"Ponto Fraco" =Conto=

- Minha velha, sai de perto que hoje eu não tô bão não. Vê se passa longe...

- Que atrevimento, menino! Desde quando lhe dou o direito de falar ansim comigo? Te mete a besta que eu chamo teu irmão pra te dar um cacete dos bom. Te cuida, Zecão. Te cuida..

- Num torra o saco, mãe. Num torra. Hoje eu acordei a fim de espancar alguém.

- Então percura alguém do seu tamanho, vagabundo. Cuidado pra não apanhar do Tito de novo. Da outra vez ele te botou de cama por mais de uma semana.

- Lá vem essa encheção de novo. A senhora viu que ele tava em turma...

- Turma coisa nenhuma, seu cagão. Daqui da janela te vi apanhando na cara e depois vi o Tito de enchendo de porrada e pontapé. Valentão de merda é ocê, menino.

- Num vô discutir com a senhora. É “perca” de tempo. Deixa meu jantar guardado senão eu não coloco mais um puto nessa casa.

- Até parece...Anda. Chispa. Some daqui e vai trabalhar, tipo ordinário. Vê se faz arguma coisa boa na vida, cafajeste. Ingual o pai, sem tirá nem pô...

Zecão monta em sua velha moto com raiva, dá com força no pedal de partida, ajeita o capacete com um tapa forte e acelera violentamente. Acordara mal humorado, zangado com a vida, e o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi dar umas porradas em Elvira. Iria até o barraco dela, no outro lado da cidade, arranjaria uma discussão qualquer, o que era muito fácil, e logo estaria descarregando a tensão, além de, se possível, ainda arrancar algum dinheiro daquele feixe de ossos, daquele bagulho desencantado da vida.

Ziguezagueou entre os carros na marginal Pinheiros, chutou algumas portas, quebrou uns dois retrovisores, gritou muitos palavrões, e usou a irritante buzina quase que o tempo todo, provocando ódio nos motoristas parados no engarrafamento de todos os dias.

Finalmente chegou ao barraco de Elvira, na “periferia da periferia”, como costumava tirar sarro da cara dela.

O menino mais novo de Elvira estava em cima da mureta improvisada, empinando pipa em frente ao barraco, e ao vê-lo fechou a cara.

- Tá me olhando com cara feia porque, ô mico-leão-dourado? Cara de macaco doente...

- Não gosto de você, seu viado. Veio encher o saco de minha mãe de novo, filho da puta?

- Peraí que eu pego, corninho do cacete...

O menino correu, mas levou uma cacetada nas costas e caiu. Zecão achara logo um pedaço de pau e o mandara com violência na criança. Depois entrou no casebre de Elvira.

- E aí, vagabunda? Tudo em ordem? Vim dar uma trepadinha rápida e pegar uma graninha. Pode ser?

- Vagabunda é a que te pôs no mundo, Zecão. Acha que tenho cara de caixa eletrônico? Que é só passar e pegar dinheiro? Vá dar uma trepadinha na escada que da tua cara eu já tô cheia. Some daqui logo, ordinário de uma figa. Tipo à toa dos infernos...

- Tu tá provocando, piranha...Tá provocando umas porradas bem dadas...

- Te cuida, Zecão. Eu estou me precavendo, vagabundo...

Zecão riu com gosto.

- Está se precavendo, mendiga? Arranjou alguma autoridade pra lhe proteger? Me conta aí. Vamos, me conte em nome de nosso amor, minha querida.

Alguns minutos de discussão, muitos palavrões, algumas empurradelas de ambas as partes, e logo Zecão partia pra cima de Elvira e a cobria de murros, pontapés, tapas na cara e onde mais acertasse.

Satisfeito, cansado de bater, sentindo que aliviara a tensão, enfiou o capacete na cabeça, ajeitou-o com um tapa, montou na moto e arrancou em velocidade.

Alguns segundos depois caía morto no meio da rua. De seu pescoço, quase que inteiramente decepado, o sangue esguichava escandalosamente.

O menino voltou correndo pra casa, eufórico, feliz da vida:

- Tá mortão, manhê. Esse não te sacaneia mais, mãinha!!

- O cerol funcionou, filhinho?

- E como, mãe!! Quase que tirou a cabeça dele toda pra fora do pescoço!

- Então agora você entra e vai fazer seu dever de casa. Não quero filho meu virando motoboy quando crescer. Quero que seja gente bem. Gente com diploma. Obrigada, meu filho.

- De nada, mãinha. Percisando, é só dizer...

* Cerol= mistura de vidro moído e cola passada na linha da pipa para cortar as linhas de outras pipas. Já vitimou muitos motoqueiros e ciclistas, causando ferimentos graves e mortes instantâneas, o que nunca preocupou os que praticam tal sacanagem, sejam maiores ou menores de idade.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 29/06/2008
Código do texto: T1056873
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