PELA PRIMEIRA VEZ NA MINHA VIDA

Faziam oficialmente 90 dias que a garota havia desaparecido. Isso, mais a enorme repercussão do caso, retiravam o caso da delegacia de São João de Ribeira da Serra. O investigador Carlos via a sua chance de transferência para uma cidade maior escoar pelo ralo. Dera a vida neste trabalho. Avisara todas as delegacias do Estado, vasculhara cada matagal e cada fazenda da cidade, revirou a vida da jovem do avesso e de transverso, investigou cada ex namorado e cada um que tivesse em algum momento tido alguma coisa com ela (a lista era longa). Cada parente e vizinho. Nada. Era como se a moça tivesse se evaporado ao Sol.

O normal nestes casos era deixar o nome e as características dela no cadastro e dar a coisa por encerrada até que em algum golpe de sorte ela fosse encontrada em alguma "casa de tolerância" ou em decomposição em algum lugar. Mas uma emissora da Capital resolvera "adotar" o caso e lembrava-o pelo menos uma vez por semana em um de seus jornais. Não era para menos. A menina tinha quatorze anos, parda de olhos verdes, rosto angelical, corpo já de mulher. Eles a retratavam quase como uma santa. Chegava a ser cômico com tudo o que sabia.

A Capital mandou seu melhor investigador. O cara era uma lenda. O Grande Arthur, o mito do DHPP! Já havia mandado todas as suas anotações por whatssap e e-mail. Não conseguia imaginar o que ele poderia fazer além do que já tinha sido feito. Ele chegou por volta das 13:00hs. Era uma decepção; baixinho, gordo, óculos fundo de garrafa, usando uma bengala antiga. Já chegou mandando:

-"Por por por fa fa favor. Me me le levem até até à es escola on onde ela foi vis vista pe pela última ma vez."

"-Porra! Ainda por cima gago! Só pode ser gênio mesmo!"

Ao chegar a escola a olhou de cima em baixo sem emitir nenhum comentário ou pergunta. Era sábado então ela estava vazia. Estavam, além dos dois investigadores, a diretora, que os acompanharia, e o zelador, que limpava as salas. Fazia seu serviço feliz, até cantava:

"-For once my life I have some one who needs me

Someone I needed so long

For once, unafraid, I can go where life leads me

And somehow I know I'll be strong...

Arthur ouviu ele cantar toda a música com muita atenção. A diretora, sem que lhe fosse perguntada, disse:

"-Linda voz, não é? E pensar que Afonso é gago. Nós o temos em muita estima. Trabalha aqui desde que se formou. O que é estranho até, tendo o tanto de bullying que sofreu aqui e sua inteligência. Além de zelador também ajuda os alunos, uma espécie de professor auxiliar."

Arthur falou pela primeira vez: "In inclusi sive em em em in inglês?

"-Está brincando. Ele é fluente! Aprendeu sozinho através da música.

Carlos não disse nada, o conhecia e foi um dos seus primeiros suspeitos. Sentia-se até envergonhado com isso, pois além da gagueira, ele fora um caso de lábio leporino grave e as cicatrizes eram marcantes em seu rosto. Lembrou-se de ter pensado na ocasião; nada mais clichê de suspeitar do Quasímodo quando uma Esmeralda é raptada. Mas fora visto auxiliando na saída dos alunos do horário da manhã. Como sua casa era colada no muro da escola, até tendo uma porta ligando-as, a examinou com cuidado logo no começo da investigação. Depois o esqueceu. Essa parte também estava nas anotações que mandara para o investigador famoso. Por isso não entendeu porque este parou em frente dele e o examinou com tanta atenção. Puxou-o de lado e disse:

"-Me me a arrume um um manda da do de bus busca para a ca casa deste te ca cara ago gora.

"-Mas com qual justificativa"

"-Se se vi vira! Tra traga dois dois policiais ais com com você"

Saiu correndo com a viatura até a delegacia, redigiu o mandado e foi até o pesqueiro onde o juiz da comarca aproveitava seu sábado.

"-Espero que esse cara seja mesmo o mágico que tanto falam. Por que se está merda dar em nada quem vai pagar é você!"

Durante a busca ele bateu com sua bengala em cada canto do forro. Entrou no sótão e o examinou por um bom tempo. Depois examinou o chão minuciosamente, também usando a bengala. Ao mover a estante de livros encontrou uma passagem para o porão. Deu voz de prisão ao zelador na mesma hora. A garota foi encontrada em um quarto, amordaçada e amarrada a uma cama. Foi chamada uma ambulância que a levou para a Santa Casa da cidade. A viatura da PM levou o zelador para a Delegacia e eles acompanharam a garota.

"-Me explica. Como é que você soube que era o zelador?!"

"-Empa pa patia" Começou a cantar:

"-For once, I can say, that is mine, you can't take it

As long as I know I have love, I can't make it

For once in my live I have someone who needs me!"