O Porto Seguro
- De onde ele tirou essa ideia? - Aborreceu-se o inspetor Palle Wagenaar, quando o colega Bintse Ykema ligou de um telefone público para a Delegacia de Homicídios, atualizando-o com o andamento da investigação na Universidade Van Tuinen.
- Ficou claro que depois da tal história do seminário, o professor Wiersma andou pesquisando sobre Veenstra por conta própria - relatou Ykema, sentado no exíguo banco triangular dentro da cabine telefônica envidraçada, cotovelo apoiado na pequena bancada que suportava um exemplar amarrotado da lista telefônica local. - É uma linha investigativa que não nos teria ocorrido seguir, acredito.
- Estamos atrás de um assassino humano, não de um criptídeo - atalhou Wagenaar. - Se Wiersma não está querendo desviar a nossa atenção, duvido que ir em busca de supostos deciferontes possa nos ajudar a resolver o caso.
- Não creio que Wiersma tenha algo a ver com a morte de Veenstra, - prosseguiu Ykema sem se abalar - mas, apenas por precaução, anote o número do cartão de passagem dele para verificar no sistema; não tem semelhança com o retrato falado, e alegou que tampouco conhece o suspeito.
Ykema recitou o longo código numérico e aguardou que Wagenaar o confirmasse.
- O que você sugere, então? - Indagou Wagenaar em seguida, aparentemente mais calmo. - Desde que não seja ir atrás de deciferontes...
- Essa ideia do Wiersma sobre o trabalho anterior de Veenstra, talvez valha a pena investigar - avaliou Ykema. - Eu peguei uma cópia do currículo do falecido na universidade, onde estão relacionados os locais onde trabalhou antes do tal colapso nervoso... são apenas dois, aqui mesmo na cidade; posso ir ver amanhã de manhã, se quiser.
Wagenaar fez uma pausa para avaliar a proposta e finalmente respondeu:
- Está bem, vou avisar ao comissário Pasma que estamos seguindo uma nova linha de investigação; só vou omitir a parte dos deciferontes.
- Acho justo - replicou Ykema.
- Caso precise falar comigo, amanhã Holwerda e eu vamos passar o dia no edifício Ierdswel, entrevistando alguns nomes da lista de residentes levantada pelo Post. Anote o telefone da portaria.
Ykema retirou seu bloco de anotações e caneta do bolso do paletó, e tomou nota do número.
- Certo, estamos combinados. Mais alguma coisa?
- Obrigado, Ykema - disse Wagenaar antes de desligar.
* * *
A noite já havia caído, quando o inspetor Ykema estacionou o DAF 66 descaracterizado em frente à uma casa térrea, no bairro de Feilige Haven. Atravessou o pequeno caminho cimentado que cruzava o gramado, levando à varanda da residência, e tocou a campainha. Instantes depois, uma mulher de cerca de 60 anos de idade, roupão sobre um vestido caseiro, abriu a porta e sorriu ao vê-lo.
- Bintse!
E o abraçou.
- Olá, mãe - disse o policial.
- Se tivesse dito que viria, teria feito labskaus - comentou a Sra. Ykema, segurando o filho pelos ombros e olhando-o de cima a baixo. - Você está tão magro!
- Não estou, mãe - desconversou o inspetor.
- Vamos entrar - determinou a Sra. Ykema, puxando-o para dentro e fechando a porta. - E vá se lavar, vou tirar o speckendicken da geladeira.
- Se soubesse que tinha speckendicken, teria vindo antes - confessou o inspetor, bem-humorado.
Minutos depois, sentados frente a frente na mesa da cozinha da residência, uma caneca de cevada solúvel e um prato de panquecas com bacon diante de Bintse Ykema, a mãe espalmou as mãos sobre a mesa e indagou:
- O que aconteceu, Bintse, para vir me ver no meio da semana?
O inspetor tentou fazer graça, enquanto cortava uma tira de bacon:
- Pensei que ia ficar feliz com uma visita aleatória, mãe.
Mas, diante da expressão séria de Taitske Ykema, resolveu contar a verdade.
- Aconteceu uma coisa estranha no trabalho, hoje... depois de muito tempo, alguém veio me falar em deciferontes.
A mãe o encarou, sem nada dizer.
- A senhora, mais do que ninguém, sabe do motivo pelo qual resolvi entrar para a polícia - prosseguiu Bintse Ykema. - Embora a polícia negue a existência de deciferontes.
- Você tem alguma informação concreta, Bintse? - Indagou Taitske Ykema, muito séria.
O inspetor parou de comer.
- Ainda não, mãe. Mas estou num caso onde a vítima pode ter sido morta porque sabia onde encontrar um deciferonte.
Taitske Ykema baixou a cabeça, o pesar lhe invadindo o rosto.
- Sabia... e agora morreu - murmurou.
- Mas o assassino talvez saiba - acrescentou rapidamente Bintse Ykema. - Se eu o prender, poderemos ter uma boa pista, depois de todos esses anos!
Taitske Ykema apenas balançou a cabeça em concordância. Subitamente, parecia cansada demais para fazer qualquer comentário.
[Continua]
- [17-09-2021]