Um crápula a menos

Um pequeno gesto mudaria a vida dela, mas se isso seria para melhor ou pior, ainda estava por ser determinado. Encheu-se de coragem e discou o número de Agnes.

- Alô? - Pronunciou, ao ouvir o som da ligação sendo completada.

- Quem fala? - Indagou Agnes do outro lado da linha.

- Sou eu, Frances - identificou-se. - Você pode falar agora?

- Já não havíamos acertado nossas contas, Frances? - Questionou a interlocutora com impaciência.

- Sim, tivemos uma conversa esclarecedora, é verdade - apressou-se em dizer. - Mas ainda ficou uma situação por resolver; desculpe se a omiti no dia.

- O que você não me disse, Frances? - Agora, Agnes parecia quase assustada. - Depois de tudo o que me falou sobre os seus problemas com meu ex-marido, o que precisaria ainda ser esclarecido?

Frances sentiu que já havia ido longe demais para não revelar toda a verdade.

- Eu não tive coragem de lhe dizer quando nos encontramos... mas, bem... eu não fui a única que o André assediou no trabalho. Na verdade, praticamente todas as estagiárias que ele contratou sofreram algum tipo de assédio. A maioria preferiu se fazer de desentendida e evitar ao máximo contato com ele, mas algumas chegaram mesmo a se demitir por conta disso.

Agnes ficou em silêncio.

- E o que você tem a ver com isso? - Indagou finalmente.

- Eu me sinto culpada - admitiu. - Sabia de que tipo de garota ele gostava, e fazia a seleção das estagiárias com base nisso. É horrível ter que confessar, mas era como se eu desviasse a atenção dele para as outras.

Agnes suspirou.

- O leão estava faminto e você não queria ser a próxima refeição, certo?

- Como eu disse, é horrível ter que revelar isso, mas eu precisava fazê-lo - desabafou. - Sentia-me quase como uma cúmplice do desvio de caráter de André.

- Eu entendo - disse Agnes. - Realmente, eu entendo; André fez você passar poucas e boas. Fico feliz que tenha me aberto os olhos para a pessoa sem escrúpulos que ele era.

- Você me perdoa? - Suplicou Frances.

- Sim, eu te perdoo, sem qualquer dúvida - replicou Agnes. - Você foi tão vítima quanto as outras garotas, mesmo que tenha se sentido coagida a ajudar André.

E, após uma ligeira pausa:

- De qualquer forma, André não poderá prejudicar mais ninguém.

Frances sentiu uma ponta de apreensão invadi-la.

- O que houve com ele?

- Parece que não aceitou muito bem a separação; depois que dei entrada nos papéis e ele foi morar num flat, soube por amigos em comum que andava deprimido. Não dei atenção. Na semana passada, o encontraram morto no apartamento, parece que foi um infarto fulminante.

- Que coisa terrível! - Exclamou Frances.

- Não lastime - atalhou Agnes. - Menos um crápula no mundo.

Despediram-se cordialmente, Frances sentindo-se mais leve pela confissão que acabara de fazer e Agnes por endossar a decisão que tomara de envenenar o ex-marido com oleandro, quando ele propusera que reatassem o relacionamento. Havia sido o último brinde da vida dele, um brinde para toda a eternidade...

[19-11-2020]