Onze

- Nós não jogamos nada! - Resmungou Lewis, olhos cravados na TV do "pub", onde um compacto de Inglaterra X Suécia era exibido. - David Beckham! Que diabos fez David Beckham? Se não fosse Sol Campbell marcar aquele gol no primeiro tempo, estaríamos agora fazendo contas para a classificação...

- Mas estamos fazendo contas para a classificação - retruquei, tomando um gole da minha Guinness. - E o próximo jogo é contra quem?

- Argentina! - Rosnou Lewis. - Justamente contra quem... e justamente quando! Faz 20 anos que demos uma surra neles nas Falklands!

- Não é guerra, é futebol - provoquei. - E aquela decisão por pênaltis em 1998?

- Não me lembre disso! - Lewis me lançou um olhar feroz, expressão contraída. - Comecei a ficar careca naquele dia!

- Então, é bom que David Beckham faça as pazes com a bola - avaliei, tomando mais um gole de cerveja.

Neste instante, três "bobbies" fardados entraram no "pub", e foram direto para um canto onde estavam sentados cinco rapazes e uma garota vestidos de preto, camisetas e jeans rasgados. Punks, provavelmente.

- Queiram nos acompanhar até a delegacia - disse sem maiores rodeios um dos policiais, um sujeito grandalhão.

- Qual é a acusação, oficial? - Retrucou de forma polida a garota.

- Desordem pública - foi a resposta igualmente polida.

- Nós só estamos tomando uma cerveja... - disse um dos rapazes, tão magro que quase parecia transparente.

- Vocês fizeram um protesto no Jubileu de Ouro da Rainha, - prosseguiu o "bobby" grandalhão, inabalável - e portanto estão sendo convocados a prestar esclarecimentos.

O grupo sentado entreolhou-se, parecendo avaliar a melhor ação a tomar. Um clima de tensão surgiu dentro do "pub", já que nós, os outros frequentadores, não sabíamos se os rapazes estavam armados ou se iriam oferecer resistência à prisão. Finalmente, a moça interviu novamente, para baixar os ânimos.

- Nós fizemos um protesto pacífico contra a monarquia... nenhum de nós está armado!

- Vocês estão sendo intimados também por não terem comunicado previamente o percurso do seu protesto. Isto é contra a lei, não a manifestação em si - admoestou-os outro dos "bobbies", um baixinho de bigode.

O terceiro policial, um louro alto, consultou o relógio de pulso e determinou:

- Vamos andando, temos muita gente para levar para a delegacia!

A moça fez um gesto de cabeça para seus cinco acompanhantes.

- Vamos. Eu conheço os nossos direitos, não vão poder nos prender por isso... vamos processar a Polícia Metropolitana!

- Processem. Mas agora, vão em cana - atalhou o louro. - Andando!

Pôs-se à frente, seguido pelos punks e pelos dois outros "bobbies" fechando o grupo. Quando o primeiro policial abriu a porta do "pub", a moça deu uma risada:

- Sério que vão nos levar para a delegacia nisso?

O policial louro virou-se para trás, ar contrariado.

- Muita gente, eu disse. Precisamos requisitar um veículo de grande capacidade.

Em frente ao "pub", estava parado um reluzente ônibus vermelho de dois andares da linha 11, já parcialmente preenchido com outros irritados manifestantes apreendidos pela polícia. Quando a porta se fechou atrás do grupo que saía, Lewis virou-se para mim e, surpreendentemente, estava sorrindo:

- Cara, quer saber? Eu acho que isso foi um bom presságio!

Puxou seu celular Nokia do bolso e ligou para uma casa de apostas:

- Argentina X Inglaterra... vitória da Inglaterra, paga quanto?

- [09-01-2018]