltando para casa, num trajeto que dava bem um quilômetro de tortuosa caminhada, pelo centro da cidade, apertando o passo, não sei porque razão - talvez pensando nas provas finais que se vislumbravam bem próximas, ou no binômio banho-janta, que era mais urgente - fui abordado na praça da Matriz, em meio à calçada de paralelepípedos por um gesticulante e desesperado Esperidião Cecim, que caminhando em minha direção bradava:

- Mataram o homem, mataram o homem...lá...mataram...

Não pude, ou não ousei parar para lhe dar conforto ante aquela desgraça anunciada e tão veementemente pranteada. Seu Esperidião viera de longe, do Líbano, e se estabelecera em Pitangui onde fizera fortuna na pecuária e no comércio de atacado, tornando-se figura eminente na sociedade local.

Já em casa, o Repórter Esso repercutiu a fatídica novidade no rádio Philips de papai: a personagem da história, e do pranto do Esperidião era o John Kennedy.

Pensei, sem meus botões: eu bem que podia ter parado um pouco para minorar a angústia daquele pobre homem, ao menos pedindo-lhe dados sobre a tragédia, que ele certamente se comprazeria em descrever.

Ou quem sabe, com mais ousadia, reparar-lhe, ainda, que os grãozinhos do arroz que invarialmente caíam nos descarregamentos que se faziam em frente ao seu comércio acabavam atraindo hordas e mais hordas de pardais que, cevados e levados, terminariam por expulsar as andorinhas que povoavam o teto da matriz e tornavam mais leves as modorrentas missas dominicais...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/11/2020
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