Linhas que se tecem

- Ai, tô cheia! Comi por uma vida.

- Bom que saciou a fome, rsrs

- Pelo visto, você não estava com muita fome, né?

- Comi o necessário, qualquer coisa além disso, iria gerar um mal-estar.

- Nossa, quanta formalidade, embora você deva estar certo.

- Tentando seguir um certo equilíbrio no cotidiano. Alguma novidade lá da sua irmã?

- Ah, ela ainda fica no hospital hoje. Deve ter alta só amanhã pela manhã. A única parte ruim é aguentar aquele traste lá...

- Seu cunhado?

- Claro, ué. Achou que fosse quem? O Papa?

- De fato. Por um momento me esqueci dele...

- Ah, ele é um cara difícil de ser esquecido. Basta você dar um pouco de tempo e atenção e irá se arrepender pro resto da vida. Esse foi o erro da minha irmã...

- Foi tão ruim, assim?

- Sim. Assim, no começo ele até parecia um cara legal, atencioso com tudo o que ela precisava e pedia, mas a medida que casaram, a relação foi se deteriorando de um jeito...

- E no final, ele a traiu?

- E bateu também. O pacote completo.

- Caramba...

- Entendeu por que eu tenho tanta raiva dele? E pior: minha irmã aceitava isso...

- Mas ele me pareceu mudado ali... Ansioso pra conhecer o filho e creio que esteja brincando com ele, agora...

- É, mas no começo do casamento, ele também era assim. A questão é que não permanece desse jeito. Sempre muda, acredite.

- Será?

- Ah, vai por mim. Mas, lógico que se a minha irmã quiser se juntar com ele de novo, eu não irei me opor. Só ficarei de olhos bem abertos para qualquer coisa...

- Sua irmã é uma mulher de sorte, pelo visto, com você como anjo da guarda...

- Família né? Se eu não cuidar, quem irá?

- Verdade.

- Mas e você? Fala um pouco de ti? Tem uma família problemática assim?

Nesse momento, Horácio refletiu sobre o personagem que montara para si. Não tinha pensado em um passado com uma família estruturada, amável como a grande maioria das pessoas. Era um solitário há muitos anos, todavia lembrara de uma peça que escrevera tempos atrás sobre uma família desestruturada, o que talvez ajudasse naquele momento.

- Eu? Bem, eu tenho um irmão que vive saindo de empregos e arrumando dívidas e mais dívidas. Pelo menos, não foi atrás de agiotas ainda e se mantém de algum jeito. Meus pais já são falecidos, então não tenho muita família pra recorrer... rsrs

- Caramba, eu... eu sinto muito...

- Ah, sem problemas. Uma vida dura me ensinou a ser forte.

- Ah creio que sim. Você e seu irmão costumam conversar?

- Vira e mexe, eu ligo pra ele pra saber como estão as coisas. Apesar dessa bagunça, ele se vira bem.

- Ele é casado?

- Nada! Paquerador por demasiado. Acho difícil chegar alguém que consiga convencê-lo a tanto.

- Percebi e vo..

- Letícia? Letícia é você?

- Thaís? Oi! Há quanto tempo? Como você vai mulher? Licença um pouco aqui, Horácio.

- Fique à vontade.

A súbita chegada de uma amiga de Letícia pareceu a saída perfeita para Horácio, uma vez que já começara a pensar em uma saída daquela conversa que estava ficando íntima demais pro seu gosto. Até por isso, pediu a conta e pagou uma parte, enquanto ia ajeitando a sua mochila nas costas pra sair, enquanto Letícia adentrava em uma longa prosa.

- Letícia, eu estou indo.

- Mas já? Fica mais um pouco.

- Não, eu tenho que resolver uns problemas, mas depois a gente marca outro café.

- Ah, está certo. Então, até a próxima.

- Até, prazer em conhecê-la, moça.

- Prazer.

- Quem era o bofe? Bonito ele...

- Ah, conheci um dia desses e reencontrei hoje, achei uma pessoa interessante...

- Está com um olho bom, viu miga?

- Assim espero...

O Andarilho

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 15/11/2019
Reeditado em 15/11/2019
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