O caso da prostituta de Glasgow

Aleksander Muir, 38 anos, contador, foi encontrado tarde da noite por uma viatura da Polícia de Strathclyde, caído, inconsciente, numa rua mal-iluminada próxima ao porto de Glasgow. Conduzido para o hospital mais próximo, o Glasgow Royal Infirmary, foi verificado que havia sofrido uma concussão, provavelmente provocada por uma pancada na cabeça. Os policiais que o socorreram imaginaram a princípio tratar-se de um caso de roubo, mas Muir aparentemente estava com todos os seus pertences, inclusive aliança de casamento, carteira com dinheiro e cartões de crédito, e um celular Nokia 232 novo. Ao recobrar a consciência, foi interrogado no dia seguinte sobre as circunstâncias do ataque de que fora vítima, e o que fazia naquele local ermo a horas mortas. Deitado num leito com a cabeça enfaixada, o contador cobriu o rosto com as mãos, embaraçado.

- Nem sei como vou dizer isso... eu peguei uma prostituta na rua - murmurou ele. - Quando parei num semáforo próximo ao porto, creio que ela me deu uma pancada na cabeça e me jogou para fora do carro.

- Entendo que esteja embaraçado, mas pelo que verificamos, nada foi roubado do senhor - insistiu a inspetora Riley Thompson, que fora destacada para entrevistá-lo na enfermaria. - Exceto, pelo que está dizendo agora, o seu automóvel... qual marca?

Muir lançou um olhar confuso para Thompson. Finalmente, respondeu:

- Um Ford Fiesta prata... modelo 1992.

- Vou emitir um alerta sobre o roubo do seu carro - declarou Thompson, tomando nota da placa do veículo.

- E minha mulher? - Indagou Muir com expressão aturdida. - Ela veio me ver?

- Ainda não conseguimos localizá-la, sr. Muir - replicou Thompson, muito séria. - Parece que ela está fora da cidade.

- Será que podíamos omitir a parte da prostituta e dizer que foi apenas um assalto?

- O senhor não pretende descrever quem o atacou, sr. Muir? - Questionou Thompson, cenho franzido.

- Digamos que minhas lembranças estão embaralhadas - retrucou o contador, fechando os olhos.

Thompson mordeu os lábios.

* * *

- Atacado por uma prostituta misteriosa que não roubou-lhe a carteira? - Indagou o investigador-chefe Ruaraidh Duncan após ler o relatório de Thompson. - Tem algo estranho nessa história. Já recuperaram o carro?

- Foi localizado em Possilpark, depenado - informou Thompson. - Levamos para o depósito e está sendo periciado.

- Possilpark, tráfico de drogas, heroína... - enumerou Duncan. - Fizeram o toxicológico no Muir?

- Foi feito. Está limpo - redarguiu Thompson.

- E a mulher dele?

- Ainda desaparecida e o celular está desligado ou fora de área.

- Desconfio que quando descobrirmos o que aconteceu com a sra. Muir, resolvemos esse mistério - ponderou Duncan.

E devolvendo o relatório à investigadora:

- Temos subsídios para pedir quebra do sigilo bancário de Muir?

- Num caso de roubo de carro? Duvido muito - replicou Thompson, franzindo a testa.

- Pois então verifique na seguradora onde ele trabalha... pode ser que esteja acontecendo alguma coisa lá de que não tomamos conhecimento...

E entrelaçando os dedos sobre a escrivaninha:

- Avise aos médicos para não darem alta ainda ao Muir... e mande colocar um policial de guarda na entrada da enfermaria, 24 h por dia, até que ele seja liberado.

Thompson ergueu os sobrolhos.

- Crê que o caso é tão sério assim, chefe?

- Creio - retrucou Duncan.

* * *

Horas depois, Thompson ligou para seu superior dando as novas do caso.

- Tinha razão, chefe. Muir deu um desfalque de 20 mil libras na seguradora, só descobriram porque ele não apareceu mais para trabalhar.

- Imagino que ele tenha sacado esse dinheiro... - ponderou Duncan, reclinando-se em sua cadeira giratória.

- Isso mesmo. Sacou tudo no dia em que sofreu o ataque, e muito provavelmente estava com o dinheiro no carro.

- Não admira que a sua atacante não tenha levado a carteira... por que precisaria de trocados com 20 mil libras à disposição?

- Então já sabe que foi mesmo uma mulher quem atacou Muir? - Admirou-se Thompson.

- Diga você - instigou-a Duncan.

- Foi a mulher dele... - informou Thompson. - Era ela quem estava com ele no carro naquela noite, não uma prostituta. Ocorre que ela era viciada em heroína, e ele vinha fazendo pequenos desfalques na seguradora para cobrir os gastos da esposa. Até que resolveu desviar uma quantia maior para bancar o tratamento dela numa clínica de desintoxicação... ou disso ela o convenceu.

Thompson fez uma pausa, melindrada. Duncan finalizou, suavemente:

- Com 20 mil libras, você pode comprar muita heroína...

- [19-01-2019]