Cirurgião

Vou cutucando aqui e ali, abrindo buraquinhos com a ponta de um bisturi cego, que encontrei na sarjeta.

E vou abrindo esses buraquinhos com pinças enferrujadas, e fuçando lá dentro como faria um cirurgião-barbeiro do século XV.

A pele, deliciosamente elástica, se abrindo, lasciva, aos meus dedos curiosos e desesperados.

As coisas se acumulando nos baldes e bacias ao meu redor, folhas soltas, um pôr-do-sol, aquele dia na praia, os ruídos de uma cidade ao amanhecer, a pestilência de um sorriso cansado, a maldita prosa que insiste em ser poesia, manca e corcunda, a virgindade perdida sabe-se-lá-onde, você.

E, quanto mais eu penetro (vai, com força!) naquela podridão, os vermes também surgindo, e sem se incomodar com a minha intromissão, me convidam para o baile e, depois o banquete.

Perfeitamente!

Enquanto o fel, escorrendo das feridas abertas, empoçando no chão.

Enquanto o sangue, coagulado e talhado, feito queijo negro, prato principal dos vermezinhos gordos.

Enquanto as fezes, acumuladas há séculos, empesteiam o ar.

A puta parada ali, no canto, rindo da sujeira respingada nas paredes e teto, e dos meus braços, lambuzados até os ombros.

Seu riso desdentado e a baba verde, virulenta.

Seus olhos vazios e as meias rasgadas.

Seu ventre vazio e a alma rasgada.

A espectadora (escárnio?) dessa dissecação sacra.

Busco o prazer nesse seu ânus arregaçado, puta, já com as pregas arrebentadas pelo meu estupro contínuo.

Ah! A antiga viscosidade ainda lá, bem no fundo...

O prazer da areia entrando pelos poros.

E meu gozo lá, nos seus intestinos.

Minha porra quente bem onde você sempre gosta mais, e grita mais alto, a puta de olhos vazios.

Me passe agora, sua vadia, a linha e a agulha, pois preciso costurar os retalhos de mim mesmo, e depois beijar essa sua boca, escancarada num grito mudo e perpétuo.

E limpe essa sujeira.

Roberta Nunes

23/01/2008

Roberta Nunes
Enviado por Roberta Nunes em 31/01/2008
Código do texto: T840669
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