LINHA POLICIAL - Paulo Alves - Parte dois - Final

LINHA POLICIAL

- Paulo Alves –

Final

Peixe sabe muito bem que estará cometendo uma loucura enfrentando a polícia de igual para igual. Ele também sabe das terríveis consequências que isso pode acarretar. Mesmo ciente de tudo isso, ele se prepara. Mandou que seus homens ficassem em suas posições e que abrissem fogo contra os agentes assim que aparecessem. Filé, seu braço direito ficou responsável por dar cobertura para o bando utilizando a Ponto trinta que ficará no ponto mais alto do galpão. Peixe por sua vez fará uso de um fuzil com mira. Nada como um confronto para por em prática aquilo que aprendeu na época em que defendia as cores do estado. Antônio Carlos sempre foi um bom atirador, o melhor de seu grupo.

Um dos soldados de Peixe que se encontra do lado de fora do galpão chamou no rádio anunciando a chegada da polícia. Imediatamente Peixe e os outros verificaram suas armas e as destravaram. Filé segue com a mão no gatilho da ponto trinta e mastigando uma goma de mascar. A potente arma foi minuciosamente posicionada para não deixar que os homens da lei invadam o lugar. Na época da compra do equipamento, Felipe foi contra, a ponto de questionar seu chefe pela aquisição.

- Pra mim foi dinheiro jogado fora. – disse olhando para a máquina de guerra.

- Filé, meu querido, somos o vilões aqui. Conheço as entranhas da polícia, sei do que aqueles vermes são capaz. Um dia a casa vai cair e quando isso acontecer, ela será nossa principal defesa. Pense.

Só o tempo para mostrar quem estava certo e quem estava equivocado. Observando a movimentação policial usando binóculos, Filé consegue dar razão ao seu líder. O rádio chama.

- Filé na escuta.

- Vê alguma coisa? – perguntou Peixe.

- Sim. Muitos carros e também uma montanha usando terno e gravata.

Silêncio.

- Montanha usando terno e gravata? Que merda é essa?

- Exatamente, chefe, um baita negão portando uma calibre doze cromada, uma lindeza de arma.

Dentro do escritório Antônio balbuciou deixando o rádio sobre a mesa.

- Chefe Damião Ramos. – engoliu seco.

Antônio e Damião. Velhos conhecidos. Fazia tempo que Peixe não ouvia falar do Montanha gigante, porém Antônio conhece muito bem sua reputação. Pois é, logo com quem ele foi arrumar encrenca. Tarde demais para bater em retirado. Peixe olhou para sua arma quando uma nuvem negra se apossou de seu rosto. Hora de por fim na trajetória do chefão da polícia.

- Filé, você me ouve? – pegou o rádio abruptamente.

- Em alto e bom som.

- Quando tiver a chance não hesite em atirar contra essa montanha gigante, ok?

- Não precisa me pedir duas vezes. – cuspiu a goma de mascar.

*

Agora os dois agentes se encontram cada um de um lado do portão. Damião na esquerda e Paulo na direita. Faz silêncio lá dentro e isso não é nada bom. Paz e tranquilidade são palavras que não existem no dicionário policial, toda paz precede uma tempestade e toda tranquilidade um desfecho trágico. Os inimigos estão lá e podem ser sentidos, mas exatamente aonde estão? Pelo rádio Alves acionou o atirador posicionado no prédio no início da rua.

- Vê alguma movimentação?

- Negativo, senhor.

Sem emitir som Damião se comunicou com Paulo.

- É uma armadilha.

Todos os envolvidos nessa operação sabem que se trata de uma emboscada, por isso todo o cuidado é pouco, ter baixas não está nos planos de nenhum dos dois, principalmente nos de Paulo Alves. A grande questão é; o galpão precisa ser sondado e para que isso aconteça ele precisa ser invadido. Se é seguro fazer tal coisa? Lógico que não, nem mesmo é inteligente fazer tal coisa, porém algo precisa ser feito. Peixe está lá dentro, e trama algo. Ele por si só já é uma ameaça, agora imagine acompanhado e muito bem armado? Nessas horas não se é permitido pensar, mas sim agir. Alves fez um gesto rápido autorizando a invasão do lugar.

- A hora é essa, rapaziada. – sussurrou.

*

O que é a intuição policial. Antônio se encontra fora da polícia faz alguns anos, porém o seu faro de tira continua aguçado. Não foi preciso ver, mas sentir quando seus ex colegas estavam prontos para invadir. Ele acionou Filé que abriu fogo. A ponto trinta não tem o poder de fogo da ponto cinquenta, mas ainda assim é uma baita arma letal que não deveria estar em poder de pessoas como Felipe Chagas. A primeira rajada deixou os agentes em pânico. Tudo não passou de um tiro de alerta, demonstração de poder, agora a brincadeira será pra valer. Filé girou a arma e disparou contra as viaturas paradas na calçada. Os moradores do lugar fecharam suas portas e janelas enquanto os carros eram metralhados.

- Mais que merda. – falou Damião deitado no asfalto. – ninguém de pé, ouviram?

Filé girou a arma para o lado esquerdo onde havia alguns polícias abrigados atrás das árvores e postes. Dedo no gatilho e bala voando. Os agentes mal podiam respirar. Alves chamou o atirador via rádio.

- Consegue ver o atirador?

- Ainda não, mas deduzo.

- Compartilhe.

- Ele deve estar na parte alta do galpão, lado direito, coberto por madeira e folhas de zinco. Estou ao seu comando.

- Fogo nesse merda.

Mira ajustada. Respiração zerada. O gatilho vai sendo esmagado aos poucos até que o dispositivo liberou a bala que atingiu Filé no ombro. Do lugar onde Peixe estava foi possível ver a poeira rosada saindo do ombro de seu assecla que não conseguindo sustentar o próprio peso e caiu se arrebentando no chão. A queda lhe rendeu uma das pernas quebrada. Da cintura Filé sacou sua pistola voltando a ser uma ameaça aos agentes. Lá fora Paulo e Damião seguem firmes na invasão ao galpão. Antônio resolveu revidar ao ataque disparando duas vezes contra o portão de entrada.

- Vamos precisar de um blindado, eles estão usando artilharia pesada. – falou um policial abaixado.

- Também pensei nessa possibilidade, mas eu acho iremos perder tempo. – respondeu Alves sob mais um disparo.

- Alves. – disse Ramos. – estamos numa guerra, Antônio se preparou para isso, vamos atacar.

Ele não deixa de estar certo, pensou Paulo.

- Tem razão. – chamou o atirador no rádio. – atenção atirador, nos dê cobertura, vamos invadir agora.

- Positivo, senhor.

*

Atiradores um, dois e três dão cobertura ao grupo que simultaneamente invadem o galpão. Chuva de disparos, gritaria e ordens de rendição. Os homens de Peixe vão caindo feito moscas com o efeito do inseticida. Damião correu para se proteger atrás das caixas e quase foi atingido por Filé. O chefe de polícia revidou o ataque, mas sem sucesso. Do alto, Peixe tem uma visão privilegiada. Basta somente mirar e puxar o gatilho e pronto, mais um policial no chão. A cada corpo que cai uma comemoração.

- Venham me pegar. – gritou. – conte seus mortos.

Filé se arrastou até próximo dos carros. Sangrando e sentindo fortes dores ele não desiste de defender seu grupo. Ele viu um policial vindo em sua direção, por isso se antecipou atirando e o acertando no peito. Paulo Alves viu quando seu companheiro foi atingido e isso entregou a localização de Filé. Alves correu agachado entre os veículos e caixas e viu Felipe deitado segurando o ferimento da bala.

- Solte a arma, você está preso.

Não dando ouvidos ao comando policial, Filé apontou para Alves, mas foi alvejado por Damião que estava do outro lado.

- Não tive escolha. – explicou o chefe.

- Relaxa. Acho que esse era o tal de Filé. Peixe está escondido em algum lugar lá em cima.

- Ele atira bem, estamos vulneráveis aqui em baixo. – recarregou a calibre doze.

- O jeito é sufoca-lo até ele sair.

E assim foi feito. Chumbo grosso pra cima de Antônio que não pode nem respirar, falar ou pensar. Ele, como um ex policial sabe bem o que é ficar encurralado em meio ao fogo cruzado. Nesses casos o melhor a se fazer é manter a calma e esperar. Escondido atrás de sua mesa ele aguarda até que os disparos cessem e ele possa revidar. Enquanto isso ele tenta refazer o plano mentalmente. Não há muito o que fazer. A fuga seria sua melhor opção. Um tiro explodiu um quadro de moldura de vidro o assustando.

- Droga, logo nesse quadro.

Peixe se recorda de que na parte dos fundos do galpão há um carro estrategicamente posicionado para fuga nesses casos extremos. Mas ele também lembrou que a essa altura todo o quarteirão foi tomado por agentes e que possivelmente estão sob ordens de Damião Ramos para atirarem. O melhor a se fazer é ficar e manter a resistência. Antônio pensou em Filé. Estaria ele morto? Ou ferido em posse dos vermes de farda? Por que ele ainda não subiu aqui para me dar suporte?

Os tiros pararam. Arrastejando até o ponto onde estava, Peixe utilizou a mira do fuzil para averiguar. Lá embaixo ele viu Damião recarregando sua doze. Os miseráveis não desistem, pensou. A melhor defesa é o ataque. O chefe Ramos não está em sua linha de tiro perfeita, mas vale a pena arriscar. Ele mirou e disparou. Damião rodopiou deixando cair sua arma alarmando a todos. Alves imediatamente o puxou para um abrigo.

- Fique calmo, chefe.

- Droga. – disse olhando o ferimento na clavícula direita. – ele ainda está vivo. Subam e arranquem o Peixe de lá. – berrou.

Paulo Alves entendeu a ordem, assim como os outros. Damião era socorrido quando o novato avançava em direção ao andar. Do alto mais tiros. Peixe sabe que é jogada perdida, mas o que vale e cair atirando. Alves alcançou as escadas e pediu cobertura. Finalmente a porta de entrada. Por descuido Peixe a esqueceu entreaberta. Alves deu um tempo e nesse curto período os tiros pararam outra vez. Para não ser surpreendido Paulo se agachou. De repente o vidro da porta explodiu cobrindo Alves de estilhaços.

- Sua mãezinha não lhe ensinou a bater antes de entrar, policial. – atirou outra vez.

- Abaixe a arma, Peixe, você perdeu.

- Não estou afim. – disparou.

- Você está sozinho, cara, não seja burro. – atirou de volta.

- Pelo visto você é novo nessa maldita profissão. Eu já estive do seu lado, meu caro e tudo o que consegui foi desprezo e humilhação. Agora chegou a minha vez. – atirou duas vezes. – sabe aquele idiota lá embaixo, Damião Ramos, pois bem, ele sempre gostou de fazer justiça aonde não cabia justiça, sempre arruinou meus planos e quando finalmente ele atingiu seu objetivo, ele simplesmente me ignorou, ignorou a todos.

- Isso ficou no passado. Você ainda tem a chance de se redimir. Pense.

- Você é mesmo muito bobo, oficial... Qual o seu nome?

- Alves, Paulo Alves.

- Esqueça essa ideia de ser o paladino da justiça. Ser policial hoje em dia é sinônimo de bandido vestindo uma farda do estado.

Paulo já estava de saco cheio de ficar ali abaixado ouvindo as asneiras de Peixe. Chega de justificativas. Antônio Carlos está errado e cometeu erros contra toda uma cidade. Ele precisa pagar. Alves se levantou e pulou para dentro rolando para trás do armário. Peixe atirou várias vezes. A intenção de Paulo é prendê-lo, pelo visto isso não será possível. Ele ajustou sua arma para o automático e saiu do abrigo surpreendendo o bandido que foi atingido várias vezes até cair.

- A justiça sou eu.

Peixe não morreu, mas está gravemente ferido, por isso Alves correu até a janela com cuidado e solicitou uma ambulância.

- Rápido. – gritou.

*

No dia seguinte, no hospital, Paulo entrou na enfermaria em busca do quarto onde chefe Damião se encontra se recuperando. A seu lado Janaína, muito falante pra variar. Finalmente o quarto 508. Paulo agradeceu aos céus pois já não aguentava mais ouvir Janaína falar sobre suas dificuldades na redação do jornal.

- Olha ele ali, não falei que ele era enorme.

- Estou nervosa, sempre ouvi falar do chefe Ramos, mas nunca o vi pessoalmente. Posso fazer uma exclusiva com ele? – se empolgou.

- Melhor não, estamos dentro de uma hospital. Sossega.

Damião se sentiu pai de um filho que orgulhosamente leva a namorada para conhecer a família.

- Ora, ora se não é a famosa Janaína Lopes, gosto de ler suas matérias.

- Obrigada, chefe, podemos marcar uma entrevista?

Paulo a beliscou.

- Qual o problema, Alves? – sorriu para Janaína. – será um prazer, querida.

- Aí, obrigada, vou deixar vocês a vontade. – bateu palminhas de leve.

Assim que a jornalista se afastou Damião desfez o sorriso e olhou para Paulo.

- E o Peixe?

- Ainda em estado grave, mas vai sobreviver.

- Preciso dele vivo. Ele precisa pagar pelos pecados cometidos contra a nossa farda, Alves. Entendeu?

- Perfeitamente, chefe.

- Outra coisa. – engoliu seco antes de prosseguir. – você é o orgulho da corporação. O novato Paulo Alves ficou no passado. Eu me vejo em você, pilhado, sedento por fazer seu trabalho bem feito, você verdadeiramente honra o distintivo. Parabéns, meu líder. – riu.

- Eu, seu líder? Eu quem agradeço por me deixar fazer parte desse grupo.

Damião enxugou às lágrimas e completou.

- Romão Félix, quero que fique de olho nele. Acho que tem tráfico de drogas na jogada.

- Pode deixar comigo, senhor.

- Conto com você. FIM

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 06/10/2020
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