Barão Vermelho e os corvos da Torre de Londres

A história é uma sucessão de fatos narrados à exaustão, sob o crivo daqueles que a aceitam ou refutam. É canção de gesta. Intensa, é feita de acontecimentos, tal qual tijolos de comportamentos humanos, empilhados por aderência de uma argamassa de sentidos ocultos. São amores, medos, ódios, horrores, sonhos e impressões que ficam guardadas, em que se cavoucar a parede um pouco mais, achamos. São barulhos, sabores, cores e sensações que ressurgem se insistirmos em buscá-las nos momentos históricos. Temos que olhar com atenção, sem respeito aos mortos. Somos todos corvos da Torre de Londres.

A cor vermelha do apelido veio da pintura de sua aeronave. Ela o distinguia do demais treze companheiros da esquadrilha "Jasta 11" , depois JG1, nas primeiras batalhas aéreas. A cor púrpura era para assustar os seus adversários. Os demais aviões da esquadrilha tinham outras cores e todos juntos, multicolores, formavam o chamado "Circo Voador".

Ao longo da primeira guerra mundial, o Tenente Manfred Von Risthoffen, o tal Barão Vermelho, abateu oitenta aeronaves inimigas, a última , um dia antes de morrer. O detalhe histórico nestas ações bélicas era de que o aviador permitia que suas vítimas escapassem com vida. Finalmente, ressurge na história, a figura do algoz do bem, o bom moço com aparência de Aquiles ou de Alexandre Magno. Realizava assim, sua guerra com honra, mas também com um nível de vaidade pessoal. Só é verdadeiramente um vaidoso, aquele cujo livro escreve sobre seus feitos.

A império germânico do Kaiser Guilherme o tinha como seu maior herói. Houve por bem colocá-lo como o último herói alemão. Ironicamente, de suas cinzas, renasce um monstro, uma fênix nazista de nome Hermann Goëring, seu colega na Jasta 11 e número dois de Hitler.

Ao morrer, abatido pela incipiente artilharia antiaérea ou, quem sabe pelo aviador inimigo, perfurado no peito por um projétil vindo de trás, o corpo do Barão Vermelho foi resgatado pelos seus inimigos australianos, os quais em louvor ao condescendente adversário, dedicaram-lhe um funeral com honras militares: caixão coberto por flores e elevado por seis oficiais britânicos até seu sepultamento. Louvor maior não há a um guerreiro se são de seus inimigos, não seus comandados, os braços que carregam seu caixão. Se executam as salvas de respeito, então, é máxima a homenagem.

Os olhos dos corvos da Torre de Londres, não sossegam, reza a lenda: são sentinelas para que o império prospere no tempo. Fazem o barulho suficiente para que sejam notados e ninguém se lembre de que é preciso sempre duvidar. São figuras negras, lúgubres, criadas e expostas para se crer que, se não for assim, poderia ter sido diferente e pior.

E se... Se o Barão Vermelho era a grife que os alemães quiseram criar para dominar os ares da época, já que as trincheiras careciam de quaisquer estímulos. Na mesma linha, ao ser morto, a publicidade de seu funeral empurrou a glória para seus inimigos. Disseram sem dizer, nós, suas vitimas criamos nosso próprio terror, e o eliminamos.

E se... Se não foi um herói, mas apenas uma matador de guerra sádico, como qualquer combatente sem escrúpulos naqueles tempos de chumbo. O respeito alheio que lhe era atribuído era o medo da morte vermelha que caia dos céus como uma chuva de sangue. Algo divino, nada humano. A honra de não matar, só ferir, é alegação de quem se safou da guerra com ferimentos e bravura. A glória de travar uma luta desigual com o oponente é uma defesa de quem não assume a possibilidade de existirem recursos tecnológicos mais avançados de uns contra outros.

E se... Ele não lutou, mas apenas caçou. A perseguição dos aviões inimigos como presa esportiva é uma fraqueza humana válida, porém mais vale crer em abater para não ser abatido. O mito do bom caçador é enfrentar, mano a mano, frente a frente, sua caça. Quantos aviões solitários derrubou por trás, sorrateiramente. Se derrubar um avião é atirar pela sua retaguarda, que honra há nisso. Já esquadrilhas em combate aéreo é outra coisa. Talvez haja algum mérito em sobreviver num certo grau de caos. Há o predomínio da oportunidade na desordem.

E se... O Barão Vermelho e o Circo Voador tiveram suas cores pioneiras para matar com maior eficácia nessa peleja nascente nos céus. O horror das cores vem de cobras coloridas, cujo veneno mortífero é precedido pela percepção aparente dos lindos espectros de luz. No azul etéreo não se pode permanecer sempre lá. As cores dos pássaros nos ensinam que não dá para ficar muito tempo a voar. Há que se cair e, nesta hora, juízo final , ou se aproxima das coisas de Deus, ou se achega à terra. Desde o início dos tempos, este é o pensamento mais aterrorizante, a proximidade da sua morte.

E se... Os heróis de uma guerra incentivam outra guerra. O derrotado cria seus ídolos para toda frustração não passar de um golpe de má sorte. Podia ter sido diferente. O pistoleiro mais ligeiro é aquele que vê melhor, até que alguém que enxergue melhor ainda se torne o "mais rápido" para matar. Mas o pistoleiro derrotado com mais mortes a ele atribuídas se torna lendário para seus seguidores atemporais.

O barulho dos motores, o estrondo das explosões e os fatos recontados abrem o caminho para as próximas vitórias, enquanto os corvos continuam a espera na Torre de Londres.