321 - O Futuro Soba

Ninguém ao certo sabia se era verdade ou mentira. Dizia-se que o futuro soba andava, anónimo, por ali. Ninguém sabia , a ser verdade, quem era e o que fazia escondido no meio de um povo simples, trabalhador, cheio de dificuldades e problemas. Muitas vezes, disse o mais velho, é para saber a verdade inteira mas, por outro lado, há pessoas que, olhando, só podem ver metade e outras, mais deficientes, olham mas vêm tudo de outra cor ou, mais triste ainda, não vêem. No meio da fé de muitos e da descrença de outros, Dominga lembrou que a bondade olha devagar e com meiguice, que a crueldade pode matar, que um chefe mesmo inacabado, haveria de ter tudo igual mas tudo diferente. Que olhassem com atenção, que fossem honestos e justos, que todos, sem querer, estariam a ser vistos, avaliados, registados no coração do soba como bons ou maus. Cada um, depois que ele assumir o mando, responderá pelos feitos, pela indiferença ou pelo amor. Dominga disse mas ninguém parecia ter dado atenção. Afinal, murmuravam, o que era ela mais que os outros? Por saber ler? Isso havia que também sabiam. Por ser donzela e pura de espírito? Outras haveria no Sobado e ficaram caladas como se de nada soubessem. O segredo, voltou a dizer o mais velho, é uma coisa que sabem poucos, a mentira é algo que um inventa para todos acreditarem, o desejo é, assim, o mais frágil e o mais letal de todos os sentimentos. Eu quando tive um amor, guardei-o e era segredo, depois, contei a minha mãe e ela disse-me que casasse e casei. Outras vontades anulam o homem, perdem a mulher no caminho, deixam a morrer de fome o gado preso no cercado. Se o futuro soba anda por aqui, então talvez ele tenha trazido olhos, coração e o espírito dos antigos. Se ele está por aqui pode ser que o poder fique bem na sua mão.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 19/11/2020
Reeditado em 20/11/2020
Código do texto: T7115469
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