O plantel
[Continuação de "Estudo de personagem"]
Lorde Eldysley ciceroneou Barnaby Stoke - aliás, Godwin Holsey, sob disfarce - pelas estrebarias onde mantinha seus cavalos de corrida, e depois a um cercado onde pastavam alguns magníficos puros-sangues jovens, pelagem quase negra e luzidia.
- E estes, milorde, também são da linhagem de Byerley Turk? - Indagou o ator, contemplando a cena idílica com as mãos apoiadas na cerca.
O nobre balançou negativamente a cabeça.
- Boa tentativa, Stoke - replicou. - Não, são descendentes de Darley Arabian; possuem uma estrela branca na testa, bem característica. Quanto você acha que custam, em média?
O ator voltou-se para o nobre e depois para os cavalos, expressão concentrada.
- Bem... posso comprar um cavalo muito bom por 8 libras - avaliou.
- Uma égua de boa qualidade, talvez - corrigiu Lorde Eldysley. - Mas um garanhão desses, mesmo sem ter disputado qualquer corrida, não sai daqui por menos de 400.
- Libras? - O ator arregalou os olhos, já que o valor era simplesmente astronômico.
- Guinéus - atalhou o nobre com um sorriso sardônico.
Holsey engoliu em seco. E iam lhe pagar 300 guinéus para personificar Lorde Eldysley! Precisaria ter uma conversinha com Jukel Shylton antes de voltar à Londres.
- Creio que posso começar com éguas selecionadas - ponderou o ator - e depois levá-las para serem cobertas por algum campeão.
- É uma boa abordagem para quem não pretende investir suas finanças num negócio incerto, como o das corridas de cavalo - redarguiu Lorde Eldysley. - Dependendo do garanhão, e do número de vitórias, você pode obter coberturas a partir de 10 libras. Eu mesmo tenho um vencedor aposentado da Rowley Mile, o Black Pot; se comprar pelo menos duas das minhas éguas, posso lhe dar um desconto nas coberturas... 20 libras cada.
- Terei que conversar com meu ourives no retorno - desconversou Holsey. - Minha visita hoje é puramente preliminar, milorde.
- Está sendo cuidadoso, fazendo uma análise antes de fechar negócio - avaliou Lorde Eldysley. - Mas espero que não se demore muito, pois na próxima semana irei receber compradores de fora, e eles costumam pagar à vista.
E, ajeitando o "cravat" de renda, acrescentou em tom casual:
- Talvez acabe ficando com as sobras.
- Não costumo andar com dinheiro vivo, há salteadores pelas estradas - defendeu-se o ator. - Mas poderei lhe pagar em cheques do meu ourives.
Lorde Eldysley balançou negativamente a cabeça, coberta por imponente peruca branca.
- Lamento, senhor Stoke, mas não trabalho com cheques, mesmo que sejam emitidos pelo Banco da Inglaterra. Todos os pagamentos devem ser feitos em guinéus, e no máximo em duas parcelas; para a segunda, eu aceito uma nota promissória, caso comprove que possui bens que possam cobrir o débito.
E erguendo um sobrolho:
- Mas isso não é problema para o senhor, não é, um conceituado comerciante de açúcar em Wapping...
- Não, não será problema, milorde - assegurou Holsey com um sorriso confiante.
Neste instante, um homem de cerca de 30 anos de idade, casaco de montaria castanho, aproximou-se deles montado num tordilho cinzento, de crina e cauda negros. Embora não estivesse usando peruca, ostentando o cabelo louro sob o tricórnio amarrado num rabo de cavalo caído as costas, era obviamente alguém de posses. Ergueu o chapéu, saudando-os.
- Cavalheiros!
- Olá, Osbert - respondeu de forma jovial Lorde Eldysley. E fazendo as apresentações:
- Este cavalheiro é Lorde Hatteclyff, primeiro barão de Blackheath. E este, Osbert, é Barnaby Stoke, comerciante de açúcar em Wapping... veio conhecer o meu plantel.
- Encantado, milorde - replicou o ator, erguendo o chapéu e fazendo uma meia reverência.
- Igualmente, Stoke - disse o cavaleiro, encarando-o do alto da sela, rédeas seguras na mão direita. - Lorde Eldysley possui um dos melhores haras da região.
E pousando a mão que segurava as rédeas no pescoço do cavalo:
- Então, Stoke, você comercia açúcar em Wapping?
- De fato - respondeu o ator, imaginando se teria que fazer uma digressão sobre o comércio de açúcar, do qual não entendia praticamente nada.
- E possui investimentos em Barbados? - Inquiriu Lorde Hatteclyff.
- Apenas de forma indireta - justificou Holsey para disfarçar a própria ignorância. - Nunca estive nas colônias.
- Ah! Pena! - Lamentou Lorde Hatteclyff. - Bom, vou seguir o meu caminho. Foi um prazer, Stoke.
E para Lorde Eldysley:
- Nos vemos nos jantar, Oswyn.
- Até lá - redarguiu Lorde Eldysley. E para Holsey:
- Lorde Hatteclyff é meu primo.
Acompanhando com os olhos o cavaleiro que se afastava, o ator comentou, aliviado pelo fim da conversa:
- Ah, sim... bom saber, milorde.
[Continua em "Um drinque no inferno"]
- [06-03-2019]