Gabriela

  Nos campos de extermínio nazista, como Auschwitz e Dachau, centenas de soldados alemães eram frequentemente acometidos pelo que hoje conhecemos como crises severas de estresse pós-traumático, depressão e histeria. Isso dava-se ao fato de não mais suportarem trabalhar nas chamadas "fábricas da morte".

  Eles eram tidos como doentes e inválidos, eram afastados do serviço militar e acabavam em manicômios. Outros, porém, trabalhavam diariamente nas câmaras de gás, removendo e incinerando cadáveres e até mesmo comercializando bens confiscados dos prisioneiros. Em tal situação, cabe-nos uma breve reflexão: qual destes grupos de soldados eram mentalmente saudáveis?

  — Evandro Borges

PARTE 1

  sexta-feira,

  13 de abril de 2001 (PASSADO)

  Gabriela Pieterse-Casotti acordou no meio da noite com os ganidos dos cachorros da vizinha no lado de fora da casa.

  Pareciam que não iam parar de ganir nunca.

  Atrás das cortinas brancas de seda, ela observou a árvore no meio do jardim na sacada em frente.

  Aquilo—na visão dela—, pareciam ter braços e dedos conforme o vento esbaldou-se na calada da noite.

  As folhas secas nos galhos compridos e tortos, na estação de outono, cairam em janelas e varandas do primeiro andar.

  Sentindo-se assustada, cobriu o rosto com o lençol; mas não adiantou nada!

  A figura de aparência monstruosa já gravada em sua mente, movia-se e movia-se.

  Mas com o passar do tempo, ela conseguiu dormir tranquilamente.

  Amanheceu, mas aqueles cachorros não paravam de ganir um só segundo.

  São quase sete horas da manhã.

  Do quarto, ela penteou seus cabelos na penteadeira cor-de-rosa ao lado do guarda-roupa que ganhou de Henriqueta, sua avó.

  Até que de repente ouviu Débora, sua mãe, a chamá-la no começo da escadaria.

  — Gabrieeelllaaa—gritou Débora, do começo da escadaria ao desligar depressa às luzes dos cômodos da casa. — Está pronta para ir?

  — Sim mamãe—respondeu Gabriela, ao guardar a escova de cabelo na gaveta direita da penteadeira. — Já estou indo.

  Bernardo, seu pai, retirou o carro da garagem.

  Cinco minutos depois, eles deixaram São Bernardo do Campo - São Paulo, e, partiram para Santos; para poder comemorar em família o aniversário de cinquenta e um anos de Henriqueta.

  No meio do caminho, ela alucinou achando que um corvo negro bateu no para-brisas do carro quebrando o pescoço e sangrando nele todinho (se é que já existiu corvos no Brasil né?)

  Distraído com sua reação, Bernardo desviou o olhar por cinco segundos e o carro colidiu-se na traseira de uma pequena ponte.

  As moléculas de vidro naquela hora estilhaçaram-se de uma forma tão maluca, que pareceu mais um filme em "câmera lenta."

  Um minuto após a batida ela acordou assustada.

  O carro, ela, seu pai e mãe estavam praticamente virados de cabeça para baixo.

  Com apenas quatro anos de idade, ela percebeu que o tanque estava vazando gasolina e que aquilo não era bom.

  — Mãmae, papai vocês estão bem—perguntou Gabriela, assustada com manchas de sangue em seu vestido branco.

  — Ai meu Deus—ofegou Bernardo, com dor. — Ai meu Deus!

  — Ber... nar... do—falou Débora, lentamente em suas últimas palavras.

  — Ei, você vai ficar bem—falou Bernardo, tentando aliviá-la. — Gaaabbbiii, ajuda-me aqui.

  — Escute-me—falou Débora, enquanto seus olhos não fechavam-se. — Cuide bem da nossa garotinha.

  — Mãããeee—gritou Gabriela, ao ver sua mãe naquele estado. — Por faaavooor, acorda.

  Bernardo que estava no volante, tinha ferimentos graves.

  Débora que estava no carona, não resistiu e morreu ali mesmo.

  Um desconhecido parou o carro no meio da ponte quando viu a fumaça acumulando-se por debaixo do viaduto.

  E, mesmo assim, ajudou a tirar seu pai e mãe daquele lugar antes que o carro explodisse de vez.

  Ele chama a ambulância às pressas.

  Os paramédicos chegam junto com a polícia rodoviária, mas Débora já estava morta.

  Após duas semanas e quatro dias, seu pai fez mais de quinze cirurgias; mas devido ao seu estado crítico, ele também não resistiu e morreu um mês após o ocorrido.

  — Mas que merda—falou Gabriela, enquanto às lágrimas caiam de sua face (chorando).

  Sua guarda foi dada a Henriqueta, mas por causa do seu trauma recente, virou um porre de pessoa.

P.S.: Gabriela (Ella), nasceu no dia 12 de junho de 1997, no Hospital Neomater, às 6:30 daquela manhã de quinta-feira.

PARTE 2

  quarta-feira,

  11 de junho de 2015 (PRESENTE)

  Quatorze anos passam-se desde aquele dia, mas Gabriela ainda têm seus episódios de depressão, esquizofrenia e estresse pós-traumático.

  Na véspera de seu décimo oitavo aniversário, ela foge da casa de Henriqueta, mas não olha mais para trás.

  Nunca mais! E tenta viver a vida conforme ela a guia.

By Otávio Schopennhauer

Otávio Schopennhauer
Enviado por Otávio Schopennhauer em 07/10/2021
Reeditado em 20/02/2022
Código do texto: T7358476
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