PAULO ALVES - CAPÍTULO UM - MINISSÉRIE

Paulo Alves

Conto 1

Quem disse que homem não pode brincar de boneca? Quem foi o preconceituoso que estabeleceu essa regra maldita? Bonecas são seres que, diferente dos seres de carne e osso, não fazem mal algum. Eu gosto delas. Sempre gostei. Minha irmã compartilhava comigo algumas das inúmeras que ela tinha. Eu me lembro que passávamos o final de semana inteiro brincando de casinha. Que lembrança boa. Saudades de você minha irmã querida. Eu também tinha a curiosidade de saber o que as bonecas tinham dentro delas. Coração? Rim? Pulmão ou fígado? Não, não havia nada disso lá dentro. Bonecas de brinquedo são ocas. Esse foi o motivo pelo qual minha irmã rompeu comigo, eu as destruía. Bonecas de brinquedo não gritam e nem choram. Por isso prefiro bonecas humanas.

*

- Mara, entenda, não há mais clima para morarmos juntos. – falou Paulo Alves olhando para a bomba de gasolina. – minha querida, se coloque no meu lugar, eu vi você saindo do motel junto com outro cara, você quer que eu pense o que, que vocês foram lá comer uma pizza? – o frentista apareceu na janela.

- Trinta reais, senhor.

Paulo já estava com uma nota de cinquenta entre os dedos e a passou para o funcionário do posto.

- Mara é o seguinte, a noite conversamos com calma, certo? Fui! – encerrou a ligação e jogou o aparelho no banco do carona.

O troco chegou. Paulo agradeceu e saiu com seu Sandero grafite do posto. Paulo Alves, 26 anos, policial a um ano somente, irá se apresentar no departamento de polícia da cidade no setor de investigação. Se ele está nervoso? Ansioso talvez seja a palavra certa. Investigador Paulo Alves, quem diria? Seu finado pai estaria orgulhoso. Jovem, de boa aparência, Paulo já foi ajudante de padeiro. Acordava antes das galinhas, não gostava do que fazia, por isso pediu demissão com seis meses de casa. Quando feirante, Paulo conseguiu levantar uma boa grana. Todo o dinheiro que ganhou vendendo laranja, ele depositou em sua conta bancária afim de custear o concurso para a polícia. Assim que ingressou na corporação, Paulo foi jogado nas ruas junto com outro sujeito medroso e inexperiente portando uma 45. Fez algumas prisões. Bateu em viciados e acertou a canela de um ladrão de bicicleta. Foi uma época legal, mas tudo o que ele queria era trabalhar com inteligência e foi o que fez. Lutou muito até chegar no objetivo, mas chegou e agora ele está a poucos quilômetros de se apresentar ao chefe Damião Ramos.

*

O departamento de polícia. Lugar que pode ser muito bem comparado a uma cidade que foi devastada por um tsunami. Logo na entrada, um sujeito que foi detido por agredir o dono de um bar por se negar vender mais um copo de pinga a ele, luta para se livrar das algemas. Paulo passou por ele que era vigiado por um policial e o mesmo o perguntou se ele tinha a chave.

- Ei, você tem cara de quem é da polícia, me passa a chave logo.

Dando de ombros, Alves se aproximou do balcão mostrando sua identificação e o documento de transferência. O policial responsável leu o documento em pé, num dinamismo fora do comum. Olhou para a foto e depois para Paulo.

- Investigador Paulo Alves, seja bem vindo, irei conduzi-lo a sala do chefe.

- Obrigado!

Dentro do DP a confusão é ainda maior. Muita circulação de agentes. Telefones tocando. Murmúrios e sons de teclados sendo digitados. A sala do chefe localiza-se no fim de um corredor extenso de baixa iluminação.

- O chefe já mandou trocar essas lâmpadas, mas só que... – tentou explicar.

- Sei como essas coisas funcionam.

Damião Ramos, um baita negro com quase dois metros de altura e cento e poucos quilos bem pesados. Assim que o agente e Paulo entraram, sua voz grave e alta soou como um estrondo por toda a sala.

- Detetive Alves, senhor. – informou o policial.

- Ótimo, valeu Clóvis. – Damião se levantou assustando o novato. – seja bem vindo ao caos agente Alves.

- Obrigado, chefe. – a mão do líder encobriu a do investigador.

- Veio disposto a trabalhar, fazer o que tem que ser feito? – abriu o paletó e se sentou.

- Sim, senhor. – engoliu seco.

- Puxei seu histórico ontem a noite e vi que o senhor nunca trabalhou no setor investigativo. Devo me preocupar com isso? – entrelaçou os dedos.

- Li sobre o senhor e vi que na época em que serviu as forças armadas, o senhor não sabia o que fazer com o fuzil e no entanto, hoje comanda um departamento policial com maestria. Tudo tem sua primeira vez, chefe.

Damião não sabia se ria, se chorava ou se apertava o pescoço daquele novato atrevido. Optou por sorrir. Foi mais fácil.

- Ótimo, muito bom. – bateu na mesa e depois abriu a segunda gaveta. – quero que veja essas fotos. – as colocou na frente do investigador.

Três fotos. Três arrepiantes imagens de uma cabeça feminina jogada num terreno baldio. Paulo as pegou lentamente e uma a uma foi analisando. Um olho aberto e o outro quase fechado. A boca semiaberta. Cabelos ruivos não naturais – assim pensou Paulo – jovem, aparenta ter a mesma idade que ele. Alves abaixou as fotos e contemplou Damião com sua expressão raivosa o fuzilando com o olhar.

- Eu iria deixar esse caso com o detetive Guimarães, porém o mesmo adoeceu. Sua vinda para cá foi emergencial. Assuma o caso e por favor. Me deixe informado. Pode ir.

Fora da caverna, como todos ali chamam a sala de Damião, Alves foi conduzido pelo mesmo policial até sua mesa. Segurando as fotos, Paulo ligou o computador e abriu o Google. Analisou mais uma vez as imagens.

- E o resto do corpo? – batia no queixo com o indicador.

Digitou de forma bem simples, cabeça de mulher é encontrada. Vários sites de notícias surgiram. Paulo clicou num de sua confiança e leu toda matéria com atenção. Fez algumas anotações e saiu. Enquanto cruzava o corredor sua cabeça girava a uma velocidade estonteante, um bom policial mergulha fundo no caso. Um excelente detetive volta ao princípio de tudo e dali ele organiza sua linha de investigação. Farei isso. Paulo Alves preferiu ir com seu veículo ao local. Hora de me tornar um policial de verdade.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 22/07/2020
Código do texto: T7013762
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