Wyatt Earp

Edgar reverenciava seu tio Aluísio como ídolo, um fiel ícone representante da lei e da ordem. O honrado comissário de polícia era sempre notado em sua estatura acima da média, porte elegante, fisionomia serena, olhar penetrante, bastos cabelos pretos penteados para trás. Quase sempre de terno escuro e somente quando necessário identificava-se mostrando sua insígnia, uma estrela prateada presa no forro do paletó, à altura da lapela. Na fantasia do sobrinho era a imagem e semelhança de Wyatt Earp, o lendário xerife do velho oeste, ainda que os bigodes do tio não fossem tão extravagantes. Certa noite, na festividade de Nossa Senhora das Graças, tio Aluísio deu voz de prisão a um arruaceiro. O malandro o encarou em sua magreza e com desdém lançou-lhe um desafio. O destemido policial topava com um turbulento em acintosa reação, em desaforado desacato, e decerto que dominá-lo não seria nada fácil. O desordeiro percebeu o comissário desarmado e o julgou incapaz de enfrentá-lo em luta corporal. Em atitude debochada andava de um lado para o outro, cabeça levantada e os braços esticados balançando para frente e para trás, em gestos dizendo-se livre para o que bem entendesse. Enganava-se. O comissário não o deixaria escapar facilmente. Sendo necessário não o pouparia da precisão e agilidade de seus punhos treinados e habituados à ação no dia a dia policial. Poucos segundos de indefinição e entra em cena num salto repentino à frente do meliante um terceiro homem: Pedro, rapaz de média estatura, ombros largos e músculos visivelmente divididos e salientes na pele negra de um corpo ágil desenvolvido na faina ao ar livre nos campos da Ilha do Marajó. Desde cedo peão em corpo rijo fortalecido no alimento habitual de peixe assado com pirão de farinha de mandioca, leite de búfala e todo dia açaí fresco amassado em peneiras de palha pelas mulheres da fazenda. Em seu simples entendimento de respeito à autoridade, sentiu-se injuriado com o inveterado pinguço. Tomando para si as dores dos cidadãos insultados, decidiu que o desordeiro merecia uma lição. Fez-se ajudante de xerife e ao fanfarrão dirigiu-se em tom de desprezo:

– Cê non respeita a pulíça, seu corno safado!... já ouviu que tá preso, intão tá preso! Antes que o brigão se aprumasse, Pedro já o levantava acima de sua cabeça e o arremessava sobre as raízes expostas de um benjaminzeiro, como se fosse um saco cheio de macaxeira. Um baque surdo foi seguido por um forte gemido do valentão que das bazófias passou aos lamentos. Com os olhos mortiços em confusão de estrelas triplicadas no céu, entre ais e dores nas costas, apavorava-se, pedia clemência e entregava os pulsos às algemas.

Wyatt Earp impassível, olhos gélidos, fitava o prisioneiro sentado no chão, quieto, ladeado por dois guardas da força policial que acorreram ao local da confusão. Uma viatura levaria o valentão para curtir a bebedeira atrás das grades. A novena terminara, dispersavam-se os devotos e a paz fora restaurada no arraial ao redor da casa de Dona Zenóbia, onde se guardava a imagem de Nossa Senhora. Em seu íntimo Edgar aplaudia com orgulho a atuação de tio Aluísio e de Pedro, o ajudante de improviso, como respeitados homens da lei.

Em Los Angeles, Tombstone ou qualquer quadrante estivesse, o espírito do famoso delegado testemunhava satisfeito o destemor de seu sósia belenense.