O começo de Próspero

Numa leitura descobriu os guardas cerimoniais da Torre de Londres, os Customers Yeomen. Virgílio Próspero se lembrou então de seu pai. Verdadeiros guias turísticos hoje, em certa época foram responsáveis por experimentar a comida da realeza inglesa para depois serem degustadas pelos nobres e a família real, caso não morressem por envenenamento. Foram então denominados “Beefeats".

Virgílio Próspero vivia nesta atividade no presídio. A degustação que fazia estava nos informes. Testava as informações que acessava para que os poderosos de cada lado pudessem manipular todo pais. A ocasião em que isso se esclareceu foi a crise de segurança pública no Ceará. Dezenas de atos de vandalismo devastavam o estado, a mando das facções criminosas intra-prisionais. As autoridades, impotentes e, para muitos, gente omissa, usaram o pretexto da violência disseminada para mudar as leis de porte e acesso às armas ao cidadão comum, mera promessa de campanha e de apoio aos grupos armados paramilitares de todo Brasil. Não havia, o informante Próspero, alertado do veneno.

A leitura de Virgílio Próspero trouxe a lembrança de si e de seus pais. O seu começo de vida, na verdade. O pai foi Felício Próspero, um velho general de brigada, já reformado quando nasceu de Catalina Mazzini, trinta anos mais nova que o marido, com quem se casara pela pensão militar vitalícia, conforme não escondia a quem estranhasse a união. O general era muito feio, de pequena estatura, algo corcunda. No entanto, nutria um espírito corajoso e tinha a honestidade e a liberdade como lema de vida. A mulher, em contrário, era muito bonita, sem qualquer dose de bom senso. Atropelava os olhares ao andar entre as pessoas, tirando-as pelo seu charme de seus percursos desatentos. Fazia questão de ser assim, o tempo todo.

Nas fotos, o pai lembrava a um guarda temático ao lado da mulher. Um senhor protegendo um tesouro, as joias da coroa, se bem que pronto para dar quaisquer dicas àqueles que queriam se aproximar desse casal esdrúxulo. Numa destas vezes, um influente colega de farda, ainda na ativa da força, iniciou o flerte ao acervo do general, interessado em se aproximar da voluptuosa esposa, a qual se apaixonara. Seu pai referia-se ao episódio como um "desfrute militar". O general permitiu o avanço. Observou a atitude da mulher à distância, sem qualquer reação. Incentivou o adversário no que pode. Deu sinais de que seu relacionamento era simbólico. Emprestou sua farda para a noite de prazer do adúltero. Durante o coito, o militar da ativa teve parada cardíaca e faleceu minutos depois. Nunca se soube como um homem tão saudável teve, subitamente, aquela morte natural em cima da amante. De fato, o adultério foi registrado no socorro prestado naquela noite. O divórcio ficou fácil pelo escândalo, sem conflitos jurídicos. Catalina ficou sem qualquer pensão ou apoio do general, porém este permitiu que seu filho nascido, quase nove meses depois, recebesse seu nome.

Anos se passaram, ainda garoto, foi morar com o idoso general, diante da fuga da mãe para os USA, por motivo de um alegado trabalho irrecusável num grande cassino de Las Vegas. Foi aí que o general Felício teve a chance de lhe proporcionar a melhor educação que as classes abastadas poderiam usufruir, bem como a atenção de pai. Até sua morte por causas naturais, o atestado dizia que morreu de mal de Alzheimer, mas faleceu lúcido e, há quem diga " de velho", aos 96 anos, o general Felício foi o pai que não teve na infância, um verdadeiro "lorde inglês", com alma de preceptor e atos de carinho genitor.

Sobre o caso de sua contumaz mãe adúltera, Virgílio Próspero sempre acreditou que o seu pai experimentava no casamento, as migalhas da comida envenenada, até que, ciente do veneno, permitiu que esta fosse ingerida em quantidade suficiente para matar o perigoso militar de quem ele e a caserna queriam se ver livres.