Quase Informantes

Acordo e a cabeça doi. Agulhas parecem fincadas, sem deixar entender o que vejo a minha volta. Quero voltar a dormir, mas não dá. Ouço meu amigo:

- Oigalê, tu parece que viu algum defunto. Tô falando contigo faz um tempo. Que beberagem, hein?

Tento responder, mas fico com a boca aberta e a dor aumenta. Olho a pessoa a minha frente, mas aparece por trás uma cena que vi ontem, antes de entornar a garrafa. Mas, será que vi mesmo? Meu amigo mexe e remexe em seus trastes e por fim encontra o que procura: dois AAS, que conseguiu no posto de Saúde. Estende para mim, dizendo:

- Falaram que era os último. Aproveita que tô bem.

Estendo a mão sem ânimo até para abrir o papel. Ele abre e continua:

- Tu lembra´o que aconteceu ontem por aqui? Quando cheguei, tavam levando dois sujeito, que empacotaram à noite. A polícia falou que um matou o outro e depois estourou os miolo. Tua acha que vou cair nessa? Os “meganha” sempre com conversa fiada. Porque se fosse eu, mataria sem ninguém me ver e sairia de fininho, levando a carteira do que morreu por último, que ficou no bolso do blusão. O revolver ficou do lado da mão dele. Isto eu vi quando cheguei, mas o resto é conversa p´ra boi dormir e veado ler no jornal. Pena a gente não estar por aqui ontem à noite, só p´ra ver o que aconteceu.

Ouço isto e tenho vontade de contar o que aparece agora bem claro na minha frente. Fecho os olhos p´ra ver se ele cala a boca. Tenho medo de dormir e assistir outra vez a encrenca que vi. Não quero que meu amigo saiba, pois quanto menos espalhar melhor. Esses meganha são capaz de dar uma prensa e eu ter de contar

p´ra não apanhar. Aí me prendem e dizem que confessei. Conheço esta história. Mas será que foi um sonho?

Lembro algo mais ou menos assim: uma piranha gritando, agarrando a jaqueta de um deles,e exigindo o dinheiro que deviam. Eram dois, serviço em dobro, ela tava certa, mas precisava sacudir o dedo na cara deles? Isso eu não iria aturar. Dava-lhe

um tabefe como um deles fez. O outro a empurrou com a bolsinha bem gorda. Ela caiu, gritando cada vez mais, chamando eles de ladrão. E como viu que iam embora rindo, tirou um revolver da bolsa e apontou. Aí um deles se aproximou e tentou desarmar, pegando no braço.

Ela trocou de mão e atirou o revólver na direção daquela estátua. E de trás da árvore, saiu o cafetão que pegou a arma e atirou no que estava próximo. Quando o que roubava tentou fugir, fuzilou pelas costas. Depois botou os defunto um perto do outro. Examinou os bolsos e levou a carteira do primeiro, que parecia bem cheia e não mexeu no segundo, que também morreu na hora. Sujeito esperto. A franga ainda quis pegar a outra carteira, mas ele só deixou levar uma. E botou a arma perto da mão do segundo, p´ra parecer suicídio. E se escafedeu, puxando a piranha pelo braço.

A cena agora aparece bem clara na minha frente. Olho meu amigo, pensando se conto ou não que vi tudo, quando ele fala:

-Não precisava ficar com dor de cabeça só porque a polícia apareceu.

Então eu cruzei meus dedos em cruz, antes de arrematar:

- Eu também tava aqui ontem à noite.

Marluiza
Enviado por Marluiza em 12/03/2008
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